Este será certamente o texto de agradecimento tipo, da grande maioria daqueles valorosos militantes, política e moralmente semianalfabetos, que foram alcandorados a lugares cimeiros, vulgo Comité Central (CC) do MPLA, no passado congresso do partido.
Por Carlos Pinho (*)
“Como militante do MPLA recentemente agraciado com uma benesse só ao alcance de alguns, poucos eleitos, venho manifestar publicamente o meu apreço por ter sido eleito membro do CC do MPLA, no recente VIII Congresso do MPLA. Foi o culminar de décadas de um trabalho incansável que finalmente deu os frutos merecidos.
Agradeço por isso aos meus familiares e amigos, camaradas dirigentes e colegas toda a ajuda e formação que me deram. Ingresso agora no grupo de quase 700 eleitos que doravante poderão impunemente, e em benefício próprio, usufruir dos bens públicos de Angola, ao abrigo de quaisquer possíveis acções a serem implementadas contra nós pelo poder judicial do país.
Não esqueço todo o meu esforço nas comissões locais e de bairro do partido. Não esqueço todas as minhas acções delatórias de maus camaradas que criticavam os procedimentos sábios dos nossos líderes e que denunciavam as suas malfeitorias. O serviço do partido obriga a uma fidelidade cega e canina que felizmente para mim deu alguns frutos que espero ainda mais promissores. A minha acção decisiva na implementação da Comissão Instaladora do MPLA nas Ilhas Berlengas, em Portugal, foi certamente fundamental para esta minha eleição de membro do CC do MPLA.
Agradeço também aos meus kambas das páginas dos meios sociais que sempre me apoiaram e suportaram a minha trajectória nos diversos comités de bairro e provinciais em que participei, ou mesmo dirigi.
Certamente que o meu apoio às acções um pouco mais vigorosas, mas merecidas, que o governo de Angola e o MPLA tiveram para combater os desvios ideológicos e as traições à pátria, foi relevante mesma minha promoção. Quero referir como exemplos o massacre do Pica-Pau, em Luanda, no dia 4 de Junho de 1975, onde perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados por pertencerem a um partido reaccionário.
Também o massacre da Ponte do rio Quanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes do mesmo partido reaccionário foram barbaramente assassinados, perto do Dondo (Província do Cuanza Norte).
E mormente o 27 de Maio de 1977, sobre o qual tantos maldosos falam, mas que foi necessário para expurgar Angola e os angolanos de tanta maldade que se queria fazer ao país e ao nosso querido presidente naquela altura.
Ou de, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos terem sido fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda.
Ou de, em Junho de 1994, a Força Aérea ter bombardeado a Escola de Waku Kungo (Província do Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores, bem como entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994 ter bombardeado indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.
Tudo isto, logicamente em defesa do MPLA, ou, o que é o mesmo, da pátria angolana, ou não seja o MPLA o povo, e este o MPLA. Quer o povo queira quer não, porque povo inculto e bárbaro é todo aquele que não segue cegamente os ditames do nosso querido partido. Cá estamos por isso, nos lugares dirigentes do partido, para levar os angolanos ao bom caminho, quer estes queiram ou não e quer estes gostem ou não.
Porrada e sangue serão certamente um bom lenitivo para desvios ideológicos erróneos. Afinal, nós os leitos do partido queremos apenas o melhor para todos angolanos, mesmos aqueles ordinários que por ignorância extrema, se recusam a seguir os nosso ditames.
O que me intriga no final disto tudo é que apesar dos meus esforços de várias décadas, não fui eleito para o Bureau Político. Ainda há muita gente mal-agradecida no nosso querido MPLA.”
Os leitores podem pensar que isto é uma divagação minha, mas na verdade do que vi nas redes sociais, a realidade destes agradecimentos públicos e despudorados, é bem pior que a ficção.
(*) Professor da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.