A cesta(ria) básica da PGR

A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana anunciou hoje que está a “apurar dados para investigar” as denúncias sobre o actual director do gabinete de Presidente João Lourenço, Edeltrudes Costa, que terá sido beneficiado em contratos com o Estado.

“Nós estamos também a ver o que se passa para podermos esclarecer devidamente o que é que aconteceu, porque muitas vezes não basta denúncia pública, é necessário que esta denúncia venha acompanhada de mais alguns dados que nos permitam trabalhar com uma certa certeza, quando assim não é temos que ir atrás para podermos ver se de facto há ou não uma prática ilícita”, afirmou o PGR angolano, Hélder Pitta Gróz, questionado pela Lusa.

O caso que envolve o chefe do gabinete do Presidente de Angola, João Lourenço, foi noticiado por diversas vezes e por vários órgãos, mas – ao que parece – só em Setembro passado foi descoberto quando a estação televisiva portuguesa TVI deu a notícia e envolve a contratação de uma empresa de consultoria de Edeltrudes Costa num negócio que teria como objectivo a modernização dos aeroportos angolanos e terá rendido vários milhões de euros em contratos públicos, autorizados pelo chefe de Estado angolano.

Em Outubro passado, vários activistas em Angola saíram às ruas para “exigir” a demissão de Edeltrudes Costa exibindo cartazes com dizeres “Edeltrudes Fora”.

Hoje, em declarações aos jornalistas no final da apresentação da sua mensagem por ocasião da quadra festiva 2020, o general Hélder Pitta Gróz negou qualquer letargia nas investigações sobre o assunto, referindo que “não podemos dar resposta a tudo ao mesmo tempo”.

“As pessoas dizem muitas coisas, não podemos estar a trabalhar de acordo com aquilo que as pessoas dizem, temos de trabalhar de acordo com as nossas capacidades, de acordo com os meios técnicos e humanos que temos e, portanto, não podemos dar resposta à tudo ao mesmo tempo”, respondeu.

O Procurador-Geral da República negou igualmente a existência de processos selectivos (não se sabe o que para o PGR significa “selectivo”) no organismo que tutela, observando que “já houve uma diversidade de processos que foram instruídos e que estão em tribunal”.

O que existem são processos “mais facilmente instruídos que outros e, portanto, aqueles mais complexos levam mais tempo em relação aos menos complexos”, argumentou de forma, mais uma vez, brilhante e que terá chamuscado a lucidez e perspicácia de La Palice.

Segundo aquele magistrado do Ministério Público (MP), o processo que envolve os generais Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento “Dino”, cujas audições na PGR começaram, em Outubro passado, “continua em fase de instrução preparatória”.

Os dois generais, antigos altos funcionários da Presidência angolana de José Eduardo dos Santos, em que também pontificava o vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, João Lourenço, foram constituídos arguidos no âmbito de um processo relacionado com contratos entre o Estado angolano e a empresa China International Foud (CIF).

Anunciou igualmente que está já em fase de conclusão o processo que envolve a actual deputada do MPLA (partido no Poder há… 45 anos), Aldina da Lomba, pela sua gestão como antiga governadora da província de Cabinda.

Questionado sobre o andamento do processo do general Higino Carneiro, actual deputado do MPLA, sobre alegada “gestão danosa de bens públicos” enquanto governador da província de Luanda, o PGR assegurou que o mesmo “já está há bastante tempo em tribunal”, pelo que… “aguardamos que o tribunal se pronuncie em relação à data do julgamento”.

Em relação aos templos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em Angola, recentemente vandalizados, Hélder Pitta Gróz, reconheceu ser este um processo “um bocado mais complexo”, referindo, no entanto, que trabalhos estão em curso.

“É um caso específico, mas estamos a trabalhar nesses processos e vamos ver se conseguimos chegar ao fim o mais rapidamente possível”, rematou. Ainda bem que o general PGR esclareceu. É que todos esperavam que a investigação chegasse ao princípio…

O PGR anunciou também que o Estado (MPLA) recuperou, definitivamente, em dinheiro e bens num total de cerca de 5,3 mil milhões de dólares (4,3 mil milhões de euros) e que existem 1.522 processos relacionados com a criminalidade económica

O general Hélder Pitta Gróz explicou que entre os bens recuperados, estimados em 2,6 mil milhões de dólares (2,1 mil milhões de euros), estão imóveis habitacionais, escritórios, edifícios, fábricas, terminais portuários, participações sociais em empresas, entre outros.

Segundo o PGR, no plano do “combate à impunidade”, foram abertas milhares de acções em todo o país, nas mais diversas jurisdições e áreas de actuação do Ministério Público, destacando-se 1.522 processos relacionados com a criminalidade económico-financeira e patrimonial.

Entre os processos relacionados com crimes de natureza económico-financeira destacam-se os de peculato, branqueamento de capitais, recebimento indevido de vantagens, participação económica em negócio, corrupção activa e passiva e burla por defraudação. Em síntese, crimes que constituem o ADN do MPLA.

O magistrado do MP anunciou também que foram apreendidos e/ou arrestados bens móveis e imóveis, constituídos com fundos públicos ou com vantagens do crime, no valor equivalente a cerca de 4,2 mil milhões de dólares (3,4 milhões de dólares) tais como fábricas, supermercados, edifícios, imóveis, residências, hotéis, entre outras.

Hélder Pitta Gróz deu conta igualmente que o Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SNRA) da PGR solicitou às suas congéneres no exterior do país a apreensão e/ou arresto de bens e dinheiro no valor de 5,4 mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros), nomeadamente na Suíça, Holanda, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido, Singapura, Bermudas, entre outros países.

“Tendo como objectivo o reforço da capacidade técnica dos magistrados do Ministério Público, foi elaborado um Manual de Boas Práticas para Magistrados do Ministério Público na Instrução Preparatória, que está em fase de adaptação aos novos códigos penal e do processo penal”, disse.

No domínio da gestão dos recursos humanos da PGR, referiu que o órgão registou um considerável aumento de magistradas na direcção de órgãos provinciais, sendo que actualmente cinco órgãos provinciais e seis da direcção central são dirigidas por mulheres.

Pelo menos 70 auditores de justiça terminaram este ano a sua formação curricular e estádio no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) angolano e aguardam pelas nomeações como magistrados do MP e que “deverão mitigar a carência de recursos humanos”.

No balanço das actividades realizadas em 2020, o general Hélder Pitta Gróz adiantou que cerca de 672 funcionários, técnicos de justiça, da PGR beneficiaram de actualizações das respectivas categorias, fruto de um “trabalho aturado” com os órgãos competentes.

Para 2021, a instituição espera concluir o concurso para a nomeação de 12 novos procuradores-gerais adjuntos da República para “melhor responderem às exigências laborais ao nível superior”.

O PGR prometeu reforçar o intercâmbio e a cooperação com os órgãos de soberania e com instituições estrangeiras congéneres: “num mundo cada vez mais complexo e globalizado, não lograremos sucessos se a nossa actuação for isolada”.

Neste sentido, acrescentou, foram remetidas 16 cartas rogatórias a países como Estados Unidos da América, Portugal, Reino Unido, Espanha, África do Sul e Namíbia, “sendo que sete já foram cumpridas”.

“Recebemos para tratamento 82 pedidos rogatórios de Portugal, Brasil e Namíbia. A Procuradoria-Geral da República angolana já cumpriu e devolveu 11 cartas rogatórias”, frisou.

Hélder Pitta Gróz pediu ainda o reforço de meios materiais, técnicos, equipamentos, instalações e recursos humanos “para melhorar a sua eficácia e garantir excelência da sua prestação de serviço à sociedade”.

Recorde-se que o general Hélder Pitta Gróz, na sua qualidade de Procurador-Geral da República, afirmou no passado dia 16 de Novembro de 2018 que a falta de verbas estava a condicionar a cooperação internacional e o cumprimento de diligências como cartas rogatórias.

Hélder Pitta Gróz falava nesse dia na Assembleia Nacional do MPLA num encontro entre as primeira e décima Comissões de Trabalho Especializadas e representantes do Tribunal Supremo, Tribunal de Contas, Tribunal Constitucional, Tribunal Supremo Militar e o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, no âmbito da (suposta) apreciação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2019.

Segundo o PGR, “os novos ventos, que este ano surgiram”, levaram a Procuradoria a realizar actividades inéditas que tiveram de ser feitas “com ou sem recursos”. É obra, reconheça-se. Fazer “actividades inéditas” e ainda por cima “sem recursos” não é para qualquer um. Bravo, general Hélder Pitta Gróz.

“Não deixamos de fazer o nosso trabalho porque não tínhamos recursos”, disse Hélder Pitta Gróz, para enumerar as dificuldades por que passam para a execução das actividades.

“Temos outros técnicos que trabalham connosco, trabalham um, dois meses, a ordem de saque não é paga e ele vai embora, porque diz que não está para trabalhar de borla”, disse o PGR. Então como é senhor Presidente da República? Então como é senhor Titular do Poder Executivo? Então como é senhor Presidente do MPLA? Assim não vale! Trabalho escravo, só mesmo para os angolanos de segunda.

A situação repete-se com “os próprios investigadores, os magistrados”, apontou Hélder Pitta Gróz: “Eles trabalham o dia inteiro, de manhã até à noite, e têm de tirar do seu bolso, precisam de comer, de fazer telefonemas, têm de pagar o seu saldo, têm de tirar fotocópias e utilizam o seu dinheiro para isso. Portanto, temos de saber bem aquilo que a gente quer. Temos não só de combater os crimes, como também de fazer a prevenção, e a prevenção também custa dinheiro”.

A PGR conta também com a cooperação internacional, que tem sido fundamental, segundo o magistrado, tendo exemplificado que, em 2017, registaram um total de 124 cartas rogatórias nos dois sentidos – recebidas e enviadas.

“Até Setembro deste ano (2018), já estamos em 300, e isso também é dinheiro, porque as cartas rogatórias têm de ter tradução, de ter fotocópias. Muitas vezes temos de buscar especialistas para nos ajudarem, porque não podemos ver a cooperação judiciária só num sentido, dos outros para connosco. Nós também temos de dar alguma coisa e sentimos isso, às vezes, quando temos contactos com algumas entidades no exterior, em que nós procuramos informação”, referiu.

“Eles perguntam: ‘e vocês o que têm?’ A cooperação judicial não é só ir buscar, tem de se receber e ir buscar e quanto mais se dá, mais se recebe. Se não se dá nada, não se recebe nada e isso é dinheiro”, frisou.

“Temos consciência de que o dinheiro é pouco, mas, se trabalharmos em conjunto com o Ministério das Finanças, podemos ver a melhor forma de gastarmos o pouco que existe. Agora, quando apresentamos uma proposta e depois recebemos a contraproposta, sem termos sido ouvidos, da forma como é feita, dificulta um bocado todo o exercício que se queira fazer”, lamentou.

Folha 8 com Lusa

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