O Bloco de Esquerda (BE), rendido aos encantos do MPLA na versão João Lourenço, está a dar relevantes ajudas ao regime na defesa das teses de que, afinal, há jacarés vegetarianos e de que quem viu roubar, participou no roubo e beneficiou do roubo não é ladrão. E fá-lo continuando a abrir fogo sobre os membros do clã Eduardo dos Santos, desviando as atenções do facto de Angola estar cada vez mais perto da implosão.
Assim, o BE diz que vai enviar a todos os grupos da Assembleia Municipal do Porto (provavelmente com cópia ao Comité Central do MPLA) “um documento de análise” para a “tomada de decisão” sobre a medalha de ouro da cidade atribuída ao marido de Isabel dos Santos.
“Os factos vindos a público sobre a pessoa em causa tornam necessário, a nosso ver, uma reflexão e uma avaliação”, afirmou o deputado do BE, Joel Oliveira, numa referência às denúncias conhecidas como Luanda Leaks, que detalham esquemas financeiros da empresária angolana Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família.
O deputado, que falava na sessão de segunda-feira da Assembleia Municipal do Porto, anunciou que o partido vai enviar a todos os grupos daquele órgão “um documento de análise” para que possa ser delineado “o caminho a seguir para a tomada de decisão de salvaguarda do Porto como uma cidade viva”.
Em Janeiro, o grupo municipal do Bloco de Esquerda anunciava, em comunicado, a intenção de “retirar a condecoração atribuída ao marido de Isabel dos Santos”, Sindika Dokolo.
O Bloco de Esquerda afirmava, à época, não aceitar que “a cidade do Porto seja usada como refúgio da cleptocracia angolana e que as actividades da câmara beneficiem de dinheiros canalizados pela fundação de Sindika Dokolo”.
Na altura, o “Porto, o Nosso Movimento”, partido do independente Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, afirmou que a retirada da medalha de ouro da cidade ao marido de Isabel dos Santos “não se colocava”, e lembrou que a atribuição foi “deliberada por unanimidade” no executivo.
O PSD afirmou que o pedido do Bloco de Esquerda de retirar a medalha de ouro a Sindika Doloko, na sequência do processo Luanda Leaks, é “uma mera manifestação de oportunismo político”.
Por sua vez, o PAN considerou que a atribuição da medalha de ouro da cidade do Porto a Sindika Dokolo “não cumpria” o Regulamento da Medalha Municipal.
Já os deputados municipais da CDU preferiram não comentar “para já” o assunto, lembrando que o mesmo tem de ser “tratado com frieza”.
Questionada pela Lusa, a Câmara do Porto recordou apenas que “a atribuição da medalha de mérito da cidade, grau ouro, decorreu da realização de uma das mais importantes exposições de arte contemporânea, realizada na Galeria Municipal em 2015, e que esta mesma distinção foi unanimemente aprovada em reunião de câmara”.
Em Fevereiro de 2015, quando Rui Moreira propôs a atribuição da medalha de ouro da cidade a Sindika Dokolo, dando como justificação o empréstimo da sua colecção para a exposição designada “You Love Me, You Love me Not”, apenas o Bloco votou contra a proposta na Assembleia Municipal.
Já em reunião do Executivo, a recomendação foi aprovada por unanimidade, com votos favoráveis do PS, PSD, CDU e movimento de Rui Moreira.
Em Novembro de 2018, o Presidente de Angola (não nominalmente eleito), também Titular do Poder Executivo e Presidente do MPLA, João Lourenço, afirmou que a cerimónia oficial na Câmara do Porto (a mesma autarquia que atribuiu a Medalha de Ouro da cidade a Sindika Dokolo) abre portas a “um futuro promissor” nas relações entre Portugal e Angola.
“Esta cerimónia abre as portas a um futuro promissor de cooperação e intercâmbio em todos os sectores que possam contribuir para o aprofundamento das nossas relações bilaterais, pois estou convencido que a nossa visão sobre o intercâmbio ganhará expressão real nas conversações que dentro de momentos serão mantidas entre as delegações angolana e portuguesa, chefiadas por mim e pelo primeiro-ministro, António Costa”, disse João Lourenço.
O presidente João Lourenço afirmou sentir-se “honrado” com a visita ao Porto, “cidade conhecida no mundo pela sua coragem” e pelos “feitos” da sua população, que lhe valeram “título único de cidade Invicta”.
Para João Lourenço, a história “heróica” do Porto “tem paralelo com algumas cidades de Angola”, onde “também os seus habitantes souberam com estoicismo lutar pelos valores das suas cidades, pela sua liberdade e pela salvaguarda de importantes conquistas, alcançadas com esforço, empenho e dedicação”.
O chefe de Estado angolano enalteceu, ainda, valores do Porto, afirmando que o município é uma “cidade do trabalho, vencedora quando se propõe realizar objectivos” e “pujante” no desempenho, quer das suas indústrias como no desporto e cultura.
Certamente que a autarquia liderada por Rui Moreia, velho e querido amigo dos governos de Angola (desde a independência, em 1975, foram todos do MPLA) e dos seus líderes… enquanto estiveram mo Poder, não se esquecerá de erigir uma estátua ao Presidente João Lourenço ou, no mínimo, dar o seu nome à Avenida da Boavista que, aliás, já “esteve” para se chamar… Avenida José Eduardo dos Santos.
Por sua vez, num discurso de boas-vindas, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, disse que poderá haver quem tenha uma “visão paternalista” em relação a Angola, mas garantiu que neste concelho se vive os “sucessos angolanos sem complexos de superioridade ou de inferioridade”.
Manifestamente Rui Moreira passou uma esponja sobre a bajulação da “sua” Câmara Municipal ao casal Sindika Dokolo/Isabel dos Santos, bem como ao “líder carismático” (citando José Sócrates) que dominou Angola durante 38 anos sem nunca ter sido – tal como agora João Lourenço – nominalmente eleito.
“Haverá sempre quem, pelas melhores ou piores intenções, tenha uma visão paternalista sobre o que se passa em Angola. Também haverá quem, pelas melhores ou piores razões, mantenha algum ressentimento e desconfiança. Mas, falando em nome dos portuenses, porque só em nome deles posso falar, afianço-lhe que vivemos como nossos os vossos sucessos e os vossos avanços e não temos complexos de superioridade ou de inferioridade”, disse o presidente da Câmara do Porto.
Numa cerimónia que contou com a presença do primeiro-ministro português, António Costa, Rui Moreira sublinhou os laços afectivos entre Portugal, dando destaque à cidade do Porto, e Angola, para depois frisar a importância do aspecto económico.
“Temos trocas económicas e os investimentos cruzados que constroem riqueza em ambas as nações. Temos famílias que se abraçam e que se foram construindo, unindo os nossos povos”, disse o autarca, acrescentando que no Porto se olha para o mercado angolano “com atenção e carinho”.
Rui Moreira continua a ser uma das mais proeminente figuras portuguesas na bajulação ao regime angolano, desde que seja do MPLA. Para o autarca portuense pouco importa que Angola seja um dos países mais corruptos do mundo e o país com um dos maiores índices de mortalidade infantil do mundo.
Chafurdar na bajulação é para muitos políticos portugueses uma questão de vida. Recorde-se que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira, distinguiu Sindika Dokolo com uma medalha de mérito.
Na altura, a vereadora do PS na Câmara do Porto, Carla Miranda, deu uma no cravo e outra na ferradura ao criticar o princípio subjacente à decisão de atribuir a medalha de Mérito Grau Ouro ao dito coleccionador de arte.
Numa atitude de rabo escondido com gato de fora, a vereadora do PS votou favoravelmente esta proposta mas – repare-se – tinha “dúvidas se será suficiente para receber esta medalha apenas vir ao Porto divulgar o seu património”.
“Existe um regulamento para atribuição de medalhas e para as de mérito é bem claro: ela deve ser dada a quem tenha praticado actos com assinaláveis benefícios para a cidade. Precisaríamos de mais benefícios para a cidade e para a população para lhe atribuir esta medalha”, disse a vereadora socialista.
Que maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para todo o país, do que ser – na altura – genro do presidente no poder desde 1979? Ou marido de uma multimilionária que começou a ganhar umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda?
Sindika Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto laudatório, bajulador e servil da autarquia.
“Em Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do mundo da arte”, acrescentava o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara Municipal do Porto.
A justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista da autocracia do MPLA, para tão importante distinção a alguém que não tem qualquer ligação à cidade foi – repita-se – a de ir patrocinar a apresentação da exposição “You Love me, You love me not”.
Rui Moreira disse ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo, permite à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte singular entre a cidade e o mundo”.
Por este andar, e então agora que se tornou amigalhaço de João Lourenço, não tardará que o MPLA retribua com a atribuição a Rui Moreira da medalha da democracia e do Estado de Direito que Angola (ainda) não é.