O director executivo da organização não-governamental (ONG) Associação Construindo Comunidades (ACC), Domingos Fingo, afirmou hoje que a seca no sul de Angola “está a ser catastrófica”. Provavelmente o Presidente da República, João Lourenço, está a ter dificuldades em implementar uma solução para mais esta catástrofe por falta de “entendimento” estratégico com o Presidente do MPLA, João Lourenço, e com o Titular do Poder Executivo, João Lourenço…
Domingos Fingo, que tem trabalhado no terreno, em conjunto com a Amnistia Internacional e com outras organizações, diz que a seca “está a criar situações extremamente embaraçosas para as famílias pastoris, já que elas são vulneráveis”.
O director executivo da ONG criticou a posição do Governo angolano, acusando-o de não garantir um “aproveitamento racional das águas”. Não é justo acusar o governo, do MPLA, desde logo porque o MPLA só está o Governo há quase 46 anos, o que é manifestamente pouco tempo para resolver este e outros casos, tendo – contudo – dado prioridade a outros investimentos mais necessários, do tipo metropolitano de Luanda ou o satélite Angosat.
“O problema é que o início da fome se agrava na medida em que não há políticas públicas por parte do nosso Governo susceptíveis de garantirem o aproveitamento racional das águas pluviométricas. De facto, tem havido secas cíclicas, mas não significa que durante um ano inteiro não haja queda de chuvas”, apontou Domingos Fingo.
Nesse sentido, Domingos Fingo refere que, “caso houvesse programas concretos” do Governo para o aproveitamento “de todas as águas pluviométricas” e de “águas freáticas” através de represas ou de outras formas de reter as águas, o prolema seria minimizado.
“Obviamente que haveria a possibilidade da prática da agricultura familiar, e havendo a prática de agricultura familiar, nós nunca teríamos, em nenhum momento, um impacto tão negativo desta seca”, referiu.
Para o director da ACC, a “hecatombe social” que se vive no Sul de Angola poderia ter sido evitada através desses mecanismos, que possibilitariam a “irrigação de hortas comunitárias e o fortalecimento da fruticultura”.
Para Domingos Fingo, o Governo deve declarar o estado de emergência para a região Sul do país.
“O que eu desejaria, muito sinceramente, era que o executivo angolano declarasse o estado de emergência para possibilitar a recuperação destas famílias”, apontou, acrescentando que a situação se vai agravar “até lá para Setembro ou Outubro”.
“Neste momento o Governo deve criar todas as condições para garantir, no mínimo dos mínimos, uma refeição por dia a cada família”, reforçou. Deveria. Mas, note-se, se o fizesse falharia o desiderato de conseguir ser o primeiro país do mundo a conseguir que a sua população viva sem… comer.
Já o padre e sociólogo Jacinto Pio Wacussanga, diz que há uma perspectiva de se estar a “correr atrás do prejuízo”. “As secas passaram a ser recorrentes em 2012. Antes nós tínhamos uma seca de sete em sete anos, de dez em dez anos. Agora não. Ora num ano podemos ter alguma chuva, ou então temos seca. Então desde 2012 que as pessoas perderam as reservas alimentares, e é por essa razão que nós estamos nesta situação”, disse o padre à Lusa.
Jacinto Pio Wacussanga sublinhou que “é obrigação de um Governo cumprir com o chamado direito humano à alimentação adequada”. Isso, é claro, se estivéssemos (não é o caso) a falar de um Governo sério que exista para servir o Povo e não para se servir dele.
Para o sociólogo, natural da província de Huíla e que tem estado diariamente com pastores e suas famílias, o Executivo angolano “ainda não tem uma estratégia muito clara” nesse aspecto, tendo afirmado que a Estratégia Nacional da Segurança Alimentar e Nutricional está “desajustada para a actual situação”.
Num relatório divulgado na quarta-feira, como o Folha 8 divulgou, a Amnistia Internacional referiu que milhões de pessoas estão em risco de vida e muitas já abandonaram as suas casas no Sul de Angola devido à seca agravada pelas alterações climáticas e que está a atingir a região.
De acordo com o Programa Alimenta Mundial (PAM), a falta de chuva entre Novembro de 2020 a Janeiro de 2021 resultou na pior seca dos últimos 40 anos.
As autoridades da Namíbia registaram um total de 894 angolanos nas regiões de Omusati e Cunene em Março de 2021, após os relatos de um grande número de famílias pastorícias das províncias de Huíla e Cunene que abandonaram as suas casas à procuram de meios de sobrevivência no norte do país vizinho.
Em Maio de 2021, ONG`s angolanas relataram que mais de sete mil angolanos, principalmente mulheres com filhos, tinham fugido para a Namíbia, e que o número ainda estava a aumentar.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) referiu que “a frequência e intensidade das secas aumentou em algumas regiões”, incluindo na África Austral desde os níveis pré-industriais devido ao aquecimento global e que “a frequência e intensidade das secas estão projectadas para aumentar particularmente na região do Mediterrâneo e na África Austral”.
Em Maio de 2021, o PAM estimava que seis milhões de pessoas em Angola tinham alimentos insuficientes, principalmente no Sul do país e que mais de 15 milhões utilizavam estratégias de sobrevivência baseadas em crises ou emergências, como economizar ou reduzir despesas não alimentares.
Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que em 2020 duas crianças morreram por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid-19, eram 20 milhões, Angola corre o risco de se transformar num não-país ou de assistir a uma violenta implosão social.
Por muito que isso custe ao MPLA, o aumento de mortes de crianças por desnutrição (fome em bom português) no país deve-se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas.
Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, nos últimos seis meses de 2020, em média, duas crianças com menos de cinco anos morreram em Angola a cada hora devido à fome.
O relatório estimava que, no total, 8.413 crianças morreram de um universo de 76.480 que deram entrada nos hospitais públicos do país.
Folha 8 com Lusa