A Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) recusou um novo pedido de extradição do cidadão luso-angolano Guilherme de Oliveira Taveira Pinto por alegado envolvimento em esquemas de suborno e corrupção na venda de material à polícia angolana por parte da companhia espanhola Defex e na construção de um mercado de abastecimento em Luanda pela companhia espanhola Mercasa, que custaram centenas de milhões de dólares a ambos países.
Numa carta enviada recentemente às autoridades judiciais espanholas, segundo a VoA, o sub-procurador-geral de Angola, André de Brito, informou que Taveira Pinto não pode ser extraditado porque é cidadão angolano e porque a maior parte dos delitos de que é acusado foi amnistiada à luz da lei promulgada pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos em 2015 e que anulou todos os delitos com penas inferiores a 12 anos de prisão cometidos até Novembro daquele ano.
Contudo, André de Brito disse que, tendo em conta que o envolvimento de Taveira Pinto no caso da companhia de armas espanhola Defex prolongou-se de 2006 até 2016 e que há contratos que poderão esconder o pagamento de subornos, a PGR “está a avaliar’” a possibilidade de instaurar um processo em Angola.
A Justiça espanhola quer levar a julgamento 20 pessoas e oito empresas, entre elas a empresa pública Mercasa, por irregularidades detectadas entre 2006 e 2016 para a construção de um mercado de abastecimento em Luanda. Segundo a Audiência Nacional, um tribunal especial que trata dos casos mais graves de corrupção, para obter o contrato foram pagas comissões às autoridades e funcionários angolanos, tendo os arguidos também ficado com uma parte dos fundos, que ascenderam a quase 20 milhões de euros.
O juiz responsável pela investigação do caso destaca o mais “absoluto desprezo pela Lei” por parte das empresas investigadas e, sobretudo, da empresa pública Mercasa, a quem faltaram “as mais elementares normas legais e éticas”, movido por uma política de “lucro a qualquer preço”, numa atitude “absolutamente insuportável” para uma empresa de carácter público.
O auto que encerrou a fase de instrução do processo e propõe o julgamento dos arguidos, considera como chave o papel desempenhado pelo responsável pela distribuição das comissões, o fugitivo luso-angolano Guilherme Oliveira Taveira Pinto, que realizou trabalhos para a Mercasa e para a Defex, uma outra empresa pública envolvida e que se encontra, devidamente protegido, em Angola. Taveira Pinto foi o destinatário inicial das comissões e distribuiu-as entre funcionários públicos e responsáveis empresariais.
O juiz destaca a prática de crimes de corrupção numa transacção económica internacional, apropriação indevida de capitais, falsificação de documentos, associação ilícita ou organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Este esquema de corrupção foi repetido em contratos públicos na República Dominicana, Panamá e Argentina, onde também houve pagamento de “comissões a autoridades e funcionários públicos”.
A Mercasa, considerada a maior rede de mercados grossistas do mundo e controlada pela Sociedade Estatal de Participações Industriais (SEPI), possui 23 plataformas logísticas em Espanha, nas quais trabalham 3.000 empresas grossistas do sector agro-alimentar.
A Justiça espanhola já emitiu vários mandados de detenção europeus e internacionais contra Guilherme Oliveira Taveira Pinto pelo seu envolvimento noutros casos de corrupção, nomeadamente que implicam a Defex.
Segundo a Justiça espanhola, Guilherme Taveira Pinto terá também intermediado a venda de armas de Espanha a Angola, num valor de 153 milhões de euros. Mas 100 milhões desapareceram e ao destino só chegou metade da mercadoria.
O diário espanhol El Mundo fez no dia 8 de Outubro de 2016 manchete com o caso de um fugitivo português à justiça espanhola, procurado pela Interpol, acusado de um desfalque de dezenas de milhões de euros, que o jornal descobriu em Luanda, protegido pelas autoridades angolanas.
O El Mundo garantiu que encontrou Taveira Pinto, que também tem passaporte angolano, em Luanda, “onde vive tranquilo, sabendo que não o irão deportar”, e publicou na primeira página do jornal uma fotografia do fugitivo numa rua da capital angolana.
O diário explica que o português era um “agente local” em Luanda da empresa pública responsável por todos os comércios de armas em Espanha, Defex, embora vivesse em Lisboa, quando esta realizou um negócio “ruinoso” em Angola para os cofres públicos espanhóis.
Espanha devia ter vendido armas à polícia de Luanda por 153 milhões, “mas aproximadamente 100 milhões desapareceram e só chegou ao destino metade da mercadoria”.
O papel do português terá sido o de “contactar com as pessoas adequadas” em Angola para conseguir a adjudicação do contrato, mas teria também tido um papel essencial na distribuição dos alegados subornos, que estão a ser investigados pela justiça espanhola.
Segundo as fontes do El Mundo, o fugitivo era “o homem para tudo” das empresas espanholas que tinham negócios em Angola e os seus contactos com “gente do Governo” angolano eram “bem conhecidos”, assim como a boa relação que tinha com o Ministério do Interior espanhol.
Taveira Pinto chegou a ser interrogado pela justiça luxemburguesa, em 12 de Março de 2014, sobre a origem de 41 milhões de euros transferidos de Angola, mas quando a polícia portuguesa o foi deter, na sua casa nos arredores de Lisboa, em Linda-a-Velha, ele já lá não estava.
Nessa altura, foi passada uma ordem internacional de detenção enviada à Interpol (organização internacional de cooperação entre polícias de diferentes países) pelo juiz espanhol responsável pela instrução do caso.
Os jornalistas responsáveis pela investigação do El Mundo tinham alguns indícios sobre a presença do fugitivo em Luanda e enviaram um fotógrafo que o localizou na capital angolana e que tirou fotografias que provam a sua presença na capital angolana.
Para o diário espanhol, Taveira Pinto vive em Luanda desde que saiu apressadamente de Portugal e não teme a possibilidade de extradição, visto que Angola não tem assinado um convénio de extradição com Espanha.
Recorde-se que a Polícia espanhola revelou no final de 2015 que – sobre o mesmo assunto – o comandante da Polícia angolana, Ambrósio de Lemos, teve visita paga a Madrid e poderá ter recebido três milhões de dólares de “luvas”. Armando da Cruz Neto também estaria envolvido.
Em 2008, duas empresas espanholas, a Defex e a Comercial Cueto 92, formaram o que na legislação comercial espanhola é conhecido como uma “Union Temporal de Empresas” (UTE), que nesse mesmo ano firmou um contrato com Angola para o fornecimento de equipamento policial no valor inflacionado de cerca de 153 milhões de euros.
Pouco mais de 41 milhões foram transferidos para um banco do Luxemburgo sem razão comercial ou actividade comercial justificativa e foi isso que despoletou a investigação que levou à prisão várias personalidades espanholas.
Os acusados pela justiça espanhola terão falsificado facturas e outros documentos para tentar “lavar” os fundos.
As autoridades espanholas disseram inicialmente que como beneficiários desses fundos figuram os acusados espanhóis e o que chamaram de “familiares de funcionários públicos da República de Angola”.
Em tribunal, foi dito que uma das pessoas que terá alegadamente recebido fundos desse negócio é o general Armando da Cruz Neto, que foi Embaixador de Angola em Espanha, entre 2003 e 2008, e mais tarde governador de Benguela.
Depois, a Unidade Central Operacional da Guarda Civil espanhola diz que aquelas duas empresas cobriram as despesas médicas e de alojamento em Madrid de Ambrósio de Lemos, comissário da Polícia Nacional angolana, da sua esposa Ana Freire e de um parente não identificado.
Citada pela imprensa espanhola, a guarda civil afirmou que esses gastos foram pagos com fundos que haviam sido desviados, pois embora o contrato de venda fosse de cerca de 153 milhões de euros, o material valia apenas 50 milhões.
Segundo a imprensa espanhola, as autoridades policiais do país dizem que Ambrósio de Lemos embolsou três milhões de euros por esse contrato e a sua esposa recebeu 15 mil euros.
As autoridades do Luxemburgo, que detectaram as transferências de milhões de euros despoletando o escândalo, disseram que houve uma transferência de três milhões de euros para uma companhia denominada Abangol.
Mas o caso complicou-se porque anteriormente notícias na imprensa espanhola indicavam que a Abangol era provavelmente um empresa fictícia e que estava ligada ao general Armando da Cruz Neto.
Por outro lado, a polícia espanhola disse que como parte da operação de aliciamento de entidades angolanas, as companhias envolvidas gastaram um milhão e meio de euros em cabazes de natal para diversas entidades angolanas.
As companhias alegaram que se tratava apenas de mera atenção protocolar.
O então ministro do Interior espanhol, Jorge Fernandez Diaz, recusou-se a responder a perguntas de deputados da Esquerda Unida sobre o caso, porque os dados tributários da companhia (Defex) estavam protegidos pela lei e que as investigações à alegada corrupção estão sob sigilo da justiça.
Sabe-se, no entanto, que as autoridades judiciais decidiram alargar as investigações que resultaram na prisão de várias personalidades ligadas à companhia e ainda de uma advogada, Beatriz Garcia, que a partir do Luxemburgo criou alegadamente companhias e abriu contas em diversas partes do mundo para receber os fundos desviados.
A acusação afirma que os detidos “se concertaram com funcionários angolanos para através do contrato de entrega de material à polícia levar a cabo uma apropriação patrimonial ocultada desviada para o estrangeiro mediante um complexo esquema de sociedades em paraísos fiscais”.