O director do departamento africano da consultora Eurasia, Darias Jonker, diz em entrevista à Lusa que Angola e Moçambique não deverão ter grande apoio dos credores privados nas iniciativas de alívio dos pagamentos da dívida pública que, segundo o FMI, deverá este ano ultrapassar os 132%.
“N ão posso comentar sobre a questão mais lata do envolvimento dos credores privados no acordo do G20, mas no que diz respeito a Angola e Moçambique, não espero grande apoio dos credores privados, excluindo os credores chineses”, respondeu Darias Jonker quando questionado sobre o impacto da participação deste sector na iniciativa sobre o alívio da dívida.
“No caso de Moçambique, os detentores de títulos de dívida pública já passaram por dois processos de reestruturação e deverão estar relutantes em fazê-lo outra vez; no caso de Angola, os credores privados são numerosos e seria um processo muito complicado e esgotante fazer com que todos concordem com uma reestruturação”, apontou o analista.
As declarações dos analistas surgem na sequência da discussão pública que tem existido nos mercados financeiros africanos sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia da Covid-19.
A assunção do problema da dívida como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em Abril em Washington, na quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
“Angola tem um grande problema de pagamento da dívida e desde então a maior parte da dívida é devida à China e será necessário fazer um acordo com a China, que provavelmente não será tornada pública”, disse Darias Jonker, notando que o país asiático “deve mostrar alguma flexibilidade” nas negociações da dívida com os devedores africanos.
“O Fundo Monetário Internacional também está activamente envolvido na ajuda a Angola para estabilizar a sua dívida e gerir os seus pagamentos, o que, juntamente com a vontade da China de reestruturar e os cortes orçamentais em Angola, deverá colocar o país numa posição melhor para gerir a sua dívida”, que ultrapassou os 100% do PIB no final do ano passado.
Questionado sobre se a relação especial de Angola com a China vai beneficiar Luanda na negociação da dívida, Darias Jonker respondeu: “A China dificilmente vai perdoar muita dívida a Angola, mas já expressou a vontade de considerar uma moratória nos pagamentos”.
“Como muita da dívida é paga pelo petróleo, Angola pode dar menos petróleo à China e ter assim mais crude para vender no mercado aberto, mas devido à falta de procura, pode ter de o armazenar durante uns meses, o que significa que não terá um alívio directo por parte da China”, acrescentou.
De acordo com a estimativa da Organização Não-Governamental (ONG) Comité para o Jubileu da Dívida, Angola terá de pagar este ano 2,2 mil milhões de dólares (cerca de 2 mil milhões de euros) em dívida, o valor mais elevado no continente.
A entrevista de Darias Jonker surge na sequência da discussão pública que tem existido nos mercados financeiros africanos sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia da Covid-19.
A assunção do problema da dívida como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorreram em Abril em Washington, na quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
Em 15 de Abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
O Instituto Financeiro Internacional (IFI), que junta os credores a nível mundial, anunciou na semana passada a intenção de participar na iniciativa do G20 que propõe a suspensão dos pagamentos aos credores, entre Maio e Dezembro, embora sem se comprometer com os termos e sem apresentar detalhes, estimando que a dívida soberana e os juros dos empréstimos contraídos pelos países em desenvolvimento e dos mais pobres a pagar este ano rondaria os 140 mil milhões de dólares (127,8 mil milhões de euros).
Além disso, a União Africana e Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), entre outras instituições, estão a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a Covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Outra hipótese, avançada pelo representante especial da União Africana para a resposta à pandemia, Ngozi Okonjo-Iweala, é este veículo financeiro (‘Special Purpose Vehicle’, no original em inglês) poder também ser financiado pelos Direitos Especiais de Saque que as nações mais ricas têm no FMI, e que compõem as reservas do Fundo.
Dívida pública nos 132,2% este ano
O FMI reviu a previsão de evolução da economia de Angola, antecipando uma recessão económica de 1,4% e um aumento da dívida pública para 132,2%, este ano. A Covid-19 ajudou a complicar mas as raízes do problema têm décadas e são filhas da incompetência governativa do MPLA.
De acordo com as Perspectivas Económicas Regionais da África subsaariana, a economia de Angola deverá continuar a registar um crescimento negativo, contraindo 1,4% este ano, depois de ter registado uma recessão de 1,5% em 2019, mas regressando ao crescimento no próximo ano, com uma taxa prevista de 2,6% do PIB.
O documento, que este ano é exclusivamente dedicado aos impactos da pandemia de Covid-19, prevê também uma subida da dívida pública, de 109,8% do PIB no ano passado, para 132,2% este ano e 124,3% em 2021, devido às necessidades de financiamento para suplantar não só a descida dos preços do petróleo, mas também a despesa necessária para controlar a pandemia da Covid-19.
“O crescimento nos países exportadores de petróleos deve cair de 1,8% em 2019 para -2,8% este ano, o que revela uma queda de 5,3 pontos percentuais face ao relatório de Outubro”, lê-se no documento, que aponta que o maior exportador da região, a Nigéria, deverá ver a sua economia cair 3,4% devido à queda do preço do petróleo e aos efeitos das medidas de isolamento social.
A crise “ameaça afastar a região do seu caminho, revertendo os progressos encorajadores no desenvolvimento dos anos recentes”, diz o FMI, alertando também que “ao ceifar um número pesado de vítimas, prejudicando a subsistência, e afectando os negócios e as contas públicas, a crise ameaça também abrandar as perspectivas de crescimento da região nos próximos anos”.
Num quadro de incerteza ainda maior que o habitual, o FMI antecipa que a África subsaariana tenha um crescimento negativo de 1,6%, o maior de que há registo e 5,2 pontos percentuais abaixo das previsões de Outubro, e prevê que em 2021 o continente volte ao crescimento, vendo o PIB expandir-se, em média, 4,1%.
Para o FMI, a previsão de recessão para África subsaariana explica-se por três grandes factores: as medidas de contenção, que prejudicam a actividade económica, os efeitos do abrandamento da economia global, também ela em recessão este ano, e a “forte queda do preço das matérias-primas, especialmente o petróleo, que magnifica os desafios em algumas das maiores economias dependentes de recursos, nomeadamente Angola e a Nigéria”.
Estes choques, explica o departamento africano do FMI, “vão interagir com as vulnerabilidades actuais, exacerbando as condições económicas e sociais de cada país”.
Reconhecendo que “as medidas que os países tiveram de tomar para garantir o distanciamento social e impedir as pessoas de circular vão de certeza colocar em perigos a subsistência de inúmeras pessoas vulneráveis”, que por causa das limitadas protecções sociais que existem para compensar a perda de rendimentos, “vão sofrer”. Para o sector público de muitos países, esta crise, conclui o FMI, “não podia ter vindo em pior altura”.
Folha 8 com Lusa