O ex-polícia norte-americano Derek Chauvin, de 45 anos, foi considerado culpado de todas as acusações no julgamento do homicídio de George Floyd. A sentença só será conhecida daqui a algumas semanas, de acordo com os órgãos de informação norte-americanos. Por cá, recordemos o “suicídio” do médico Sílvio Dala, numa esquadra da Polícia.
Chauvin — que na sala de tribunal ouviu impassível a palavra “culpado” ser pronunciada por três vezes na deliberação dos jurados para os crimes de homicídio em segundo grau, homicídio em terceiro grau e homicídio por negligência — foi levado sob custódia policial e algemado.
A pena a que Chauvin irá ser condenado será determinada em sentença judicial, a agendar pelo tribunal do condado de Hennepin, na cidade de Minneapolis.
O crime de homicídio em segundo grau é punível com até 40 anos de prisão, homicídio em terceiro grau com pena máxima de 25 anos, e homicídio por negligência com pena de prisão de até 10 anos.
Como não tem antecedentes criminais, Chauvin só deverá ser condenado a um máximo de 12 anos e meio de prisão por cada uma das duas primeiras acusações e a quatro anos de prisão pela terceira.
As imagens da detenção de Floyd em Maio de 2020, com Chauvin a pressionar o pescoço por mais de nove minutos, apesar de o detido gritar “não consigo respirar”, causaram motins em todos os Estados Unidos no Verão passado, com a vítima a tornar-se símbolo da violência policial contra os afro-americanos.
Chauvin declarou-se inocente de todas as acusações. A defesa de Chauvin baseou-se no facto de o agente ter seguido o que o treino policial prescreve para imobilizar indivíduos que resistam à ordem de detenção e que a morte de Floyd se deveu ao consumo excessivo de drogas e não a asfixia causada pela pressão sobre o seu pescoço.
Testemunhando no julgamento de Chauvin, o chefe da Polícia, Medaria Arradondo, afirmou que pressionar o pescoço com o joelho depois de o detido estar algemado e de bruços, como fez o ex-agente, “não faz de alguma forma ou feitio” parte das normas ou treino policial.
Ao considerarem Chauvin culpado das acusações, os jurados concluíram que as acções de Chauvin foram “um factor causal substancial” na morte de Floyd e que o uso de força por parte do agente não foi “razoável e proporcional”.
A acusação de homicídio em segundo grau exigia que os procuradores fizessem prova de que Chauvin quis deliberadamente prejudicar Floyd, mas que não pretendia matá-lo.
A acusação de homicídio em terceiro grau exigia prova de que as acções de Chauvin foram “eminentemente perigosas” e sem olhar ao risco de perda de vida. A acusação de homicídio por negligência exigia que os jurados acreditassem que o agente causou a morte de Floyd sem ser de forma consciente.
O Presidente norte-americano, Joe Biden, disse que as provas no julgamento da morte de George Floyd eram “esmagadoras”.
Os outros três polícias que participaram na detenção – Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao – serão julgados em Agosto, acusados de cumplicidade no homicídio.
Quando, em Angola, a Polícia mata e fica impune
O médico angolano Sílvio Andrade Dala, morreu numa esquadra da Polícia, em Luanda, em circunstâncias ainda não devidamente esclarecidas. O comandante geral da Polícia, Paulo de Almeida, negou enfaticamente que o médico tenha sido morto por agentes da polícia. Pois. É claro. Terá sido um… suicídio, talvez semelhante ao de George Floyd.
O ministro do Interior, Eugénio Laborinho, confirmou a instauração do inquérito e de um processo-crime que corre trâmites na Procurador-Geral da República para aferir o que terá ocorrido na esquadra. Também a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, defendeu, em nota de condolências, que deve ser instaurado um processo-crime com vista a esclarecer as circunstâncias reais em que ocorreu a morte do médico, para responsabilização dos eventuais prevaricadores.
Por sua vez, Paulo de Almeida, garante que “não foi morto ninguém nas celas da polícia, não foi morto nenhum médico, foi uma morte patológica que aconteceu, infelizmente coincidiu estar sobre alçada da polícia, mas não foi a principal causa da morte,” disse o comandante à Rádio Nacional de Angola.
Paulo de Almeida rejeitou também às acusações de abusos de poder por parte dos agentes da polícia envolvidos na aplicação das medidas de prevenção do coronavírus, actuação essa que mereceu a condenação da Amnistia Internacional.
“É preciso ficar bem claro, não sei quando é que há excesso de zelo, quando o governo publica um diploma em que chama atenção como o cidadão deve andar na via pública está na lei, quando as autoridades competentes do governo anunciam que todo cidadão, quando estiver na via pública deve usar máscara e se não usar está sujeito a penalizações, portanto, actuamos,” disse. “O médico é um cidadão, não é diferente de qualquer outra pessoa”, acrescentou.
Segundo o Ministério do Interior, Sílvio Dala foi interpelado por um efectivo da Polícia Nacional, por não uso de máscara na sua viatura, e levado à esquadra. A medida do efectivo da PN baseou-se no Decreto Presidencial sobre a Situação de Calamidade Pública, que impunha o uso obrigatório de máscara na via pública e no interior das viaturas, mesmo as viaturas pessoais.
O porta-voz do Ministério do Interior, Waldemar José, afirmou que o médico teria sido encaminhado para uma esquadra policial mais próxima, onde foram cumpridas todas as formalidades da elaboração do auto de notícia e a respectiva notificação de transgressão.
Pelo facto de a esquadra não possuir mecanismo para o pagamento da multa de cinco mil kwanzas, disse, o médico terá ligado para alguém próximo para efectuar o respectivo pagamento e levar o comprovativo à esquadra.
Foi nesse período de espera, de acordo com o oficial comissário, que o cidadão teria começado a sentir-se mal tendo desmaiado embatendo com a cabeça no chão.
O mesmo, afirma, foi prontamente posto numa viatura das forças de defesa e segurança que a levou para o Hospital do Prenda, no mesmo distrito, onde veio a falecer durante o trajecto.
“Queda aparatosa que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça… Devido ao seu estado grave”? Certo, dirá um dia destes o ministro das polícias, é que o médico antes de morrer estava… vivo.
Em comunicado de imprensa, o Ministério referiu que após dirigir-se à esquadra dos Catotes, no Rocha Pinto, foram explicados ao médico os moldes de pagamento da coima e não tendo um terminal de multibanco nos arredores, telefonou a um familiar próximo para proceder ao pagamento.
A nota adianta que “minutos depois, apresentou sinais de fadiga e começou a desfalecer, tendo tido uma queda aparatosa, o que provocou ferimentos ligeiros na região da cabeça”.
“Devido ao seu estado grave, foi levado para o Hospital do Prenda e no trajecto acabou por perecer”, sublinha-se no documento, acrescentando-se que o Serviço de Investigação Criminal interveio, levando a vítima para a morgue do Hospital Josina Machel. De acordo com as autoridades, a família do falecido terá confirmado que o médico padecia de hipertensão.
O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (que comparado com a Polícia nada percebe da questão) contrariou a versão da polícia, dizendo que depois da queda o médico foi mantido na cela e horas depois foi encontrado morto.
“Só assim que entenderam levar na viatura da polícia o malogrado para o Hospital do Prenda, onde apenas foi confirmada a sua paragem cardiorrespiratória irreversível”, refere o sindicato.
Um grupo de colegas do Hospital Pediátrico David Bernardino, onde trabalhava o falecido, depois de tomar conhecimento da morte deslocou-se à referida morgue e ficou surpreendido porque a gaveta onde se encontrava o corpo estava cheia de sangue.
“O colega apresenta uma ferida incisiva, tipo corte na região occipital o que presumimos ter sido submetido a pancadaria e duros golpes que resultou naquela ferida e abundante sangramento”, realçou o sindicato.
O malogrado médico deveria saber, e o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, fartou-se de avisar, que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência.
Ora, não andar com máscara como era obrigatório pode causar, sobretudo dentro das esquadras, “quedas aparatosas” que podem “provocar ferimentos ligeiros na região da cabeça…” que, contudo, originam um “estado grave” e a morte.
Mas quando um cidadão não usa máscara tem de ser levado para a esquadra, o único lugar adequado para resolver tão candente problema, e aí há sempre a possibilidade de quedas, de ferimentos ligeiros que evoluem para grave e que terminam na morgue.
Está, portanto, esclarecido que o médico Sílvio Dala foi (como é timbre da Polícia) levado com toda a cortesia e urbanidade para uma esquadra, tendo ficado irritado com os agentes por estes se terem (e bem) recusado a – como mandou o chefe – dar-lhe chocolates e rebuçados e a servir-lhe um “whisky” (com duas pedras de gelo).
Pensando em denegrir a impoluta imagem da Polícia Nacional, o médico Sílvio Dala terá começado a agredir as grades da cela, atirando-se pelas escadas abaixo numa tentativa de suicídio que se concretizou mau grado o enorme esforço dos agentes para tentarem evitar o falecimento…
Folha 8 com Lusa