Adalberto da Costa Júnior, no primeiro encontro enquanto líder da UNITA com o Presidente angolano, João Lourenço, pediu a devolução do património do seu partido, “nunca cumprida”, e que estava prevista nos acordos de paz (rendição).
“Foi uma boa conversa, uma conversa aberta a que esperamos dar continuidade futura no sentido de criarmos confiança e diálogo, mesmo quando possa haver leituras divergentes, para que tenhamos oportunidade de encontrar momentos de aproximação”, disse Adalberto da Costa Júnior, após a longa audiência de cerca de hora e meia na Cidade Alta, em Luanda.
A UNITA, principal partido da oposição que o MPLA ainda permite, levou uma agenda centrada nos desafios do país e a necessidade do diálogo institucional: “Abordámos os desafios ligados às reformas que o país precisa de fazer, bem como questões pendentes no processo de reconciliação nacional e no combate à corrupção”.
No que diz respeito às questões da reconciliação, Adalberto da Costa Júnior apontou a desmobilização dos militares, que “não deve ser deixada em segundo plano”, mas também a devolução do património da UNITA, “nunca cumprida”, e que estava prevista nos acordos de paz.
“Pensamos que o governo deve fazer mais, o governo não tem feito nada, o que penaliza os interesses da UNITA no próprio plano das disputas eleitorais onde há vantagem para quem governa, se não houver devolução”, vincou Adalberto da Costa Júnior.
O dirigente da UNITA salientou que “não é um património que foi oferecido, é um património que foi comprado e ocupado e que é uma matéria de compromisso do próprio governo”, afirmando que foi entregue documentação de suporte relativa aos bens que o partido do “Galo Negro” reclama.
Acontece que muito desse património, nomeadamente no Huambo, foi comprado pela UNITA aos proprietários portugueses que na altura (1975) se preparavam para abandonar o país. Muitos deles venderam esse património à UNITA mas também ao MPLA, pelo que ambos têm documentos comprovativos da venda e da compra. E então quem é que “legítimo” proprietário? Simples. Quem ganhou a guerra.
No dia 4 de Abril de 2002 foi assinado o chamado acordo de paz entre o governo do MPLA e a UNITA, as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Como a UNITA perdeu (com a morte de Jonas Savimbi) a capacidade para fazer a guerra, perdeu também a capacidade para negociar a paz. Em rigor, o que foi então assinado foi uma rendição da UNITA. Valeu, reconheça-se, a estratégia benevolente de José Eduardo dos Santos que lhe chamou “Acordo de Paz” e, dessa forma, devolveu à UNITA a dignidade inerente a um parceiro.
Os dois partidos pousaram as armas e puseram, assim, um ponto final a 27 anos de guerra civil. Uma guerra que provocou a fuga de muitos angolanos para outros países, para além de muitos milhares de mortos. Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Assim, um terço da população do país procurou refúgio fora ou dentro de Angola.
Depois da independência, o líder da UNITA, Jonas Savimbi, aliou-se à África do Sul e aos Estados Unidos da América. A guerra em Angola já não era só dos angolanos. O ocidente e o leste alastravam as suas ideologias através do apoio que davam a vários países em África. A “Guerra Fria” tornou-se uma “Guerra Quente” em Angola.
Em 1991 a UNITA e o governo do MPLA assinam os acordos de Bicesse, uma localidade no Concelho de Cascais na região de Lisboa. Em 1992 são realizadas as primeiras eleições presidenciais. Oficialmente o candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, sai vencedor, embora sem maioria absoluta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, acabou por não aceitar o resultado e assim nunca teve lugar a segunda volta entre os dois.
A seguir a um ataque das forças do governo contra apoiantes da UNITA e do FNLA em finais de Outubro de 1992, o chamado “massacre de Halloween”, o país entrou novamente em guerra de onde, aliás, nunca tinha saído. Mais um protocolo de paz é assinado em Lusaka, na Zâmbia, em 1994. Mais um fracasso – a guerra continuou.
Mas quando no dia 22 de Fevereiro de 2002 Jonas Savimbi, considerado a pessoa mais carismática da oposição em Angola, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola, com a colaboração de alguns generais da UNITA que o MPLA tinha comprado, abre-se o caminho para a paz ou, melhor, para o fim da guerra
A 4 de Abril de 2002 assinou-se o dito acordo da paz (rendição da UNITA) que dura até agora. O saudoso José Patrocínio, da OMUNGA, dizia: “Não se fez um processo de pacificação. Não se fez um processo de transição. Acredito que o processo constituinte podia ser o processo de pacificação, de reunificação. Mas não foi feito nesse sentido já que o resultado é este que nós estamos a ter agora”. José Patrocínio referia-se à perpetuação do MPLA no governo.
A insatisfação do povo angolano reflecte-se também no bolso da grande maioria da população. A seguir à paz, em 2002, Angola viveu um dos maiores crescimentos económicos de todos os países do mundo, atingindo um crescimento de mais de 20 % em 2005 e em 2007. Apesar deste crescimento vertiginoso, muitos angolanos continuaram a viver na pobreza. Em vez de produzir riquezas, o MPLA produziu ricos. Em vez de reduzir a pobreza, criou 20 milhões de pobres.
Há uns anos, Norberto Garcia, então secretário para os assuntos políticos, eleitorais e económicos do MPLA dizia sobre os motivos desta aparente contradição que “enquanto tivermos uma taxa de analfabetismo ainda elevada, isto vai dificultar a distribuição da renda nacional. Porque onde há analfabetismo há pobreza. A pobreza está muito relacionada ao grau de analfabetismo”.
Já o rapper MCK opinava que “o país preocupou-se mais com o crescimento quantitativo do que com o qualitativo. E não foi um crescimento direccionado à pessoa humana. O homem não esteve no centro desse crescimento, o homem foi posto à parte. E as poucas coisas que cresceram foram as infra-estruturas – o chamado crescimento de betão”.
“O regime de Angola não soube canalizar todo esse potencial económico, todo seu crescimento, para diversificar o crescimento dos diferentes pontos e regiões em Angola. Concentraram tudo ou quase tudo em Luanda, daí o facto de cerca de 70 por cento da população de Angola continuar a viver na pobreza”, afirmou à DW, em 31 de Março de 2012, o jornalista Orlando Castro (actual director-adjunto do Folha 8).
Segundo a Câmara de Comércio e Indústria de Angola, o país é potencialmente um dos países mais ricos da África subsaariana, em termos agrícolas. No entanto, apenas uma pequena parte da sua terra arável é utilizada para a agricultura. Por outro lado recursos naturais como o petróleo e os diamantes abundam no país. E de acordo com as Nações Unidas, o petróleo constitui 96%, quase a totalidade, das exportações do país.
Mas o certo é que apesar de todo o potencial em recursos naturais, a população raramente beneficia dos dividendos das riquezas do país. Abílio Kamalata Numa, histórico da UNITA, acredita que esta situação se deve aos “níveis de corrupção, que são tão altos no país, que a maior parte do dinheiro do sector extractivo, do petróleo e dos diamantes, é desencaminhado para mãos indevidas”.
“Alguém disse que Deus abençoou Angola, no sentido em que lhe ofereceu potencialidades em recursos naturais – os mais conhecidos são o petróleo e os diamantes -, mas esqueceu-se de nos dar juízo”, diz o rapper MCK.
De facto, quase 19 anos depois, os recursos que patrocinaram guerra não conseguem patrocinar a paz. Um país que tem cerca de 30 milhões de habitantes, dos quais 20 milhões são pobres, não vive em paz. Está, apenas, a conseguir adiar o regresso da guerra.
Ainda em elação ao património, só na cidade de Luanda, mais de 80 edifícios, que pertenciam à UNITA, foram usurpados pelos homens do poder. Quando se rendeu, a UNITA julgou (não dando crédito aos ensinamentos de Jonas Savimbi) que o regime angolano era uma entidade séria e que o país era um Estado de Direito. Foi, mais uma vez, enganada. E o mais grave é que alguns dos seus dirigentes da altura sabiam que estavam a ser enganados.
Esses dirigentes preferiram trocar a mandioca do seu país real pela lagosta do país do MPLA. Repetindo o que há muito é sabido, os dirigentes do Partido do Galo Negro, em Luanda, acusaram o governo angolano de agir com má-fé no processo de devolução do património pertença da UNITA.
Adalberto da Costa Júnior chegou a dizer à Voz de América que o seu partido iria recorrer às instâncias judiciais nacionais e internacionais para reaver o seu património que se encontrava injustamente nas mãos de altas individualidades do poder político e de alguns generais, como não poderia deixar de ser.
“O que ocorreu é, infelizmente, fruto do período de guerra, o património da UNITA foi sendo ocupado pelas instituições e uma boa parte também por dirigentes ligados ao poder político e por militares, facto este que foi igualmente bastante analisado durante os acordos de paz. O governo angolano, até aqui, não cumpriu com os pressupostos”, disse Adalberto da Costa Júnior.
Pois. Não cumpriu, e temos dúvidas que venha a cumprir de facto, a não ser que seja a troco de qualquer coisa menos ortodoxa. Acresce que também o povo angolano sabe muito bem como é gerido o seu país. E tanto sabe que, ao ser traído pela UNITA, resolveu votar no inimigo. Se os supostos amigos fizeram o que fizeram, era natural que tivessem de pagar a factura.
Além disso, não seria mau que a UNITA também dissesse que muitos dos seus generais que passaram para o outro lado da barricada, e que inclusive ajudaram a assassinar Jonas Savimbi, são os “legítimos” donos de parte desse património.
Ou, ainda, que explicasse como é que, entre outros, alguns dos seus generais (dos que estiveram até ao fim com o Mais Velho) são hoje também dos homens mais ricos de Angola.
Adalberto da Costa Júnior desempenhou as suas funções de então da melhor forma que, certamente, sabia. Pena é que, para além de uma manifesta perda de memória em relação aos seus “irmãos” tenha apostado mais, ou quase só, na reacção em vez de na acção.
Dele esperava-se (esperavam, continuam a esperar, os mais ingénuos) mais do que andar a reboque dos acontecimentos. Acreditamos que, eventualmente por ordens superiores, Adalberto da Costa Júnior não possa fazer tudo o que quer ou, talvez, o que sabe que deve ser feito.
Adalberto da Costa Júnior teve uma boa escola mas, não se sabe se voluntariamente, deixou de regar, de adubar e de podar a árvore, convencido que ele sobreviveria só por si.
Mas se isso é grave, mais grave é ficar à espera que a mangueira dê loengos. Esperou, como é típico, sentado. Quando alguns, de boa-fé, lhe disseram que assim não ia lá, resolveu não reconhecer a verdade, culpando o mensageiro e não lendo a mensagem. Hoje, que é Presidente da UNITA, será diferente? Esperamos que sim. Há sinais que sim.