Arte, Cultura e Património como instrumentos da África que os africanos querem, são o pretexto para a capital angolana receber, entre 27 e 30 deste mês, a segunda edição da Bienal de Luanda. E assim o país coloca na ribalta mediática a sua face A, ocultando a realidade do seu povo. Entretanto, a Fundação Gulbenkian vai apoiar quatro projectos de investigação em saúde nas áreas do cancro, malária e HIV, em Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau, num investimento de 600 mil euros, até 2024…
Assim, no caso da Bienal, Luanda mostrará ao mundo a sua ementa: trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e bebendo de Château-Grillet 2005. Tudo com os nossos anfitriões vestindo Hugo Boss, Ermenegildo Zegna e usando relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex e usando sapatos que custam mais de 8.200 dólares…
Resultado de uma parceria entre União Africana (UA), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Governo de Angola, a Bienal de Luanda 2021 pretende “promover a contribuição das artes, da cultura e do património para uma paz duradoura”.
Paz, é claro. E enquanto os donos dos escravos têm a ementa acima referida, os escravos têm – na melhor das hipóteses – peixe podre, fuba podre, panos ruins e… porrada se refilarem.
O envolvimento dos jovens como “actores de transformação social para a prevenção de conflitos”, África e as suas diásporas face aos conflitos, crises e desigualdades e explorar o potencial dos oceanos para o desenvolvimento sustentável e a paz, completam os objectivos da Bienal, segundo a nota de imprensa da Coordenação do Comité Nacional de Gestão do evento.
As contingências ditadas pela pandemia de Covid-19 obrigam a que a Bienal decorra de forma híbrida: presencial e virtual. A ementa, quer a dos escravocratas quer a dos escravos (20 milhões de pobres) essa não é virtual. É real há 46 anos.
Nesse sentido, foi desenvolvida uma plataforma tecnológica que permitirá a transmissão em tempo real, tanto de Luanda para fora, como de outros países africanos que partilharão também os eventos realizados localmente, com tradução simultânea nas três línguas de trabalho definidas: português, inglês e francês e, no caso angolano, para a imprensa do país, nas línguas nacionais (será porque, para a organização, a dita imprensa do país não entende nenhuma das línguas de trabalho?).
Sob o tema central “Arte, Cultura, Património: Alavancas para a África que Queremos”, a Bienal terá “espaços de reflexão, de exposição e de difusão de criações artísticas, boas práticas, ideias e saberes relacionados com a cultura de paz”, conforme a nota de imprensa.
Moussa Faki Mahamat, presidente da Comissão da União Africana, numa declaração a propósito do evento, destacou a importância de nesta segunda edição da Bienal “se estender o evento a outros importantes actores da paz em prol de maior coesão e eficiência”.
O presidente da Comissão da UA sublinhou também, “a forte mobilização e participação da diáspora africana, formalizada com o seu registo na Aliança de Parceiros da Bienal”.
Também numa declaração alusiva ao evento, Firmim Edouard Matoko, adjunto da directora-geral da UNESCO para África e as Relações Externas, considerou que a Bienal de Luanda constitui uma oportunidade para a prevenção da violência e conflitos e a consolidação da paz em prol de um desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Nesse sentido, Edouard Matoko disse acreditar que a Bienal vai ao encontro dos objectivos da Estratégia Operacional para a Prioridade África da UNESCO, para o período 2014-2021, que identifica a “construção de África na criação de sociedades inclusivas, pacíficas e resilientes”.
Carolina Cerqueira, ministra de Estado para a Área Social de Angola, defendeu na sua declaração que a Bienal, ao dirigir-se aos jovens, “afirma-se como um espaço para o diálogo inter-geracional assente na diversidade cultural”.
“A Bienal de Luanda afigura-se como uma plataforma global de compreensão em prol da solidariedade, cooperação e tolerância inter-geracional em África e na sua diáspora”, afirmou.
O programa da Bienal assenta em três eixos: Diálogo Inter-geracional entre Líderes e Jovens; Festival de Culturas e Lançamento da Aliança de Parceiros por uma Cultura de Paz.
Como não poderia deixar de ser, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, tem prevista uma deslocação a Luanda para participar na Bienal de Luanda, sem tempo para visitar o sistema de “self-service” gratuito, criado pelo MPLA para alimentar os pobres e a que estes chamam… lixeiras.
Fundação Gulbenkian investe 600 mil euros na saúde nos PALOP
A Fundação Gulbenkian vai apoiar quatro projectos de investigação em saúde nas áreas do cancro, malária e VIH, em Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau, num investimento de 600 mil euros, até 2024.
Pamela Borges é a investigadora responsável pelo projecto “Cape Verde Molecular Biology Laboratory Implementation”, desenvolvido no Instituto Português de Oncologia do Porto que será realizado no Hospital Central da Praia – Dr. Agostinho Neto, em Cabo Verde. Este projecto consiste numa caracterização clínica, fenótipa e genética do cancro da mama das mulheres cabo-verdianas, com o objectivo é perceber o padrão e a subtipagem molecular, no sentido de ajudar os médicos a encontrarem uma terapêutica mais eficiente.
Em Angola, no Instituto Nacional de Investigação em Saúde /Centro de Investigação em Saúde de Angola, serão desenvolvidos dois projectos: “Probing the future of Triple Artemisinin-based Combination Therapy in Angola”, liderado pela investigadora Cláudia Fançony, em estágio no Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho, e que consiste na exploração das forças opostas que dois fármacos exercem num único alvo do parasita da malária, susceptíveis de potenciar mecanismos de resistência incompatíveis.
O outro projecto intitula-se “Next-generation sequencing to understand the HIV-1 transmission patterns in Angola”, do investigador Cruz Sebastião, que esteve no Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa, e que tem como objectivo explorar os padrões de transmissão e disseminação do VIH, assim como perceber a emergência de mutações de resistência, o impacto nos esquemas de tratamento antirretroviral e o custo relacionado com o tratamento de pacientes com resistência aos antirretrovirais no país.
Outro dos projectos vencedores será implementado no projecto Saúde de Bandim na Guiné-Bissau, e é liderado por Viriato M’bana que fez estágio no IMM. No projeto “Epidemiological Association of Burkitt’s Lymphoma and Malaria in Guinea-Bissau”, o investigador quer perceber como é que a malária leva ao aparecimento do cancro, nomeadamente do linfoma de Burkitt, um cancro pediátrico comum nas zonas endémicas da malária já que o mecanismo molecular da ligação entre a malária e este tipo de cancro é ainda desconhecida.
A relevância, a originalidade, a qualidade da proposta apresentada e o impacto previsível no desenvolvimento de capacidades pessoais do candidato e da instituição, foram os critérios tidos em conta na avaliação.
Os quatro projectos, seleccionados por um júri internacional, foram os vencedores do programa ENVOLVE Ciência PALOP, iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian que teve como objectivo apoiar o desenvolvimento de carreiras científicas em ciências da saúde de jovens investigadores dos PALOP na consolidação das suas carreiras científicas nos países de origem, reforçando os sistemas científicos. Os investigadores referidos estiveram em Portugal, durante oito meses, em instituições científicas que acolheram o desenvolvimento dos seus projectos.
Folha 8 com Lusa