A versão afro de Queiroz

Como é natural nas ditaduras, o regime do MPLA (não confundir com Angola e muito menos com os angolanos) prefere ser assassinado pelo elogio do que salvo pela crítica. Nessa perspectiva, a Embaixada de Angola em Lisboa convidou, em Abril de… 2012, Belarmino Van-Dúnem para ir a Portugal falar do papel da paz na afirmação de Angola, palestra no quadro do Dia da Paz e Reconciliação Nacional.

Por Orlando Castro

Como esperado, o orador criticou a postura de alguns sectores da sociedade portuguesa, particularmente de certa imprensa que – disse ele – “continua a denegrir a imagem de Angola, pelo facto de desconhecer a realidade da nova Angola”. Estávamos em 2012 e o “querido líder”, o “escolhido de Deus” era José Eduardo dos Santos.

Belarmino Van-Dúnem (embora ele não saiba o que isso quer dizer) sempre confundiu em proveito do seu intestino (é lá que tem o cérebro) a beira da estrada com a estrada da Beira. O que alguma (cada vez menos) imprensa faz não é denegrir a imagem de Angola, muito menos a dos angolanos, mas sim do regime que está no poder desde 1975 e cujo “Deus” é um assassino, um genocida de nome Agostinho Neto.

A não ser que, na tese de Belarmino Van-Dúnem, Angola seja do MPLA, as críticas feitas ao regime não eram para denegrir nem revelavam, pelo contrário, desconhecimento da realidade da nova Angola.

Belarmino Van-Dúnem lamentou que “apesar da solidariedade de Angola em ajudar, por exemplo, a que bancos portugueses não declarem falência, certa imprensa desse país não se cansa de criticar Angola”. Assim falava o súbdito (sipaio em português corrente) de José Eduardo dos Santos e estratega da corrupção que canalizava para os bancos portugueses caixotes de dinheiro roubado ao Povo angolano.

Pois é. Todos estão gratos pela solidariedade de Angola, mas criticam – legitimamente – o facto de a solidariedade não ser de Angola enquanto nação mas, isso sim, dos donos de Angola, das empresas do estado, que é o mesmo que dizer da família de Eduardo dos Santo, tão venerada por Belarmino Van-Dúnem.

Segundo a criatura, já então rotulado de “analista político”, “a maior parte da equiparação dos padrões de vida que se faz para Angola não é justa, pois, grande parte das comparações é feita com países cuja história recente é totalmente diferente da de Angola”.

Por outras palavras, não se podia falar do facto de, ao contrário de Eduardo dos Santos, Cavaco Silva (na altura) ter sido eleito e – curiosamente – não ser nem de perto nem de longe o homem mais rico de Portugal.

É claro que muitas coisas boas foram e são feitas em Angola e, ao contrário do que disse então Belarmino Van-Dúnem, são noticiadas em Portugal. Convenientemente, é claro, esquece-se que só é notícia o homem que morde o cão, e não contrário. Mas isso é querer demais… como hoje se comprova.

No campo da consolidação do que chamou Estado de Direito, Belarmino Van-Dúnem citou como ganhos dos últimos 10 anos, a aprovação da actual Constituição da República, assim como as leis da probidade pública, património público, branqueamento de capitais ou o decreto presidencial do investimento público. Estávamos em 2012. Quem assinava os cheques para pagar aos sipaios era José Eduardo dos Santos.

Esqueceu-se o orador, Belarmino Van-Dúnem, que não são as leias que fazem os Estados de Direito, mas sim a sua prática diária. Não basta ter leis democráticas quando as práticas são ditatoriais. Não basta ter cérebro quando ele está localizado no intestino, mesmo que seja no delgado…

Para haver democracia é preciso que o poder judicial seja independente, é preciso que o Povo saiba quem elege ou quem não elege.

Poder judicial independente nunca houve em Angola e o Povo apenas sabia, sabe, que vota em quem lhe dá um saco de fuba. Antes “votava” nos que lhe davam peixe podre, fuba podre, 30 angolares e porrada se refilassem.

Pela nova “Constituição”, tão enaltecida por Belarmino Van-Dúnem , o Presidente da República é o “cabeça-de-lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.

Não é uma eleição indirecta, feita pelo parlamento, mas uma vigarice típica dos regimes a quem não basta ser totalitários.

Assim, o futuro presidente é o primeiro deputado da lista do partido mais votado, mesmo que esse partido tenha apenas 25% dos votos expressos.

Pela então (ainda) nova “Constituição”, tão enaltecida por Belarmino Van-Dúnem, o Presidente de Angola nomeia o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.

Na verdade Eduardo dos Santos já fazia tudo isto, ilegalmente é verdade, como Bokassa, Idi Amin ou Mobutu. É claro que os amigos nunca se preocuparam com isso. Pelo contrário. Felicitaram-no, tal como hoje felicitam João Lourenço.

Mau grado a vontade de Belarmino Van-Dúnem, nunca conseguirá fazer esquecer que 70% dos angolanos vivem na miséria, que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

Nunca fará esquecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Nunca fará esquecer que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros, que mais de 90% da riqueza nacional privada é subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população, que 70% das exportações angolanas de petróleo tem origem na sua colónia de Cabinda.

Nunca fará esquecer que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Hoje há quem considere que Belarmino Van-Dúnem sempre pretendeu ser como o seu guru “intelectual”, Artur Queiroz. Diz-se que, no passado não muito remoto, têm pontos comuns a nível da árvore genealógica. Seja como for, certo é que têm algo mais que os aproxima e que se confirmou nos últimos dias. Ambos têm o cérebro no intestino, Belarmino no delgado e Artur no grosso…

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