Liberdade é sinónimo de morte

O activista angolano Domingos da Cruz, autor do livro “Angola Amordaçada – A Imprensa ao Serviço do Autoritarismo”, considerou hoje que Angola “não é uma democracia” e quem usa as liberdades no país “coloca em risco a vida”.

Para Domingos da Cruz, também investigador e docente, debater em Angola se o país é, ou não, um Estado democrático de direito “é uma questão pueril, não faz sentido absolutamente nenhum e revela ausência de consciência crítica individual e também colectiva”.

“Não se deve fazer este debate sobre a existência, ou não, de democracia em Angola porque está mais do que evidente, do ponto de vista da análise comparativa em termos empíricos, que Angola não é uma democracia”, afirmou o activista angolano.

As declarações foram proferidas durante o debate e apresentação do seu livro promovidos, em Luanda, pelo Observatório de Imprensa de Angola.

O autor da obra, que analisa a situação da liberdade de imprensa e de expressão em Angola, os ataques às liberdades, jornalistas e activistas dos direitos humanos no país há 46 anos dominado pelo MPLA, participou no encontro por videoconferência a partir do Canadá.

Angola, disse, “não se enquadra no nível de cultura política em que se encontra o Gana, as Ilhas Maurícias, a África do Sul, a Zâmbia, a Namíbia, ou seja, Angola não está dentro deste clube de Estados democráticos e de direito”.

No entender deste activista do conhecido processo 15+2, os que “insistem” em discutir ou debater se Angola é, ou não, uma democracia, só fazem por desconhecimento “o que seria perdoável, ou por estarem confortáveis com a sua própria ignorância”.

Segundo Domingos da Cruz, numa sociedade democrática, “tem de haver imprensa livre, todas as liberdades devem ser exercidas, sem representar riscos para a nossa própria vida, para a nossa integridade física, sem representar riscos para a busca de oportunidades”.

“Porque você está num país em que o uso das liberdades põe em risco a tua própria vida, inviabiliza-te ascender do ponto de vista económico e social e isto é relevador da inexistência de uma sociedade aberta, inexistência de um Estado democrático e de direito”, notou.

“Só há democracia onde as liberdades não são violadas, onde há uma sociedade civil vibrante, um sistema judicial verdadeiramente independente, onde há uma clara separação entre o poder religioso e o poder político”, acrescentou.

O livro “Angola Amordaçada – A Imprensa ao Serviço do Autoritarismo”, de 153 páginas, distribuídas em quatro capítulos, aborda os temas “Da Democracia Liberal e da Liberdade de Imprensa”, “A Liberdade de Expressão e de Imprensa no Direito Internacional dos Direitos Humanos”, “A Liberdade de Expressão e de Imprensa em Angola” e “Casos de Violação à Liberdade de Expressão e de Imprensa”.

O psicólogo angolano, Nvunda Tonet, comentando a temática do livro no encontro, lamentou a “redução drástica” no país de jornais privados, considerando igualmente que a ideia de que haja maior liberdade de expressão e crítica em Angola “é ilusória”.

“A ideia é que todo mundo hoje pode falar, pode criticar, escrever nas redes sociais, mas tudo isso é ilusório para os nossos olhos, porque se olharmos para os dados específicos, quem tem acesso à informação?”, questionou.

“Estamos a falar de um país com graves assimetrias no acesso à informação que é um direito, logo não podemos ter a ideia de existir maior abertura, há maior acesso à informação, até do ponto de vista do controlo social é mais fácil (…). Não há rádios comunitárias, e isso é que iria, de um certo modo, impulsionar o acesso à informação”, salientou.

A académica e investigadora em ciências da comunicação Inês Amaral enalteceu a coragem e a vertente investigativa do autor do livro, considerando a sua temática como contemporânea, sobretudo por que, realçou, as liberdades de expressão e de imprensa “devem ser pensadas no campo do debate público”.

A “democracia depende sempre de pessoas bem informadas, se as pessoas estão ou são mal informadas as decisões que tomam podem ter consequências adversas, da mesma forma que quando uma sociedade é mal informada as decisões colectivas podem ter efeitos nefastos”, apontou Inês Amaral, que participou ao encontro por videoconferência.

Já o politólogo Olívio Nkilumbo lamentou a “regressão considerável” das liberdades em Angola referindo que a actual Lei de Imprensa angolana “mata a imprensa” do país, porque o regime angolano “ao invés de sofisticado é aventureiro”.

“Considero o nosso regime aventureiro porque em Angola, diferentemente de outros regimes, nós não nos realizamos (…). Temos uma sociedade civil criada pelo próprio regime para o agradar”, rematou o também professor.

No jornalismo a verdade não prescreve!

A Assembleia Nacional (do MPLA) agendou, em Abril deste ano, um debate sobre o papel da comunicação social e a consolidação do Estado Democrático de Direito. Embora não seja possível consolidar o que não existe, não custa imaginar que existe e, a partir dessa miragem, debater.

O debate foi proposto pela UNITA durante a conferência de líderes parlamentares, tendo o presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, concordado com a discussão do tema, mas – há sempre um “mas” na abertura do MPLA – apelou para que fosse feita numa perspectiva pedagógica e num âmbito mais abrangente. Ou seja, devemos discutir tudo na certeza de que, no fim, só um partido decide.

Para Virgílio de Fontes Pereira, o debate deveria visar, também, o apelo à prestação do serviço público, em nome da construção e do aprofundamento dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

“Entendemos que não é um problema que nos cria grande incitação para não discutirmos. Estamos num momento em que todos os debates que visam consolidar o nosso processo democrático são bem-vindos e, por isso, demos a nossa anuência”, disse Virgílio de Fontes Pereira.

Para o deputado, de acordo com o órgão oficial do MPLA (Jornal de Angola – JA), a visão de cada partido político sobre o tema deve contribuir para que a comunicação social seja propulsora do reforço do Estado Democrático de Direito: “Estaremos sempre abertos a isso, porque entendemos que os princípios da lisura, objectividade, de formar e informar com verdade, sendo sujeitos de violações sistemáticas ou ambulatórias, são transversais a todos os órgãos de comunicação social”.

Para Virgílio de Fontes Pereira, não se pode dizer que só os órgãos de comunicação social públicos – e não os privados – não sejam rigorosos nalgumas matérias em relação à objectividade. É claro que o MPLA, em benefício próprio, vai continuar a confundir informação com Jornalismo, apesar de serem coisas diferentes, às vezes até antagónicas. O MPLA não quer perceber que mostrar a sumptuosidade da elite angolana é informação, mas que Jornalismo é mostrar o Povo a procurar comida nos caixotes do lixo.

“É só nós ouvirmos órgãos de comunicação social que estão associados a partidos para compreendermos o modo como a informação fica inclinada relativamente àquilo que é o processo democrático do debate sobre os factos que devem ser tratados a nível da comunicação social”, salientou o líder parlamentar do MPLA, certamente estribado nos exemplos do JA, das múltiplas TPA e da RNA.

Virgílio de Fontes Pereira esperava que o debate fosse feito com responsabilidade, voltado para a verdade e, sobretudo, para a reunião de ideias que possam habilitar os órgãos de comunicação social públicos e privados para o percurso em sede do reforço do Estado Democrático de Direito.

“Fazermos um debate sem esta matriz, provavelmente vamos atiçar mais as nossas desavenças e, num momento pré-eleitoral, se quisermos levar a sério esse desiderato de debatermos a comunicação social, temos de fazê-lo com objectividade, patriotismo e com toda a responsabilidade”, defendeu.

Na óptica do presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, a construção de um Estado verdadeiramente Democrático de Direito exige dos actores principiais, em particular da comunicação social, seja pública ou privada, uma postura que construa para o alcance deste desiderato.

“O passado deixou lições duras, foi de divisões e ódio”, lembrou o deputado, para quem é preciso passar para uma nova fase, a da consolidação da democracia, particularmente a promoção da unidade na diversidade.

Chiyaka sublinhou que, “apesar das convicções políticas serem diferentes, a pátria que servimos é a mesma e queremos alcançar o desenvolvimento económico e social de uma forma sustentável”.

A UNITA, adiantou, pretendia que o debate fosse numa perspectiva pedagógica: “Sobre aquilo que é o desempenho da comunicação social, os angolanos sabem, não nos compete a nós, enquanto deputados, avaliar o desempenho da comunicação social”.

Jornalistas sim, jornaleiros não!

O Governo do MPLA, que está no poder em Angola há pouco tempo (apenas há… 46 anos), lançou no dia 24 de Fevereiro a consulta pública de dois anteprojectos legislativos, para adequação do pacote legislativo da Comunicação Social ao contexto actual e aos novos desafios que se colocam ao sector (cuja esmagadora maioria está na mão do Estado/MPLA) e aos jornalistas, uma espécie quase em vias de extinção.

Tratou-se da proposta de Lei das Rádios Comunitárias e da proposta de Lei das Sondagens e Inquéritos de Opinião, e que complementariam o pacote legislativo da comunicação social, composto pelas Leis de Imprensa, de Televisão, de Radiodifusão, da Entidade Reguladora da Comunicação Social, do Estatuto do Jornalista, da Lei da Publicidade, aprovadas em 2016.

Segundo o secretário de Estado da Comunicação Social de Angola, Nuno Caldas Albino, passados cerca de cinco anos afigurava-se oportuno adequar o pacote legislativo do sector ao contexto actual e aos desafios que se colocam à comunicação social e aos jornalistas.

O governante salientou que os dois anteprojectos iriam dar resposta aos anseios dos cidadãos e a um conjunto de preocupações relativas à dinâmica económica, social e política que vigora no país.

O governante frisou que a consulta pública tinha (tem) como propósito e objectivos recolher o maior número possível de opiniões e contribuições. Importante será, com certeza, a consulta ao público que, a pedido do Governo, está a aprender a viver sem comer e que são cerca de 20 milhões de angolanos.

“Pretendemos que a consulta pública seja encarada como um mecanismo de transparência do poder público ao colocar em discussão com a sociedade geral e a classe de jornalistas em especial, visões e questões de interesse para a melhoria e elevação da comunicação social”, frisou.

Na apresentação técnica da proposta, o jurista Albano Pedro Sebastião, da Comissão de Revisão e Ajustamento do Pacote Legislativo do Sector da Comunicação Social, disse que a revisão do pacote foi estabelecida com base em dois princípios basilares, nomeadamente a harmonização constitucional de toda a legislação do sector e com as normas de direito internacional público, relativo ao exercício do direito de comunicação e de imprensa.

“Para o processo de legislação em curso teremos de atender às declarações da União Africana em matéria de legislação do sector da Comunicação Social e às recomendações da UNESCO, que em grande parte incidem, sobretudo, naquilo que vai ser a novidade a ser lançada neste pacote legislativo, que é o da Lei das Rádios Comunitárias”, disse.

De acordo com Albano Pedro Sebastião, a comissão estabeleceu sete princípios para a elaboração deste mesmo pacote legislativo, que resumidamente estão atinentes à necessidade de promoção de maior espaço para o exercício de liberdade de imprensa, “o que quer dizer que há uma grande preocupação em dosear as sanções e as penalidades aplicadas no exercício da liberdade de imprensa, de modo a encorajar a proliferação da notícia, da informação, no exercício dessa mesma actividade”.

“Também levamos em conta um princípio que recomenda maior concorrência entre os agentes, órgãos e serviços do sector da comunicação social, atendendo à recomendação do programa do executivo sobre a diversificação da economia, que para este desiderato o sector da comunicação social não podia estar alheio”, salientou.

O jurista sublinhou que estes princípios devem facilitar os processos de legalização e formalização de serviços, órgãos do sector da comunicação social, destacando ainda questões sobre a necessidade de se reduzir a carga sancionatória que continha o pacote legislativo, ponderando-se a necessidade de se viabilizarem sanções de natureza patrimonial em detrimento ou reduzindo a incidência das sanções de natureza penal.

Na sua intervenção, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, disse que o processo representa um factor de democratização legislativa, de pendor participativo, para mobilizar as melhores soluções normativas que se ajustem à política da comunicação social aberta, progressiva e adequada aos desafios nos novos tempos.

“Correspondendo aos apelos do Presidente da República para uma comunicação social aberta e uma ampla promoção dos exercícios das liberdades de expressão, comunicação e imprensa”, referiu o ministro. Como paradigma da democraticidade governativa registe-se que, como sempre, não poderia faltar a referência ao Presidente da República.

Nós, cá pelo Folha 8, vamos continuar a (tentar) dar voz a quem a não tem. Para nós a verdade é a melhor forma de patriotismo. E a verdade não está sujeita às “leis” do MPLA/Estado.

Vamos, em síntese, estar apenas preocupados com as pessoas a quem devemos prestar contas: os leitores. Se calhar não seremos tão patrióticos como o Governo deseja. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos. E, é claro, não temos culpa de a maioria dos imbecis e criminosos, para além de corruptos, estar no MPLA.

Folha 8 com Lusa

Foto. RTP – Programa “Mar de Letras”

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