A organização não-governamental (ONG) de direitos humanos Human Rights Watch criticou hoje a violenta e mortal actuação das forças policiais angolanas (do MPLA), nas manifestações de quarta-feira, dia da (in)dependência nacional, por melhores condições de vida, defendendo uma investigação minuciosa aos tiros da polícia contra os manifestantes.
“O s disparos da polícia contra manifestantes pacíficos são vergonhosos, além de criminosos”, disse a analista sénior da Human Rights Watch (HRW) para África, Zenaida Machado, citada num comunicado da ONG, no qual defende que “o Governo deve investigar minuciosamente o uso de força letal desnecessária pela polícia e responsabilizar os culpados”.
Na nota, a HRW referiu que “a polícia angolana usou balas de arma de fogo, gás lacrimogéneo e cães para dispersar um protesto pacífico contra o Governo, que causou a morte de um manifestante na capital Luanda, em 11 de Novembro de 2020”.
A ONG apontou que “a polícia espancou severamente dois reconhecidos activistas: Nito Alves e Laurinda Gouveia, ambos em estado crítico, e prendeu arbitrariamente um terceiro activista, Luaty Beirão”.
A manifestação, promovida pelos mesmos organizadores que já tinham visto um protesto reprimido pela polícia no dia 24 de Outubro, pretendia reclamar melhores condições de vida e a realização das primeiras eleições autárquicas em 2021, depois de terem sido adiadas este ano, supostamente e de acordo com a versão do partido que está no poder há 45 anos, o MPLA, devido à Covid-19.
A polícia garantiu não ter usado meios letais, mas manifestantes e jornalistas presentes (como foi o caso do Folha 8) garantem que houve uso de munições reais.
“O Governo do Presidente João Lourenço foi saudado como uma nova era na promoção e respeito pelos direitos humanos em Angola, com melhorias notáveis na liberdade de expressão e reunião pacífica”, salientou a HRW.
“Mas a situação mudou dramaticamente em Outubro, quando o Presidente, como parte das medidas para controlar a disseminação da Covid-19, emitiu um decreto proibindo todas as reuniões públicas de mais de cinco pessoas, pouco antes de uma manifestação planeada por activistas e pelo principal partido de oposição, UNITA”, acrescentou o comunicado.
Para a activista da HRW, “o Governo angolano não deve usar as medidas contra a Covid-19 como desculpa para o policiamento excessivo e a repressão violenta de protestos pacíficos”.
A analista da ONG de defesa dos direitos humanos concluiu que o executivo liderado pelo Presidente João Lourenço “deve tomar medidas concretas contra aqueles que cometem abusos contra manifestantes pacíficos”.
A enorme ajuda da Covid-19
Maio de 2020. O Governo adquiriu um imóvel com 200 residências, no Calumbo, com o objectivo de criar condições para o tratamento especializado de epidemias e pandemias, num investimento aproximado de 25 milhões de dólares (23 milhões de euros). Quanto não vale ter aparecido a Coovid-19 para se fazer, ou prometer, o que a malária (a principal causa de morte em Angola) não conseguiu…
Segundo o despacho presidencial, a decisão visa colmatar a “insuficiência de infra-estruturas adequadas, a nível nacional, para dar resposta a graves calamidades de saúde pública e pandemias, de ocorrência imprevisível”. Agora entende-se. Morrer de malária não é “imprevisível”, daí a ajuda do novo coronavírus.
O diploma justifica a aquisição do imóvel em causa com a necessidade de criar condições para o tratamento especializado e adequado de epidemias e pandemias, aumentar a capacidade de diagnóstico e de tratamento específico, isolamento temporário, bem como acompanhamento e tratamento de doentes.
É caso para perguntar porque razão, apesar de já terem deixado o país há 45 anos, os portugueses não nos deixaram um imóvel com essas características. Tem de ser sempre o MPLA a pensar em tudo? Assim não dá…
Uma fonte oficial na altura contactada pela Lusa adiantou que o empreendimento já estava construído, estando a ser terminadas as acessibilidades ao local, pelo que o novo centro deveria começar a funcionar “em breve”.
O despacho que autoriza a despesa e procedimento de contratação simplificada para adquirir o imóvel atribui a responsabilidade do processo à ministra das Finanças.
Também naquela comuna do município de Viana, em Luanda, ficam localizados os dois centros Calumbo I e II aos quais o Ministério da Saúde tem recorrido para a quarentena institucional como forma de prevenção do contágio por Covid-19.
Entretanto, o Presidente João Lourenço aprovou um programa de transferências, no valor de 420 milhões de dólares (384,4 milhões de euros), para beneficiar, em quatro fases, até um 1.608 mil famílias em situação de vulnerabilidade.
O Programa de Fortalecimento da Protecção Social – Transferências Sociais Monetárias, denominado “KWENDA”, aprovado por decreto presidencial publicado em 4 de Maio, é justificado por João Lourenço com a necessidade de o Estado promover a criação de mecanismos que permitam a protecção social dos cidadãos.
O valor do programa, que visa a implementação de um sistema de protecção social temporário, amplo, mediante a atribuição de uma renda mensal de 8.500 kwanzas (13,8 euros) às famílias em situação de vulnerabilidade, é “integralmente suportado pelo Estado angolano”, dos quais 320 milhões de dólares (292,8 milhões de euros) correspondem ao financiamento reembolsável do Banco Mundial e a diferença suportada pelo Tesouro nacional.
O programa, que tem ainda como objectivo a inclusão das famílias em actividades geradoras de rendimento, bem como o fortalecimento dos mecanismos de intervenção do Sistema Nacional de Protecção Social, por via do apoio institucional, metodológico e financeiro, vai ser implementado nas 18 províncias do país, nas áreas rurais e urbanas, durante três anos, em quatro fases distintas.
A fase-piloto teve efectivação a partir de Maio as restantes decorrerão nos períodos de Junho a Dezembro de 2020, em 2021 e em 2022.
A coordenação do programa ficará a cargo do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher e a sua execução do Fundo de Apoio Social, enquanto a coordenação e supervisão institucional é feita pelo Grupo Técnico de Acompanhamento ao Programa de Transferências Sociais Monetárias e Fortalecimento da Protecção Social que, por sua vez, reporta ao ministro de Estado para Coordenação Económica.
O documento define como famílias em situação de vulnerabilidade “aquelas que vivem nos municípios com maior número de pobres urbanos e rurais, que se fixam nos dois últimos quintos do mapa de pobreza”.
Promessas acasalam com as mentiras
A criação de pelo menos (pelo menos, note-se, anote-se e relembre-se) meio milhão de empregos, reduzir um quinto à taxa de desemprego e instituir o rendimento mínimo social para as famílias em pobreza extrema (temos apenas e graças à divina actuação do regime do MPLA, 20 milhões de pobres) foram propostas solenemente apresentadas e subscritas por João Lourenço.
Mas o MPLA está no poder desde 1975 e nos últimos 18 anos o país está em paz total, dirão os mais atentos e, por isso, cépticos. Mas o que é que isso interessa? Desta vez é que vai ser. O que realmente conta é continuar a ser dono do país. E disso o MPLA não abdica.
Os discursos de João Lourenço são (já foram mais, é verdade) marcados por uma insistente propaganda de combate à corrupção (onde Angola está no top mundial dos mais corruptos), que diz colocar em causa “a reputação” de Angola no plano internacional.
“Se tivermos a coragem, a determinação, de combatermos a impunidade, com certeza que conseguiremos combater a batalha da luta contra a corrupção”, apontou João Lourenço que, aliás, ainda não explicou (nem vai explicar) como é que era antes de ser eleito o 21º homem mais rico de Angola.
Reduzir a taxa de incidência da pobreza de 36% (segundo as deficientes contas do regime) para 25% da população, do índice de concentração da riqueza de 42,7 para 38, e “criar e implementar o Rendimento Social Mínimo para famílias em situação extrema de pobreza” são – repete João Lourenço – objectivos. Como é que isso se consegue? Ele não explica. Nem precisa de explicar. Aos escravos basta saber que “o MPLA é Angola e que Angola é o MPLA”.
“Erradicar a fome em Angola”, aumentar em cinco anos a esperança de vida à nascença, elevando-a para 65 anos, reduzir a taxa de mortalidade infantil (uma das maiores do mundo segundo organizações internacionais que não leram o manifesto do regime) de 44 para 35 por cada mil nados-vivos e de crianças menores de cinco anos de 68 para 50 por cada mil nados vivos, são outras metas do MPLA de João Lourenço.
Como vai fazer isso? Isso não interessa saber. Aliás, as promessas não carecem de justificação nem de explicações sobre a forma de serem cumpridas.
No plano económico, e com o país a tentar recuperar da crise financeira, económica e cambial que só atingiu os angolanos de segunda categoria, João Lourenço avisou que as empresas públicas deficitárias serão entregues à gestão privada, para que deixem de “sugar os recursos do erário público”.
Não fosse apenas mais um capítulo do anedotário do regime e, certamente, os angolanos até ficariam sensibilizados com essa de “sugar os recursos do erário público”. Por outras palavras, promete acabar com aquilo que, ao longo de quase 45 anos, foi a única estratégia do seu MPLA: “sugar os recursos do erário público”.
Entre os fundamentos macroeconómicos, o Presidente escolhido por José Eduardo dos Santos promete “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, assume o compromisso de atingir uma média de crescimento anual “não inferior a 3,1%” do Produto Interno Bruto (PIB), reduzir a taxa de inflação a um dígito ou duplicar a receita tributária não-petrolífera.
Tudo isto já não são bem promessas do MPLA de João Lourenço. São, antes, um atentado à inteligência dos angolanos e a passagem de um atestado de matumbez também às organizações internacionais que dão cobertura ao regime, mostrando que preferem trabalhar com um governo ditatorial do que com um sério e democrata.
Sobre a criação de 500 mil novos empregos em cinco anos, João Lourenço diz que será concretizada pela capacitação do empresariado privado, mas sem apresentar uma medida concreta. Ele bem perguntou aos seus assessores políticos, nomeadamente portugueses, como é que isso se alcançaria. Mas eles apenas responderam: “Não se preocupe, os escravos são matumbos”.
Hoje, no plano da transformação da economia, ainda e quase só assente nas exportações de petróleo, é definido pelo MPLA o objectivo de, em cinco anos, elevar a produção anual de cereais em Angola de dois milhões para cinco milhões de toneladas ou a de leguminosas para um milhão de toneladas anuais, “criando excedentes para a reserva alimentar nacional”, e reduzindo em 15% as importações de leite. O oásis está mesmo aí.
No sector da indústria extractiva, além da produção diamantífera, com a perspectiva de 13,8 milhões de quilates por ano, a presente legislatura, segundo o MPLA, ficará marcada pela estreia na extracção de ferro (1,7 milhões de toneladas/ano), de ouro (25,6 mil onças/ano) ou de fosfato (1,3 milhões de toneladas/ano).
Nos petróleos, o compromisso é de apostar no gás natural e na exploração do pré-sal, além de construir pelo menos uma nova refinaria, face às necessidades de produtos derivados, bem como reduzir em 15% a mão-de-obra especializada estrangeira e inserir 30% de novas empresas nacionais na indústria do crude angolano.
São ainda prometidas medidas que permitam, além da diversificação económica, colocar Angola pelo menos 12 lugares acima da actual classificação internacional no ambiente de negócios, para chegar ao 168.º lugar nesta lista do Banco Mundial.
Elevar a 95% a taxa de cobertura do ensino primário a crianças em idade escolar, a 60% no ensino secundário e de 200.000 para 300.000 o número de estudantes no ensino superior no país, são outra metas que o MPLA promete.
Até lá os angolanos continuarão a ser gerados com fome, a nascer com fome e a morrer pouco depois… com fome. E tudo isto acontece porque o Povo é teimoso e não segue com rigor as recomendações do MPLA de João Lourenço. Se o fizesse já teria aprendido, por exemplo, a viver sem comer.
Folha 8 com Lusa