No dia 20 de Março de 2020 o Folha 8 colocou à Direcção Geral da Saúde (de Portugal) e à Ordem dos Médicos (de Portugal), questões relacionadas com a pandemia da Covid-19. Procurávamos informações que pudessem ser úteis, entre outros, aos angolanos, tanto residentes em Portugal como para nosso “uso” interno.
A única “resposta” recebida foi-nos enviada pela Ordem dos Médicos que, três dias depois, acusava a recepção, prometendo que “brevemente voltaremos ao contacto”. Até hoje.
Compreendemos que, também neste caso, há filhos, enteados e outros, provavelmente analisados em função do que cada um faz para ajudar à propaganda mediática dos protagonistas, sendo legítimo que, por exemplo, a Directora-Geral da Saúde de Portugal, Graça Freitas, privilegie os meios portugueses.
O mesmo se aplica ao Bastonário da Ordem dos Médicos, José Miguel Ribeiro de Castro Guimarães, sempre pródigo em prestar declarações aos jornalistas… portugueses.
Em relação à DGS, de há muito que funciona com uma metodologia quase pré-histórica. Em 25 de Fevereiro de 2018 colocamos uma questão sobre o funcionamento do SNS24 e, embora mais rápida, a resposta foi paradigmática: “A informação solicitada deverá ser enviada por carta assinada. O envio deve ser dirigido ao Presidente do Conselho de Administração dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE (Professor Doutor Henrique Martins), sita Avenida da República, nº 61 | 1050-189 Lisboa.”
Certamente por mero lapso, não terão referido que a carta deveria ser em papel azul de 25 linhas e com assinatura reconhecida notarialmente…
“Apostamos em Melhor Informação, Mais Saúde”, diz a DGS no seu site onde, explica, “cidadãos, médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros especialistas em saúde encontrarão uma fonte informativa de inquestionável utilidade.
“Observam-se os mesmos princípios que guiam o trabalho que aqui é conduzido. Realçam-se, sempre, os valores da ética e da responsabilidade, a capacidade estratégica, a competência e inovação, bem como a comunicação e a transparência. A estes, juntam-se preocupações com a promoção do trabalho de equipa, da excelência e da equidade.
“O objectivo principal é, naturalmente, contribuir para o futuro mais saudável de toda a população.”
Compreendemos que “melhor informação” é um conceito, ou objectivo, muito relativo e igualmente selectivo. Porque carga de água deveria a DGS preocupar-se em responder às perguntas que um jornal angolano lhe colocou? Se ainda fosse um jornal oficial do regime… Ou uma televisão (oficial do regime)…
No dia 14 de Maio de 2018, a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos de Portugal emitiu um comunicado intitulado “Ser médico: as pessoas em primeiro”:
«Os nossos concidadãos e os médicos estão indignados com a situação que se vive actualmente na Saúde.
Os médicos sentem-se frustrados e revoltados por nem sempre conseguirem dar a resposta adequada e desejada às necessidades das pessoas, preservando a dignidade do ato médico e a segurança clínica, dado existirem falhas graves nas condições de trabalho, a vários níveis, que afectam o exercício da medicina: falta de capital humano, ausência de estruturas físicas minimamente adequadas ao exercício da profissão, existência de equipamentos “fora de prazo” e sem a devida manutenção, falta de dispositivos médicos e materiais clínicos adequados.
A pressão excessiva e a interferência, por parte da tutela, nas boas práticas médicas e, consequentemente, na qualidade da medicina, ultrapassou o limite do aceitável.
A falta de acesso aos cuidados de saúde continua a agravar-se, existindo uma gritante injustiça e desigualdade entre os grandes centros urbanos e as regiões mais periféricas e mais carenciadas.
A capacidade formativa está amputada devido à escassez de capital humano e requisitos no SNS, o que tem resultado num número crescente de médicos não especialistas.
A política deliberada de tentar espartilhar a autonomia técnico-científica e os actos médicos, em nome da sustentabilidade da economia e das finanças, não defende nem respeita os cidadãos nem os profissionais de saúde.
O contexto laboral e salarial mantém-se em níveis de deterioração elevados.
A violação sistemática da legislação laboral e as elevadas exigências numéricas por parte dos profissionais da gestão e das administrações nomeadas, não são compatíveis com as normas de segurança clínica definidas a nível nacional e internacional.
A legislação inadequada que impede o funcionamento e flexibilidade necessárias para responder aos desafios do presente, contribuem também para agravar a indignação que cresce no seio dos médicos que, apesar de todas as adversidades, têm mantido o SNS a funcionar, com milhares de horas de trabalho suplementares que ultrapassam largamente os limites da própria legislação. Os médicos já estão cansados de “tapar buracos” para resolver muitas situações que, caso contrário, poderiam ter um desfecho negativo para os portugueses.
A juntar a tudo isto, os médicos continuam a não ser respeitados pela tutela, entrando muitas vezes em exaustão emocional e física. O número de vezes que os médicos são “compelidos” a trabalhar em condições inadequadas, para que os portugueses possam ter acesso a cuidados de saúde, ultrapassa o limite do aceitável. Ainda assim, o colossal esforço realizado em condições adversas, tem como objectivo servir os portugueses. Já quase ninguém o faz por amor à camisola da sua unidade de saúde ou para servir o Ministério da Saúde.
Como consequência do actual estado da saúde, milhares de médicos têm trocado o SNS pelo sector privado ou por outros países.
Ninguém mais que nós respeita as pessoas e o SNS. Foram os médicos que estiveram na origem da organização e construção do SNS e da estrutura das carreiras profissionais. Deram um exemplo ao país de como é possível com escassos recursos construir um SNS de excelência, tendo como trave mestra a carreira médica e uma formação de elevada qualidade reconhecida a nível internacional. Na área da gestão das unidades de saúde os resultados falam por si e são reconhecidos a nível nacional. Por tudo isto, os médicos não entendem a forma como a tutela os está a tratar, e não toleram a forma como a tutela está desde há alguns anos a tratar os nossos cidadãos e, em particular, os doentes.
Se as promessas ministeriais, nunca concretizadas, se transformassem em actos concretos e em medidas de solução dos problemas existentes, a recente Greve Nacional dos Médicos não teria existido.
Desta forma, os representantes de todos os médicos do país, daqueles que trabalham no sector público, privado ou social, que exercem medicina e colocam as pessoas sempre em primeiro, reunidos no Porto, na Assembleia de Representantes, responsabilizam o primeiro-ministro e o ministro da Saúde por todos os atrasos e constrangimentos que afectaram os nossos doentes durante os dias de Greve.
Mais ainda, sentem-se totalmente legitimados para continuar a defender as pessoas e a sua dignidade. Em todas as unidades de saúde, em todas as reuniões científicas, em todas as oportunidades. O Governo da República, representado pelo ministro da Saúde, desinteressou-se da saúde dos portugueses, desvalorizando a Ciência e a capacidade de a colocar ao serviço dos cidadãos, de que o reconhecimento oficial das chamadas terapêuticas não convencionais é um bom exemplo.
O estado da Saúde já não permite qualquer atitude expectante.
A partir deste momento justificam-se plenamente todas as formas de protesto e de intervenção construtiva que os médicos entendam levar a cabo. Não vamos ficar de braços cruzados perante uma injustiça sem precedentes que está a afectar de forma insidiosa os portugueses e os profissionais de saúde.
É nossa obrigação contribuir mais uma vez para resgatar o SNS e recuperar as suas características genéticas. Não vamos permitir que o Governo continue a desvalorizar a Saúde colocando-a num plano secundário. Basta de ignorar o sofrimento dos doentes. Basta de tratar as pessoas sem a dignidade que merecem. Basta de violar a carta dos direitos humanos, onde se enquadra o direito à saúde.
Face ao exposto, a Assembleia de Representantes da Ordem dos Médicos entende que os médicos estão legitimados para combater uma política de saúde que não serve os portugueses.
A responsabilidade e sucesso pela conquista da justiça das nossas reivindicações reside na união dos médicos, onde cada um de nós faz a diferença.»
Resta dizer que, também em Portugal, doentes podem ser todos, sejam portugueses, angolanos ou outros. E todos eles merecem ser defendidos. E todos nós merecemos respeito.