Os 76 países em desenvolvimento que são elegíveis para a Iniciativa de Suspensão da Dívida do G20 (DSSI) devem 18 mil milhões de dólares aos credores oficiais e mais 13 mil milhões aos credores privados até Dezembro. Só em Angola, Honduras e Nigéria, o valor em pagamentos de dívida a ser feito este ano ultrapassa os 500 milhões de dólares.
De acordo com uma análise feita pelo Instituto Financeiro Internacional (IFI), o órgão que representa os credores privados a nível mundial, estes são os valores que deverão ser pagos até final do ano por estes países, do total de cerca de 500 mil milhões de dólares, à volta de 461 mil milhões de euros, de dívida total que estes países têm.
No relatório feito pelo departamento de análise financeiro do IFI, enviado aos credores membros deste órgão, especifica-se que “olhando para a base de credores, aos credores oficiais são devidos cerca de 18 mil milhões de dólares [16,6 mil milhões de euros] em serviço de dívida entre 1 de Maio e o final deste ano, sendo 11 mil milhões de dólares [10,1 mil milhões de euros] desses devidos a credores oficiais bilaterais”.
Os restantes 7 mil milhões de dólares [6,4 mil milhões de euros], diz o IFI, são devidos a credores multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou o Banco Africano de Desenvolvimento ou outras instituições financeiras multilaterais regionais, mas não é claro se essas instituições vão aceitar um deferimento nos pagamentos “devido às preocupações expressadas por muitos destes credores sobre o potencial impacto nos seus ‘ratings’”.
O relatório do IFI surge na sequência da discussão pública que tem surgido sobre como resolver o problema dos pagamentos da dívida soberana e comercial dos países em desenvolvimento, que viram as suas economias ser fortemente afectadas pela pandemia da Covid-19 e pela queda dos preços das matérias primas, nomeadamente em África, onde a especificidade cultural torna mais problemática a implementação das regras de isolamento social devido ao impacto que isso tem no rendimento das famílias.
Usando as Estatísticas Internacionais da Dívida, do Banco Mundial, o IFI afirma que os credores privados detêm cerca de 20% dos 500 mil milhões de dólares em dívida contraída por 73 dos países abrangidos pela DSSI.
Sobres os Eurobonds, representando as emissões de dívida soberana feitas em moeda estrangeira pelos países nos mercados internacionais, principalmente em Londres e Nova Iorque, o IFI diz que “no total, o volume de dívida em Eurobonds destes países vale uns 70 mil milhões de dólares, com Nigéria, Gana, Angola, Costa do Marfim, Quénia e Paquistão a representarem 70% do mercado total” e aponta que as emissões este ano ficaram-se pelos 3 mil milhões de dólares, o ritmo mais lento desde 2017.
Até final do ano, de acordo com as estimativas dos credores, os pagamentos de Eurobonds vão equivaler a 4,9 mil milhões de dólares, dos quais 3,7 mil milhões são juros e 1,2 mil milhões de dólares amortizações ou pagamentos finais, sendo devidos, no próximo ano, 7,5 mil milhões de dólares.
Só em Angola, Honduras e Nigéria, o valor em pagamentos de dívida a ser feito este ano ultrapassa os 500 milhões de dólares, o que, para o IFI, “evidencia a necessidade de contínuo acesso ao mercado para ajudar a gerir os futuros pagamentos”.
Entre os 76 países elegíveis para o apoio aos pagamentos da dívida estão todos os países lusófonos africanos (Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Angola e Guiné Equatorial, estes dois últimos também por estarem a implementar um programa financeiro do Fundo Monetário Internacional) e ainda Timor-Leste.
O relatório do IFI surge na mesma altura em que a Comissão Económica para África das Nações Unidas vai reunir-se com os ministros das Finanças africanos, na sequência da discussão pública que tem existido nos mercados financeiros africanos sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia da Covid-19, cujo número de mortos em África já ultrapassa os dois mil, em mais de 50 mil casos registados.
A assumpção do problema da dívida como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em Abril em Washington, na quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
Em 15 de Abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
Além disso, a UNECA (Comissão Económica das Nações Unidas para África), entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a Covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com ‘rating’ de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida actual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.
No domingo, o presidente em exercício da União Africana, o chefe de Estado da África do Sul, Cyril Ramaphosa, defendeu que a suspensão dos pagamentos da dívida deve vigorar durante dois anos e não apenas até Dezembro.
Covid-19 e petróleo controláveis por decreto?
A UNECA estima que Angola possa enfrentar uma quebra na actividade económica de 10,9% devido ao Covid-19 e aos preços baixos do petróleo. E como (tanto quanto parece) a Covid-19 e os preços do petróleo não são controláveis por decreto, mesmo que seja presidencial… a coisa está negra.
De acordo com um relatório da UNECA sobre o impacto do novo Coronavírus na actividade económica nos países da África central, Angola poderá enfrentar uma recessão e 10,9% na actividade económica, resultante de uma quebra de 20% nas receitas petrolíferas, assumindo um preço médio do petróleo de 30 dólares durante o ano, a que se somam uma redução no turismo e nas actividades não petrolíferas.
“A situação na África Central é ainda pior do que no resto do continente porque infelizmente a percepção sobre a evolução económica, bem como a guerra de preços no petróleo, a que se junta uma queda do preço do petróleo de 60 para 30 dólares por barril, está a acontecer num ambiente em que vários países africanos já estão sob apoio do FMI”, disse o director do departamento da UNECA para a África Central, António Pedro.
“Os nossos Estados-membros não terão o dinheiro de que precisam para reagir à pandemia, já que enfrentam um duplo perigo: por um lado são atacados pelo vírus e pelo abrandamento do crescimento económico, e depois não têm dinheiro para responder a um agravamento da situação da pandemia”, acrescentou o responsável.
O relatório “mostra os impactos estimados nos países da África Central em percentagem do Produto Interno Bruto num cenário do petróleo a 30 dólares”, confirmou o responsável por esta região que, na divisão da ONU, engloba Angola, Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Chade, República Democrática do Congo, República do Congo, Guiné Equatorial, Gabão, Ruanda e São Tomé e Príncipe.
A UNECA alerta, num relatório sobre o impacto da Covid-19 em África, que o crescimento económico de 3,2% previsto para o continente este ano pode reduzir-se para 1,8% devido ao abrandamento previsto na procura dos principais países importadores de matérias-primas e à redução do preço do petróleo.
“Dos milhares de casos conhecidos, cerca de 350 são em África, mas o impacto económico é desproporcional”, lê-se numa nota de análise divulgada pela UNECA em Adis Abeba, na qual alerta que “o novo Coronavírus pode fazer com que o crescimento esperado desça de 3,2% para 1,8%”.
Na apresentação do relatório sobre o impacto da pandemia no continente africano, a secretária executiva da UNECA, Vera Swonge, disse que o facto de a China estar a ser severamente afectada iria inevitavelmente impactar também o comércio em África.
“África pode perder metade do crescimento do PIB devido a um conjunto de razões, que incluem as perturbações na cadeia de fornecimento global”, disse a responsável, notando que o continente está fortemente ligado à Europa, China e Estados Unidos da América.
O continente, acrescentou, vai precisar de mais de 10 mil milhões de dólares (9,04 mil milhões de euros) em aumentos nos gastos de saúde para conter a propagação do vírus e, por outro lado, para compensar a quebra de receitas que pode levar a uma situação de dívida insustentável.
No relatório, explica-se que “assumindo uma exportação de barris de petróleo este ano idêntica em volume à da média entre 2016 e 2018, com o preço médio de 35 dólares, a Covid-19 pode fazer as receitas de exploração caírem para 101 mil milhões de dólares [91,36 mil milhões de euros] este ano”, o que representa uma queda de 65 mil milhões de dólares (58,81 mil milhões de euros).
Entre as recomendações apontadas pela UNECA, os peritos salientam que “os governos africanos devem rever os orçamentos para dar prioridade às medidas que possam mitigar os efeitos negativos esperados do Covid-19 nas suas economias”.
A organização considera ainda que os governos devem “dar incentivos aos importadores de alimentos para comprarem rapidamente quantidades suficientes que possam ser armazenadas, financiar a preparação para o impacto, a prevenção e as medidas curativas, incluindo a parte logística”.
Além disso, apontam os técnicos, os governos africanos devem “aproveitar a crise para melhorar os sistemas de saúde, preparar pacotes de estímulos orçamentais como a garantia de salários àqueles incapazes de trabalhar devido à crise e favorecer o consumo e o investimento e manter os investimentos em infra-estruturas para proteger os empregos”.
Manter o empenho no acordo de livre comércio africano para “construir resiliência continental a longo prazo e gestão de volatilidade”, por exemplo apostando no comércio farmacêutico e de produtos alimentares básicos intra-regionais são outras das recomendações dos peritos da UNECA.
Folha 8 com Lusa