A ministra da Justiça de Portugal, Francisca Van Dunem, admitiu hoje a existência de uma “percepção geral de ineficiência” da população em relação ao sector judicial e considerou que muitos processos de grandes dimensões se prolongam por demasiado tempo. Não seria altura de a ministra “aprender” alguma coisa com o seu homólogo e conterrâneo Francisco Manuel Monteiro de Queiroz…?
“É inquestionável a persistência de uma percepção geral de ineficiência e de ausência de respostas globais adequadas, percepção essa claramente alimentada por processos mediatizados, normalmente processos penais de grandes dimensões e envolvendo figuras com notoriedade pública. Muitos desses processos têm, de facto, tempos de vida socialmente insuportáveis, numa era em que a verdade se tornou instantânea”, afirmou Francisca Van Dunem.
Numa intervenção realizada em audição regimental na Assembleia da República, a governante vincou a “leitura normativa” da importância da celeridade na justiça e que “o processo equitativo (…) não deve ceder à tentação da urgência”, mas reconheceu que a lentidão pode ter consequências ao nível da eficácia e ser usada como uma arma por autoritarismos. Estamos, convém não esquecer, a falar de Portugal que (como certamente diria o MPLA) é um país que em matéria de Justiça está muito longe dos níveis de eficiência e equidade que se regista em Angola.
“Concordamos que a justiça não tem de se acomodar a expectativas individuais. Mas entendemos hoje, como antes, que é necessário aproximar o tempo da justiça de expectativas sociais razoáveis, sob pena de inadequação, de ineficácia e de instrumentalização por pulsões autoritárias”, observou Francisca Van Dunem.
A ministra da Justiça não descartou a realização de “mudanças” ou a necessidade de “alterar regimes”, sobretudo por força da transição digital, que considerou acarretar “um amplo conjunto de interrogações, de natureza jurídica, ética e social” sobre a sociedade e, em particular, sobre o sector judicial.
“Como impedir que a hipercomplexidade das formas processuais seja reproduzida no ambiente digital? Como evitar a tentação de aumentar a extensão das peças, em resultado da facilidade de pesquisa e recolha de informação? Como impedir que grande parte da população veja aumentadas as dificuldades no acesso ao direito por falta de competências digitais? Como atenuar os riscos associados à utilização, nas decisões, da inteligência digital?”, questionou.
Defendendo “o indeclinável dever de não interferir”, Francisca Van Dunem catalogou este princípio como uma “regra de ouro” e sublinhou que “não pode, sob pretexto algum, ser quebrada” pelo Governo, mesmo que tenha a responsabilidade sobre o sistema de justiça e que a pressão mediática siga nesse sentido. Referiu que a qualidade das decisões judiciais está em linha com os outros Estados-membros da União Europeia.
“O nível de escrutínio público a que está hoje sujeita a actividade dos tribunais, (…) associada à expressão quantitativa dos recursos interpostos das decisões judiciais, consente-nos a conclusão de que, em geral, no plano da qualidade de decisão, existe um padrão que não conflitua com as expectativas comunitárias”, finalizou Francisca Van Dunem.
Provavelmente Francisco Manuel Monteiro de Queiroz vai dar uma ajudinha a Francisca Van Dunem para que ela consiga pôr ordem na sanzala portuguesa, recordando-lhe que – por exemplo – o Índice de Percepção da Corrupção de 2020, divulgado em Janeiro pela Transparência Internacional (TI), revela que Angola continua no grupo dos países com maior percepção da corrupção, mas à frente de Moçambique e Guiné-Bissau.
Angola ficou na 142ª posição, com 27 pontos, em 100. Na edição de 2019, Angola tinha sido referida como tendo registado “melhorias significativas” na cruzada contra a corrupção. E Portugal? Sim, e Portugal? Pois. Com 61 pontos, a pontuação mais baixa de sempre, Prtugal está agora na 33.ª posição, bastante abaixo dos valores médios da Europa ocidental e da União Europeia, fixados em 66 pontos.
O responsável da organização angolana Mãos Livres, Salvador Freire, disse na altura que o país não podia esperar por uma classificação melhor a julgar pela forma como o combate à corrupção está a ser conduzido.
Com uma pontuação média de 32, a África Subsaariana é a região com nota mais negativa na avaliação da TI que mostra pouca melhoria e ressalta a necessidade de acção urgente.
A avaliação do ano 2020 mostra um quadro sombrio, sublinhando que enquanto a maioria dos países fez pouco ou nenhum progresso no combate à corrupção em quase uma década, mais de dois terços dos países pontuam abaixo de 50.
A crise da Covid-19 exacerbou o declínio democrático, com alguns governos explorando a pandemia para suspender parlamentos, renunciar à responsabilidade pública e incitar à violência contra dissidentes.
A organização recomenda, no seu relatório, que para combater a Covid-19 e conter a corrupção, é essencial que os países garantam que os recursos cheguem aos mais necessitados e não sejam sujeitos a roubo através da corrupção e defende que as autoridades anticorrupção e instituições de supervisão devem ter fundos, recursos e independência suficientes para desempenhar as suas funções.
A TI refere que para “defender o espaço cívico, grupos da sociedade civil e a mídia devem ter as condições que lhes permitam manter governos responsáveis, e que a publicação de dados desagregados sobre gastos bem como a distribuição de recursos é particularmente relevante em situações de emergência, para garantir justa e equitativa respostas políticas.
“Os governos também devem garantir que as pessoas recebam de forma fácil, acessível, oportuna e significativa informações, assegurando o seu direito de acesso em formação”, precisa a TI.
A organização mostra ainda que a corrupção não prejudica apenas o cenário global da resposta à pandemia, mas contribui para uma contínua crise da democracia minando um justo e equitativo esforço de resposta global.