A Justiça espanhola suspendeu a audição sobre a extradição de Carlos Panzo, antigo secretário para os Assuntos Económicos do Presidente da República de Angola (João Lourenço), para que a defesa tenha tempo de estudar novos documentos enviados de Luanda.
O juiz da Audiência Nacional, um tribunal espanhol que toma decisões sobre os pedidos de extradição, concordou que a defesa de Carlos Panzo devia ter “mais tempo para estudar” uma série de documentos enviados nos últimos dias pelas autoridades angolanas, tendo suspendido a audição alguns minutos depois do seu início.
Durante uma breve sessão, a defesa queixou-se por as autoridades angolanas não terem cumprido os prazos legais e só agora “expliquem as razões do pedido de extradição” numa série de documentos “incompletos”, visto que alguns deles “não estão assinados”.
O Ministério Público espanhol opôs-se aos argumentos da defesa, considerando que os documentos são em número reduzido, mas reconheceu que se “podia aceitar a suspensão”, no caso de não ter havido tempo para os ler.
Carlos Aires da Fonseca Panzo foi inicialmente detido em Espanha em Setembro do ano passado, a pedido da Procuradoria-Geral angolana, mas neste momento aguarda em liberdade condicionada a decisão sobre o pedido de extradição.
Uma fonte da defesa disse que as autoridades suíças já tinham investigado Carlos Panzo e decidido não haver razões para o julgar por alegado branqueamento de capitais, tendo ainda libertado as suas contas bancárias, que inicialmente tinham sido congeladas.
Foi com base nesse processo que as autoridades angolanas decidiram, também elas, investigar o anterior secretário para os Assuntos Económicos de João Lourenço, de acordo com as mesmas fontes.
O Ministério Público angolano instaurou em Novembro de 2017 um processo contra Carlos Panzo, pretendendo esclarecer “uma denúncia sobre factos penalmente puníveis”, nos termos do direito internacional.
Carlos Panzo está a ser investigado na sequência de uma denúncia de que teria recebido comissões no valor total de 11 milhões de dólares (9,66 milhões de euros), pagos por uma empresa brasileira, a Odebrecht, em várias tranches, através de uma conta bancária na Suíça.
A defesa de Carlos Panzo defende que o investigado não pode ser julgado duas vezes pelo mesmo crime (princípio do “non bis in idem”), tendo já sido ilibado de todas as acusações na Suíça.
As mesmas fontes defenderam que Panzo também beneficia da Lei da Amnistia aprovada pelo parlamento de Angola em Agosto de 2016.
Há cerca de um ano, mais de 600 processos, envolvendo maioritariamente gestores públicos e actores políticos (todos escolhidos pelo MPLA), suspeitos de praticar actos de corrupção e peculato, encontravam-se sob a alçada da Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC). Quantidade não significa qualidade e, por isso, ajuda a prescrever o que mais interessar que assim seja, para além de justificar falhanços por… falta de meios.
Deste número, 190 estavam em fase de averiguação para apuramento de indícios criminais e posterior tramitação processual (instrução preparatória). Ninguém duvida destes dados. Foram divulgados pela responsável da DNPCC, Inocência Pinto.
Segundo a magistrada, Luanda liderava a lista com mais de 220 casos, dos quais 102 processos de inquérito/averiguação em curso, sob custódia da DNPCC, e 14 de instrução preparatória, em posse do Serviço de Investigação Criminal de Luanda.
De igual modo, informou Inocência Pinto em declarações à Angop, a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) investigava 101 processos-crime, sobre corrupção activa e passiva, como tráficos de influência, recebimento indevido de vantagens e outros de peculato. Por outras palavras, investigava o dia-a-dia do MPLA/Estado.
“Todas essas formas de corrupção têm merecido tratamento da Procuradoria, em termos investigativos. Para além destes crimes de corrupção, temos outros cometidos por funcionários públicos no exercício de funções, como é o caso do peculato”, especificou Inocência Pinto.
Por províncias, Cabinda detinha quatro processos mediáticos então em fase de instrução preparatória, implicando antigos gestores das direcções provinciais da Saúde, da Educação, da Energia e Águas e do Instituto de Estradas de Angola (INEA).
Zaire tinha igualmente quatro processos-crime, Uíge 5, Benguela 32 (5 dos quais no Lobito), Namibe 22, Cunene 30, Cuando Cubango 11, Lunda Sul 33, Lunda Norte 22, Huambo 31, Bengo 15 e Moxico 2. A Huíla detém 51 processos de averiguação/inquérito, o Cuanza Norte 4 processos de inquérito e 13 em instrução preparatória, Malanje 3 de averiguação e 31 criminais, Cuanza Sul 58 processos crime e 15 de inquérito e Bié 7 processos-crime e 1 de inquérito.
“São muitos casos em averiguação nas 18 províncias do país, para se detectar indícios da prática de crimes de natureza económico-financeira. Tão logo concluamos que existem factos que constituem crime, passamos para a fase seguinte, que é a da instrução preparatória”, afirmou Inocência Pinto.
De acordo com a directora nacional de prevenção e combate à corrupção, existiam alguns processos cuja instrução já fora concluída, que foram introduzidos em juízo, e outros que já passaram por julgamento, sem precisar números.
Quanto aos casos mediáticos, disse estarem em curso o processo contra o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno dos Santos, e o seu sócio Jean-Claude Bastos de Morais.
Mencionou, ainda, os processos contra o antigo ministro (de José Eduardo dos Santos e de João Lourenço) dos Transportes, Augusto Tomás, contra os deputados Higino Carneiro e Manuel Rabelais, e contra o ex-secretário para os assuntos económicos do Presidente da República, Carlos Panzo, todos em fase de investigação.
PGR engasgou-se ou mentiu?
O general Hélder Pitta Grós, Procurador-Geral da República do MPLA, o único partido que governa Angola há 45 anos, afirmou no dia 16 de Novembro de 2018 que a falta de verbas estava a condicionar a cooperação internacional e o cumprimento de diligências como cartas rogatórias. Que chatice. Era preciso arranjar quem nos desse mais uns milhões de fiado para resolver este problema. Talvez a China, não? Mas agora com o Coronavírus…
Hélder Pitta Grós falava na Assembleia Nacional do MPLA num encontro entre as primeira e décima Comissões de Trabalho Especializadas e representantes do Tribunal Supremo, Tribunal de Contas, Tribunal Constitucional, Tribunal Supremo Militar e o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, no âmbito da (suposta) apreciação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2019.
Segundo o Procurador-Geral da República, “os novos ventos que surgiram”, levaram a Procuradoria a realizar actividades inéditas que tiveram de ser feitas “com ou sem recursos”. É obra, reconheça-se. Fazer “actividades inéditas” e ainda por cima “sem recursos” não é para qualquer um. Bravo, general Hélder Pitta Grós.
“Não deixamos de fazer o nosso trabalho porque não tínhamos recursos”, disse Hélder Pitta Grós, para enumerar as dificuldades por que passam para a execução das actividades.
“Temos outros técnicos que trabalham connosco, trabalham um, dois meses, a ordem de saque não é paga e ele vai embora, porque dizem que não estão para trabalhar de borla”, disse o PGR. Então como é senhor Presidente da República? Então como é senhor Titular do Poder Executivo? Então como é senhor Presidente do MPLA? Assim não vale! Trabalho escravo, só mesmo para os angolanos de segunda.
A situação repete-se com “os próprios investigadores, os magistrados”, apontou então Hélder Pitta Grós. Num Estado de Direito, que é algo que Angola (ainda) não é, o PGR seria demitido (já que, reconhecidamente, não tem coragem para se demitir) ou o Presidente da República (João Lourenço) viria a público – numa comunicação ao país – pedir desculpa e reconhecer que, afinal, só tinham mudado (algumas) moscas.
“Eles trabalham o dia inteiro, de manhã até à noite, e têm de tirar do seu bolso, precisam de comer, de fazer telefonemas, têm de pagar o seu saldo, têm de tirar fotocópias e utilizam o seu dinheiro para isso. Portanto, temos de saber bem aquilo que a gente quer. Temos não só de combater os crimes, como também de fazer a prevenção, e a prevenção também custa dinheiro”, disse Hélder Pitta Grós.
A PGR conta também com a cooperação internacional, que tem sido fundamental, segundo o magistrado, tendo exemplificado que, em 2017, registaram um total de 124 cartas rogatórias nos dois sentidos – recebidas e enviadas.
“Até Setembro deste ano (2018), já estamos em 300, e isso também é dinheiro, porque as cartas rogatórias têm de ter tradução, de ter fotocópias. Muitas vezes temos de buscar especialistas para nos ajudarem, porque não podemos ver a cooperação judiciária só num sentido, dos outros para connosco. Nós também temos de dar alguma coisa e sentimos isso, às vezes, quando temos contactos com algumas entidades no exterior, em que nós procuramos informação”, referiu.
“Eles perguntam: ‘e vocês o que têm?’ A cooperação judicial não é só ir buscar, tem de se receber e ir buscar e quanto mais se dá, mais se recebe. Se não se dá nada, não se recebe nada e isso é dinheiro”, frisou.
Hélder Pitta Grós disse estar ciente das dificuldades por que o país passa, mas esperava alguma abertura do Ministério das Finanças. Bem pode esperar sentado, o que certamente fará num cadeirão cómodo e bem estofado. Nem a ministra Vera Daves nem o Presidente João Lourenço estão interessados em resolver este e milhares de outros problemas que o MPLA criou ao longo dos últimos 45 anos.
“Temos consciência de que o dinheiro é pouco, mas, se trabalharmos em conjunto com o Ministério das Finanças, podemos ver a melhor forma de gastarmos o pouco que existe. Agora, quando apresentamos uma proposta e depois recebemos a contraproposta, sem termos sido ouvidos, da forma como é feita, dificulta um bocado todo o exercício que se queira fazer”, lamentou.
Folha 8 com Lusa