ELE AJUDOU A PRENDER RENDEIRO

Arnaldo Manuel Carlos, que lidera o Serviço de Investigação Criminal (SIC) em Angola, foi quem fez a ligação entre as autoridades policiais portuguesas e sul-africanas que começaram a vigiar o ex-banqueiro português João Rendeiro, hoje detido na África do Sul. Ele e Luís Neves, director da Polícia Judiciária (PJ) lusa, são amigos de longa data. Luís Neves, apesar de várias vezes convidado, só aceitou dirigir a PJ graças ao pedido da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.

Arnaldo Manuel Carlos é desde 2019 director-geral do SIC, onde nos últimos tempos têm sido vários os sinais de estreitamento de relações entre Angola e Portugal. Há menos de dois meses, Arnaldo Manuel Carlos esteve em Portugal para assinar acordos de colaboração, nomeadamente para crimes contra a saúde pública.

Nessa altura, a 30 de Setembro, Arnaldo Manuel Carlos assinou um protocolo com Rui Santos Ivo, presidente da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) de Portugal para combater crimes que envolvam medicamentos. Nesse mesmo dia, as delegações de Portugal, liderada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e a de Angola, chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Téte António, recordaram as várias áreas de cooperação bilateral, como educação, relações diplomáticas e consulares, defesa e segurança, justiça, comércio e indústria e até finanças. A propósito, Santos Silva sublinhou que desde 2018 que os dois países já assinaram 50 protocolos de cooperação.

Relações que, segundo o director-geral da Polícia Judiciária, Luís Neves, foram agora decisivas para capturar João Rendeiro, que estava na África do Sul escondido num resort de luxo. O ex-banqueiro foi detido pela polícia sul-africana, com quem as autoridades policiais portuguesas estavam há algum tempo em permanente contacto e que, contou Luís Neves, se disponibilizaram desde logo para ajudar a apanhar o fugitivo português.

A fazer a ligação entre as duas polícias esteve Arnaldo Manuel Carlos, que antes de liderar o SIC era delegado e comandante provincial da Polícia Nacional de Huíla. O comandante do SIC, que entrou na polícia nacional a 5 de Maio de 1986, é licenciado em Direito, tendo frequentado a Universidade Federal do Rio de Janeiro. É doutorado em Ciências Policiais e Criminais, sendo também professor.

Sim, não, talvez, antes pelo contrário…

Em Agosto de 2019, o presidente angolano, em plena, total e inequívoca sintonia com o presidente do MPLA e com o Titular do Poder Executivo, exonerou 12 altos responsáveis do Ministério do Interior, incluindo o comissário-chefe do Serviço de Investigação Criminal, bem como o comandante do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros e o director-geral do Serviço de Migração e Estrangeiros.

João Lourenço determinou a exoneração do comissário-chefe de Investigação Criminal, Eugénio Pedro Alexandre, do cargo de director-geral do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior, sendo este nomeado Conselheiro do Ministro do Interior.

O comissário Arnaldo Manuel Carlos, exonerado do cargo de delegado do Ministério do Interior e Comandante da Polícia Nacional na Província da Huíla, passou então a ser o novo director-geral do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior.

Na altura foram também exonerados os comissários de Investigação Criminal Pedro Pascoal Domingos Rodrigues, Carlos Manuel Alves, António Pereira Freire dos Santos, António Pedro Amaro Neto e Humberto José Belo Lopes Frade, e os subcomissários Miguel Arcanjo Sumbo, Almerindo João de Almeida e Mário António Francisco, que exerciam funções em várias províncias.

O Comissário de Investigação Criminal Humberto José Belo Lopes Frade foi nomeado Director Central de Operações do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior, Miguel Arcanjo Sumbo, Director-Geral Adjunto do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior e Almerindo João de Almeida, Director-Geral Adjunto do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior.

O Subcomissário de Investigação Criminal Mário António Francisco foi indicado Conselheiro do Director-Geral do Serviço de Investigação Criminal do Ministério do Interior.

Noutro decreto, o presidente exonera Bênção Cavila Nyoka Abílio, do cargo de Comandante do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros e Gil Famoso Sebastião da Silva, do cargo de director Geral do Serviço de Migração e Estrangeiros do Ministério do Interior.

O Comissário de Migração João António da Costa será o novo Director-Geral do Serviço de Migração e Estrangeiros do Ministério do Interior e o Comissário Bombeiro Bensau Mateus, para o cargo de Comandante do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros do Ministério do Interior.

Exonerar sempre, governar um dia… talvez

O Presidente, general João Lourenço, continuava na altura (como hoje) a blindar o seu histórico consulado dando prioridade máxima às exonerações e mínima (ou quase nula) à governação. Tudo normal, portanto. Ele entende, não como Presidente mas como Titular do Poder Executivo, que exonerar é sinónimo de governar. Não é, mas quem é que (para além do Folha 8) tem coragem para lhe dizer isso?

A escolha do general António Egídio de Sousa Santos “Disciplina” foi, aliás, emblemática. Pôr no comando das Forças Armadas de Angola o seu chefe do Estado-Maior General adjunto para a Educação Patriótica (isso mesmo, Educação Patriótica), reflecte com exactidão o que João Lourenço quer dos militares para que estes o possam ajudar a “educar patrioticamente” todos aqueles que não são do MPLA e, ainda, todos aqueles que sendo do MPLA possam estar a pensar mudar de rumo (e não são tão poucos quanto isso).

Fará sentido, 46 anos depois da independência, 19 após a paz total, falar-se de “educação patriótica”? Ter um chefe do Estado-Maior General adjunto exactamente para a Educação Patriótica? Pelos visto faz, sobretudo como degrau que antecede a chefia das FAA. É claro que se na Coreia do Norte faz sentido, em Angola também faz, considera certamente o MPLA.

O chefe do Estado-Maior General adjunto das Forças Armadas Angolanas (importante: para a Educação Patriótica), general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, explica tudo.

Ou seja, devido à sua posição geoestratégica e às suas potencialidades em recursos naturais, Angola tem sido alvo de várias tentativas de desestabilização através do incentivo – escreveu em tempos a Angop – “de reformas correntes à desobediência e desacatos às autoridades legalmente instituídas” (ou seja, golpes de Estado, mesmo que embrionários).

O general fez estas afirmações quando, em 2015, discursava na abertura do 6º curso de estratégia e arte destinado a oficiais generais e almirantes das Forças Armadas Angolanas.

Será então de concluir, ou não fosse o general Egídio de Sousa Santos “Disciplina” responsável pela “Educação Patriótica”, que por exemplo os nossos jovens activistas se inseriam nessa monumental e poderosa tentativa de desestabilização, exactamente por ausência da… educação patriótica.

De acordo com o oficial general, neste “sentido deve-se prestar maior vigilância a estes cenários para não permitir que a paz duramente conquistada à custa do suor e sangue de muitos filhos da pátria seja perturbada”.

Está bem visto. Provavelmente os jovens activistas (e não só eles) estariam, para além de um golpe de Estado, a preparar-se para a guerra, pondo a paz, “duramente conquistada à custa do suor e sangue de muitos filhos da pátria”, em causa. Sendo que, esclareça-se, “filhos da pátria” só são os que têm como progenitores o MPLA.

O curso de “de estratégia e arte” enquadra-se nas perspectivas e estratégias de formação definidas pelo comando superior das Forças Armadas Angolanas e materializadas pelo Estado-Maior General por intermédio dos seus órgãos de ensino militar.

“Esta formação marca uma etapa importante no âmbito da implementação da directiva do Presidente da República e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas, José Eduardo dos Santos, que prevê um conjunto de tarefas concretas na perspectiva «Angola 2020», nas quais se destaca a formação contínua dos quadros a todos os níveis como premissa fundamental para a modernização da instituição castrense”, explicou na altura o general das FAA.

“Todavia, o sucesso de qualquer formação depende em última instância do engajamento efectivo que cada discente tiver no estudo das matérias que forem ministradas, além do factor coabitação entre docentes, discentes, conteúdo, métodos de ensino e aprendizagem”, afirmou o general Egídio de Sousa Santos “Disciplina”, justificando a cada vez maior necessidade de reeducar os angolanos. Sobretudo, ou exclusivamente, os que teimam em pensar pela própria cabeça.

Egídio de Sousa Santos “Disciplina” afirmou estar convicto de que as Forças Armadas Angolanas “estão no bom caminho no concernente à formação, produzindo valores que possam enobrecer as estruturas de ensino militar, a instituição castrense, e o país em geral no contexto interno e externo em última instância, o soldado que constitui a unidade de um todo que são as Forças Armadas Angolanas”.

Espera-se também que, para a completa segurança e desenvolvimento do país, todos bebam os “Princípios fundamentais e bases ideológica do MPLA”, e se inspirem – por exemplo – em todos os discurso feitos (e também nos não feitos) por João Lourenço.

Assim sendo, “Educação Patriótica” é sinónimo do culto das personalidades afectas ao regime do MPLA, banindo da História de Angola qualquer outra figura que não se enquadre na cartilha do partido que, cada vez mais, não só se confunde com o país como obriga o país a confundir-se consigo.

O oficial superior da tal “Educação Patriótica”, depois Chefe do Estado-Maior das FAA, reconheceu então – e tudo continua mesma – que o primeiro presidente de Angola foi um grande estadista e político que contribuiu também para a libertação de outros povos africanos rumo à independência dos seus países.

E é no meio de tudo isto que o SIC colaborou, com êxito, na captura do banqueiro português, João Rendeiro, que abifou milhões de dólares, e se pirou pra a África do Sul. Estranha-se, contudo que o SIC nada faça para pôr na choldra os dirigentes do MPLA que roubaram muitíssimos milhões de dólares dos cofres do Estado e os enviaram para o estrangeiro. O SIC nada soube sobre isso? Portugal descobriu que o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, participou em corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documentos, no valor de alguns milhões de dólares. O processo veio para Angola. O SIC ainda não soube disso?

Folha 8 com CNN-Portugal

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