A maioria dos países do mundo é incapaz de controlar e lutar contra a corrupção, o que está a contribuir para “uma crise da democracia à escala mundial.” A conclusão consta na edição de 2018 do Índice de Percepções de Corrupção (IPC), elaborado pela organização não-governamental Transparency Internacional (TI). Depois de ter deixado de ser o pior país na Lusofonia (é agora a Guiné-Bissau), Angola voltou a melhorar duas posições neste estudo (165.º), ainda que a pontuação seja a mesma (IPC 19).
Em sentido inverso, Moçambique vê nesta última edição o “score” degradar-se de 25 para 23, conduzindo à perda relativa de cinco posições, para o 158.º posto. Cabo Verde (45.º) continua a ser o mais bem posicionado, mas o grande destaque vai para a queda de dois pontos e nove posições (para 105.º) do Brasil.
A TI expõe uma “relação directa” entre a corrupção e s saúde (ou falta dela) democrática mundial, apontando, entre outros exemplos, os casos concretos da Hungria e da Turquia. Destaca igualmente o papel do populismo nesta equação e alerta para a necessidade de acompanhar atentamente os casos dos Estados Unidos e do Brasil.
“A nossa investigação estabelece uma ligação muito clara entre o facto de ter uma democracia saudável e o sucesso na luta contra a corrupção no sector público”, assinala a presidente da Transparency Internacional, Delia Ferreira Rubio.
“A corrupção é muito mais provável de ocorrer quando a democracia é construída sobre alicerces frágeis e, como temos visto em muitos países, quando os políticos antidemocráticos e populistas têm a oportunidade de usá-la em seu benefício”, frisa a representante da organização não-governamental com sede em Berlim que está ligada à luta contra a corrupção há mais de duas décadas.
O índice IPC, que avalia 180 países e territórios a partir das percepções de especialistas externos e de organizações internacionais, num total de 13 fontes, usa uma escala de zero a 100 pontos, em que zero significa “corrupção elevada” e 100 “transparência elevada”.
Mais de dois terços dos países analisados em 2018 têm uma pontuação abaixo de 50, com uma média global de 43. Nenhum dos países em análise atinge a pontuação máxima.
Numa análise cruzada do IPC com dados relacionados com a democracia, a Transparency Internacional aponta que desde 2006, 113 países têm vindo a presenciar um declínio na sua “cotação democrática”. E “quando se fala em democracia”, frisa a organização, estão a ser considerados parâmetros como a realização de eleições livres e justas, a existência de instituições fortes e independentes e de direitos civis e políticos.
Na edição de 2018 do IPC, as democracias caracterizadas como “plenas” obtêm, em média, 75 pontos no índice, e as classificadas como “frágeis” apresentam uma média de 49 pontos.
Os regimes identificados como “autocráticos” são aqueles que obtêm piores resultados, com uma média de 30 pontos, enquanto os chamados “regimes híbridos”, que apresentam alguns elementos típicos de sistemas autocráticos, registam, em média, 35 pontos.
Para ilustrar esta relação entre a democracia e a corrupção, a Transparency Internacional aponta os casos da Hungria e da Turquia, que perderam oito e nove pontos, respectivamente, no IPC nos últimos cinco anos.
“Durante este período, a Turquia perdeu a denominação de ‘parcialmente livre’ e passou para a categoria ‘ausência de liberdade’, enquanto a Hungria registou a pontuação mais baixa na área relacionada com os direitos políticos desde a queda do regime comunista em 1989” neste país da Europa Central, indica o estudo.
Para a Transparency Internacional, estes resultados “reflectem a deterioração do Estado de Direito e das instituições democráticas nos dois países, e também a rápida erosão do espaço da sociedade civil e dos órgãos de comunicação social independentes”.
“Em termos mais gerais, pode-se afirmar que os países com maior índice de corrupção podem ser lugares perigosos para os opositores políticos. Praticamente todos os países cujos governos ordenam ou toleram assassínios políticos encontram-se entre os Estados classificados no IPC como altamente corruptos”, salienta o documento.
No capítulo do populismo, a análise da Transparency Internacional aponta que os líderes políticos associados a esta corrente “têm vindo a ganhar poder e a minar a democracia” e que “altas taxas de corrupção podem contribuir para aumentar o apoio a candidatos populistas”.
Também realça, que 40% dos líderes classificados como populistas estão igualmente indiciados por actos de corrupção. Ainda neste capítulo, o relatório diz que é necessário observar, entre outros exemplos, dois casos: Estados Unidos e Brasil.
Com uma pontuação de 71 pontos, os Estados Unidos desceram quatro pontos em relação ao índice de 2017 e atingiram o seu nível mínimo (neste estudo) dos últimos sete anos. O ano de 2018 também fica marcado por ser a primeira vez, desde 2011, que os Estados Unidos deixam o grupo dos 20 países líderes do IPC.
“Esta diminuição ocorre num contexto em que os Estados Unidos vêem ameaçado o seu sistema de ‘checks and balances’ [pesos e contrapesos], além de sofrer uma erosão dos padrões éticos nos seus mais altos níveis de poder”, argumenta a organização não-governamental.
Sobre o Brasil, a Transparency Internacional refere que o país governado desde o início do ano por Jair Bolsonaro perdeu dois pontos em comparação com o ano anterior, apresentando 35 pontos. É a pontuação mais baixa do país no IPC em sete anos.
“Juntamente com as promessas de acabar com a corrupção, o novo Presidente deixou claro que vai governar com mão firme, o que representa uma ameaça a muitos dos marcos democráticos que o país alcançou”, aponta o documento.
De forma a alcançar “um progresso real na luta contra a corrupção” e conseguir “fortalecer a democracia” à escala global, a Transparency International exorta os governos a tomarem uma série de medidas, como reduzir a lacuna entre a legislação existente contra a corrupção e a sua aplicação efectiva e fortalecer as instituições responsáveis por manter o controlo e o equilíbrio sobre o poder político.
“A corrupção mina a democracia e gera um círculo vicioso que provoca a deterioração das instituições democráticas, que progressivamente perdem a sua capacidade de controlar a corrupção”, conclui a directora-executiva da Transparency Internacional, Patrícia Moreira.
Folha 8 com Lusa
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