MPLA ORDENOU E ELE FOI PARA FICAR

O presidente angolano, João Lourenço, afirmou esperar que Isaías Samakuva, que voltou à presidência da UNITA depois do afastamento de Adalberto da Costa Júnior, ordenado pelo Presidente do MPLA (João Lourenço), tenha “vindo para ficar”, na cerimónia em que foi reempossado como conselheiro da República. Disse-o conscientemente perante alguém que deveria ter tido a coragem “savimbista” de renunciar a este direito, como deveria ter tido a coragem de não aceitar voltar à liderança da UNITA.

Por Orlando Castro

Coragem não é propriamente uma qualidade de Samakuva. Vejamos, utilizando o que escreveu ontem, aqui, o deputado da UNITA Joaquim Nafoia.

Em Novembro de 2020, João Lourenço convocou o Isaías Samakuva, em detrimento do Presidente eleito da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, para abordar questões relativas a manifestação reprimida brutalmente pelo seu Executivo. Samakuva aceitou.

No início deste ano, João Lourenço, pela segunda vez, convidou Isaías Samakuva para participar na actividade da primeira-dama Ana Dias Lourenço, em detrimento do Presidente da UNITA Adalberto da Costa Júnior. Samakuva aceitou.

No dia 4 de Abril, João Lourenço convidou Isaías Samakuva, Miraldina Olga Jamba, Ernesto Mulato e José Samuel Chiwale, para participar do suposto almoço da paz, em detrimento de Adalberto da Costa Júnior, Presidente da UNITA. Samakuva aceitou.

O meu Amigo e velho companheiro dos bancos da escola, Paulo Lukamba Gato, raramente se engana. Mas ao comentar o plano estratégico do regime para combater o líder da UNITA, enganou-se. O Mais Velho dele, e também meu, continua a ter razão. De facto, “estamos a dormir e o MPLA está a enganar-nos”.

«O que me deixa tranquilo no entanto, é que no contexto actual já não há partidos políticos armados. Hoje os instrumentos de luta são a argumentação política e a justiça para arbitrar caso haja conflito», afirma Paulo Lukamba Gato.

Afirmação errada, como todos os dias se vê e sente. Muito errada e perigosa. Em Angola existe um partido, o MPLA, fortemente armado. Desde logo, e de forma inequívoca, porque as FAA são um instrumento do Estado e o Estado é o MPLA. Ou, como diz o partido que nos governa desde 1975, o MPLA é Angola e Angola é do MPLA. Portanto…

Recordo o que, por exemplo, escrevi aqui no Folha 8 (onde mais poderia ser?) em 11 de Janeiro de 2019 sob o título “Vocês estão a dormir e o MPLA está a enganar-vos”:

«A UNITA, o maior partido da oposição angolana, assegura que as cerimónias fúnebres do seu antigo líder e fundador, Jonas Savimbi, vão acontecer este ano, “mobilizando milhares de angolanos”, mesmo que sem honras de Estado, como já avisou o Governo.

“Queremos entender as declarações do general [ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente angolano] Pedro Sebastião como uma posição em que tomamos boa nota, mas o importante é que prevaleça a vontade de cooperação manifestada pelo senhor Presidente da República”, disse Alcides Sakala, então porta-voz da UNITA.

Em declarações à Lusa, Sakala referiu que Jonas Savimbi, morto em combate, em 2002, “não foi uma pessoa qualquer” e que a cerimónia das suas exéquias “vai mobilizar milhares de angolanos que virão de todos os cantos do país”.

Não foi, de facto, uma pessoa qualquer. Mas, tanto quanto parece, a UNITA de hoje tem medo, continua a ter medo, de exigir que o Estado/MPLA reconheça que Savimbi não só lutou pela independência de Angola como foi signatário (entre outros) do Acordo de Alvor que levou o país à independência, pelo que – conjuntamente com Agostinho Neto e Holden Roberto – deve figurar como um dos três fundadores do país independente.

E se antes foi o tempo dos contratados e escravos ovimbundus ou bailundos irem para as roças do Norte, agora é o enxovalho (mesmo que mitigado e maquilhado) ao dizer aos dirigentes da UNITA que ou se portam como o Estado/MPLA determina, ou terão de transportar pedras à cabeça para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilarem.”

Talvez (sejamos ingénuos) os dirigentes da UNITA, a começar por Isaías Samakuva, não tenham ouvido o clamor do Povo quando Jonas Savimbi morreu: “Sekulu wafa, kalye wendi k’ondalatu! v’ukanoli o café k’imbo lyamale!”. Ou seja, morreu o Mais velho, agora ireis apanhar café em terras do norte como contratados, ou ser escravos na terra que ajudaram a, supostamente, libertar.

É verdade que Savimbi nem sempre tinha razão. Quando dizia “Ise okufa, etombo livala” (prefiro antes a morte, do que a escravatura), estava muito longe de saber que a sua mensagem não faria escola entre os principais dirigentes da UNITA que, hoje, preferem a escravatura de barriga cheia e não trocam a lagosta (que o MPLA lhes dá com fartura) pela mandioca, ou farelo, que mantém milhões de angolanos mais ou menos vivos.

A UNITA chegou a criar, em Maio de 2014, uma comissão para tratar do processo de exumação dos restos mortais de Jonas Savimbi, que foi sepultado, logo após a morte, no cemitério de Luena, Moxico, e trasladado para o cemitério da família, na aldeia de Lopitanga, município do Andulo, a cerca de 130 quilómetros a norte do Kuito, província do Bié.

“Durante esse período das chuvas [entre Agosto e Maio] fica, de facto, muito difícil acolher um grande número de pessoas, a localidade e a região não têm capacidades para albergar milhares de pessoas nesse espaço, mas consideramos um passo importante esse processo”, indicou Alcides Sakala.

Para o também deputado da UNITA, o programa das exéquias do líder histórico do partido devia ser feito “num ambiente de serenidade de espírito”. Isto é, segundo Alcides Sakala, sem hostilizar o senhor colonial (MPLA), não fosse ele zangar-se e – como dono do país – dar ordens para que tudo ficasse na mesma.

“Eu estou sempre acordado porque estou em constante movimento. Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos”. Não somos nós os autores desta afirmação que, embora dita há muitos anos, mantém toda a actualidade. Quem a disse foi Jonas Savimbi.

Desde 2002 o Galo Negro deixou de voar. O visgo do MPLA mantém-no colado às bissapas. Os angolanos de segunda, que não os seus dirigentes, estão apanhar café às ordens dos novos senhores coloniais.

Com a chegada à Presidência (sem a obrigatória autorização do MPLA) de Adalberto da Costa Júnior, a UNITA resolveu o problema do visgo. Calculou-se então que o Galo iria voar. Ledo engano. O MPLA/Estado tinha-lhe cortado as asas.

De uma forma geral a memória dos angolanos, neste caso, é curta. Como aqui foi escrito várias vezes, todos sabíamos que se não fosse o MPLA a cortar as asas ao Galo Negro, alguém da própria UNITA se encarregaria de o fazer. E assim aconteceu.

Apesar de todas as enormes aldrabices do MPLA, as eleições acabaram sempre por derrotar em todas as frentes não só a estratégia mas a sua execução, elaboradas por alguns dos “generais” da UNITA.

As hecatombes eleitorais, sociais e políticas mostram que a UNITA não estava, como continua a não estar, preparada para ser governo e quer apenas assegurar alguns tachos e continuar a ser o primeiro dos últimos. Se assim não fosse, Isaías Samakuva teria mostrado que quem mandava na UNITA não era o MPLA. Mas é.

O sacrificado povo angolano, mesmo sabendo que foi o MPLA que o pôs de barriga vazia, não vê na UNITA a alternativa válida que durante décadas lhe foi prometida, entre muitos outros, por Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato e Samuel Chiwale.

Terá sido para ver a UNITA a comer e calar, a ser submissa, a ser forte com os fracos e fraquinha com os fortes, que Jonas Savimbi lutou e morreu? Não. Não foi. E é pena que os seus ensinamentos, tal como os seus muitos erros, de nada tenham servido aos que, sem saber como, herdaram o partido e a ribalta da elite angolana. É pena que os que sempre tiveram a barriga cheia nada saibam, nem queiram saber, dos que militaram na fome, mas que se alimentaram com o orgulho de ter ao peito o Galo Negro.

Se calhar também é pena que todos aqueles que viram na mandioca um manjar dos deuses estejam, como parece, rendidos à lagosta dos lugares de elite de Luanda.

Não creio que Homens como Adalberto da Costa Júnior, Paulo Lukamba Gato, Kamalata Numa e muitos, muitos, outros, tenham deitado a toalha da luta política ao tapete. Também não creio que aceitem trair um povo que neles acreditou e que à UNITA deu o que tinha e o que não tinha.

E é esse povo que, de barriga vazia, sem assistência médica, sem casas, sem escolas, reclama por justiça e que a vê cada vez mais longe. E é esse povo que, como dizia o arcebispo do Huambo, D. José de Queirós Alves, não tem força mas tem razão.

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