O embaixador do Brasil em Angola rejeitou hoje a existência de ataques a brasileiros devido à fé na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e reiterou a relação “de alto nível” entre os dois países. Rafael Vidal falava à Lusa na sequência dos incidentes ocorridos este fim-de-semana, junto a catedrais da IURD em Luanda.
O caso foi denunciado numa reportagem divulgada pela TV Record (pertencente à IURD), na qual alguns fiéis se queixam de agressões por parte da Polícia angolana e dizem que os religiosos brasileiros estão a ser alvo de xenofobia.
“Existem incidentes que envolvem a suspensão temporária dos templos onde cidadãos angolanos, brasileiros e de outras nacionalidades”, partidários das alas em conflito na IURD, se têm concentrado, referiu.
“Muitas vezes os ânimos ficam acirrados e ocorrem incidentes envolvendo essas pessoas, que são cidadãos de múltiplas nacionalidades”, disse o diplomata.
“Por isso, [esses actos] não se caracterizam como um ataque a brasileiros, e sim incidentes, envolvendo a reunião de fiéis da Igreja Universal diante de templos que estão suspensos das suas actividades em função de uma acção que corre no Ministério Público de Angola”, explicou.
O conflito entre as alas brasileira e angolana da IURD arrasta-se desde Novembro de 2019 e as tensões voltaram a crescer na semana passada após uma entrevista do ministro da Cultura angolano, Jomo Fortunato, que tutela as questões religiosas, em que reconheceu a nova Direcção local, surgida dos dissidentes angolanos e liderada pelo bispo Valente Bezerra Luís, como interlocutor do governo.
Em resposta, a ala fiel à liderança brasileira, dirigida em Angola pelo bispo Honorilton Gonçalves, questionou a legitimidade de o ministro da Cultura decidir quem é o líder da IURD, e prometeu que os bispos, pastores, obreiros e membros da Igreja vão “resistir até ao fim”.
O embaixador brasileiro escusou-se a comentar as declarações do Jomo Fortunato e salientou que o assunto pertence ao foro judicial.
“A Embaixada do Brasil não se posiciona sobre declarações de autoridades angolanas sobre um assunto pertinente em termos de justiça”, afirmou, sublinhando que o tema se integra na “esfera soberana do poder judicial angolano”.
Sobre eventuais diligências para garantir a protecção dos fiéis da IURD, Rafael Vidal adiantou que a embaixada faz “a gestão devida, junto dos seus contrapartes, na defesa dos cidadãos brasileiros para garantia da sua segurança, como é costume na actuação consular entre todos os Estados e entre países irmãos como o Brasil e Angola”.
Acrescentou ainda que os governos angolano e brasileiro são “sensíveis” à gestão recíproca destas questões, destacando a “altíssima prioridade que as relações bilaterais têm, dentro da parceria estratégica entre Brasil e Angola” e face à relação fraternal de “centenas de anos” com Angola.
O diplomata lembrou ainda que o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, mas também, no final da guerra civil, o MPLA como partido do governo.
“Por isso, a nossa relação é do mais alto nível, baseia-se numa parceria estratégica, envolve uma densa e rica agenda comercial, cultural, de investimentos”, sublinhou o mesmo responsável, destacando que as conversas entre os dois países se dão num “marco de respeito e cuidado com a soberania e com a independência” de Brasil e Angola.
A crise na IURD em Angola resulta de divergências entre pastores e bispos angolanos e brasileiros sobre a gestão dessa instituição e queixas de humilhações, discriminação e crimes económicos.
Após meses de conflitos e convulsões internas, a IURD em Angola cindiu-se, tendo a ala dissidente (angolana) criado uma Comissão de Reforma, em divergência com a Direcção brasileira, e dizendo-se legitimada numa nova IURD de Angola, facto agora reconhecido pelo Governo.
A Procuradoria-Geral da República de Angola apreendeu e mandou encerrar, no ano passado, as catedrais da IURD em várias províncias angolanas pela alegada prática dos crimes de associação criminosa, fraude fiscal, exportação ilícita de capitais e outros ilícitos de natureza análoga, na sequência da disputa, marcada por acusações mútuas de agressão.
Folha 8 com Lusa