A Procuradoria-Geral da República angolana apreendeu sete templos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Luanda pela alegada prática dos crimes de associação criminosa, fraude fiscal, exportação ilícita de capitais e outros ilícitos de natureza análoga.
Segundo uma nota da Procuradoria-Geral da República (PGR), foram apreendidas as catedrais de Alvalade, Maculusso, Morro Bento, Patriota, Benfica, Cazenga e Viana, sendo instituído como fiel depositário o Instituto Nacional de Assuntos Religiosos, enquanto decorre o processo-crime junto do Serviço de Investigação Criminal.
As tensões da IURD em Angola arrastam-se desde Novembro, quando um grupo de dissidentes se afastou da direcção brasileira e culminou com a tomada de templos, em Junho, pela suposta ala reformista, entretanto constituída numa Comissão de Reforma em Angola, com troca de acusações mútuas relativas à prática de actos ilícitos.
O conflito deu origem à abertura de processos-crime na PGR de Angola e subiu à esfera diplomática, com o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, a pedir ao seu homólogo João Lourenço garantias de protecção dos pastores brasileiros e do património da Igreja, com o chefe de Estado angolano a prometer um “tratamento adequado” do assunto na justiça.
A Comissão de Reforma destituiu, em finais de Julho, a direcção e elegeu novos membros, pondo igualmente fim aos serviços dos missionários brasileiros, decisões publicadas numa acta que a IURD Angola diz ser ilícita.
Em comunicado, assinado pelo bispo António Ferraz, a IURD Angola prometeu adoptar todas as medidas para reagir à publicação ilícita da acta, que foi publicada no Diário da República de 24 de Julho, e pôr “cobro à actuação ilícita daqueles que se intitulam agora de ‘Comissão de Reforma da IURD’”.
Segundo o Diário da República de 24 de Julho, na assembleia extraordinária a Comissão de Reforma da IURD Angola decidiu destituir o corpo de direcção da IURD Angola liderada pelo bispo Honorilton Gonçalves “por violação sistemática dos estatutos e direitos dos membros da IURD em Angola”.
“Discriminação racial e violação de normas estatutárias, imposição e coacção a castração ou vasectomia aos pastores e abuso de confiança na gestão dos recursos financeiros e patrimoniais” da IURD Angola constituem algumas das razões da destituição.
Na assembleia extraordinária, a Comissão de Reforma da IURD Angola elegeu como seu coordenador o bispo Valente Bizerra Luís e decidiu também “por unanimidade, dar por findo o serviço eclesiástico pela IURD Angola dos missionários brasileiros em todo o território angolano”.
A acta publicada em Diário da República assinala que os membros conferiram poderes à Comissão de Reforma da IURD Angola para gerir todos os programas eclesiásticos televisivos, radiofónicos, de imprensa e plataformas digitais da IURD Angola.
Em resposta, o bispo António Ferraz afirmou que o grupo de dissidentes, promotores da Comissão de Reforma da IURD Angola, “não constitui os legítimos representantes” referindo que alguns foram expulsos devido à prática de “actos ilícitos e à violação do código de conduta da igreja”.
As teses do ministro da Justiça
O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, afirmou há pouco mais de 15 dias que o Estado angolano apenas deve garantir a legalidade no conflito interno da IURD, salientando que o problema não era político ou diplomático.
Segundo o ministro, a IURD é uma empresa de direito angolano, que existe em Angola desde 1992 e que se submete às leis angolanas.
“No momento em que as leis angolanas estejam a ser desrespeitadas, de uma ou de outra forma, o Estado tem o dever de intervir para repor a legalidade, de restabelecer a ordem e tranquilidade pública”, referiu o ministro.
O governante informou que na altura (há 15 dias) estavam em instrução preparatória dois processos, que resultaram, um deles, da denúncia de bispos angolanos da igreja, “sobre práticas que indiciam crimes” e um outro processo, de bispos brasileiros contra sacerdotes angolanos, “que também indiciam crimes”.
“Estes processos estão em curso, o SIC (Serviço de Investigação Criminal) interveio para fazer a instrução dos processos, um deles já está na PGR e o outro será remetido também para a PGR, para que haja os procedimentos legais estabelecidos para estas matérias”, frisou.
Francisco Queiroz salientou que o Governo angolano tem de cumprir a lei, cumprir os prazos processuais definidos para a instrução e o julgamento dos casos e manter a serenidade durante este período de espera.
“O que também tem de se fazer é não confundir as coisas. O que se nota muitas vezes é tentar esconder o problema essencial: problema interno, problema de gestão, um problema que opõe alas internas dentro da igreja e transformar isto num problema político, que não é”, disse o governante angolano, numa clara e inequívoca demonstração de equidistância do Governo em relação a problemas que, dir-se-ia, não são do seu âmbito.
O titular da pasta da Justiça e dos Direitos Humanos reiterou que se trata de “um problema interno, que gerou uma crise, é um problema que tem implicações legais e por isso o Estado não pode ficar indiferente a essa situação”.
“O Estado deve intervir para defender a legalidade, defender os interesses quer particulares quer públicos quer privados, que estejam ameaçados e garantir a estabilidade”, vincou o ministro, admitindo assim que uma das partes, ou as duas, estão a ameaçar a legalidade.
“Uma vez que despropositadamente começou-se também a colocar o problema em termos políticos e diplomáticos e aí tem a ver com a soberania e o Estado está capaz de defender essa soberania”, garantiu.
Para o Governo angolano, prosseguiu o ministro, “esta intervenção pública, político-diplomática não se ajusta de modo nenhum ao problema que existe”.
“Entre Angola e o Brasil existem relações de muito tempo, relações sólidas que vão continuar cada vez mais. Não é um problema destes que vai perturbar as relações, aqui o que obtivemos dos senhores deputados foi uma onda de solidariedade nesse domínio, de que Angola está a agir bem, o problema não é político, não é diplomático, não tem que haver intervenção ou interferência de outros níveis neste assunto”, indicou.
Folha 8 com Lusa