O MPLA, e muito bem, prestou homenagem às milhares de vítimas dos massacres coloniais na Baixa de Cassange. A CASA-CE defende, e muito bem, que o 4 de Janeiro deve ser elevado à categoria de feriado Nacional. Pelos vistos, nestes partidos (e também nos outros) o calendário oficial tem o mês de Maio mas não tem o dia 27…
Por Orlando Castro
A independência foi há 43 anos. Os presidentes de Angola, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço nunca foram nominalmente eleitos. Angola é hoje um dos países mais corruptos do mundo. Angola é hoje o país do mundo com um dos maiores índices de mortalidade infantil, para além de ter 20 milhões de pobres.
Apesar disto tudo, o MPLA defende, com toda a propriedade e legitimidade que se lhe reconhece, que “não pode ser tolerado o ressurgimento dos golpes de estado em África”.
Tem toda a razão. Aliás, a democraticidade e legitimidade do regime são prova disso. Como bem estabelecem os donos do mundo, há ditadores bons e maus. Daí que só os maus devam ser derrubados. Não é, obviamente e por enquanto, o caso de Angola.
Em 9 de Maio de 2008 já o chefe de Estado angolano, presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, lançava um desafio para combater a corrupção e o tráfico de influências, que “atentam contra os interesses nacionais”. Há mais de um ano João Lourenço reeditou a mesma tese. Finalmente os resultados começam a aparecer. Angola continua nos primeiros lugares do ranking mundial dos países mais corruptos.
Afinal, estando o MPLA no poder há 43 anos, o que andou a fazer? Andou, com elevado sucesso, a blindar e a incentivar a… corrupção.
Com este nobre enquadramento, não se percebe por que é que os angolanos gostam de atazanar a vida do mais democrático país do mundo. É claro que, perante tão injusto e irreal motivo, tal como Dos Santos, também João Lourenço e os seus “rescovas” de estimação ficam chateado e mandam prender uns tantos, dar porrada em mais alguns e fazer desaparecer muitos outros (“Operação Resgate”). Estávamos à espera de quê?
As forças do mal, teimam em dizer que no reino há 20 milhões de pobres. Mas alguém acredita nisso?
Quando Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço nasceram já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, e no campo, nas áreas rurais. É verdade. E 43 anos de independência não chagam para resolver esta questão…
No tempo de Eduardo dos Santos o MPLA dizia que, no quadro do Programa de Luta contra a Pobreza, a pobreza deixaria de existir dentro de alguns anos. Mais uma vez, como agora demonstra João Lourenço, o MPLA tem razão. Aliás, se se excluir dos cálculos da pobreza todos os que são… pobres, pode já anunciar-se o fim da pobreza.
Presidente, tenha vergonha!
De há muito que o Boletim Oficial do regime garante que o MPLA “reafirma o seu propósito de materializar o estabelecido nos instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, aplicáveis à protecção e à promoção dos direitos inalienáveis da pessoa humana e da criança em particular”.
Como anedota até não está mal. Mas a questão das nossas crianças não se coaduna com os histriónicos delírios de um regime esclavagista que as trata como coisas.
Numa (das muitas) declaração a propósito do Dia Internacional da Criança, o MPLA sublinhou que, na qualidade de signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, Angola adoptou e incorporou na legislação nacional os princípios estabelecidos naquele instrumento jurídico internacional, no que diz respeito à garantia da sobrevivência e ao bem-estar das crianças. Assinar convenções, o governo assina sempre. Cumpri-las é que é uma chatice.
Muito gosta o MPLA/Estado de gozar com a nossa chipala, fazendo de todos nós um bando de malfeitores matumbos. Como se não soubéssemos que as nossas crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com… fome.
Tal como o anterior, o actual Presidente da República assume o seu papel de autocrata e dá lições (aos angolanos) daquilo que desconhece: ética, democracia, verdade, moral, liberdade etc..
Nas suas reuniões, o MPLA diz que os angolanos não devem ser expostos a situações dramáticas idênticas à do 27 de Maio de 1977, onde o partido foi parte activa e única no assassinato de milhares e milhares de militantes do MPLA, entre os quais Nito Alves, supostamente por tentar um golpe de Estado.
“Não se deve permitir que o povo angolano seja submetido a mais uma situação dramática, como a que viveu em 27 de Maio de 1977, por causa de um golpe de Estado”, afirmava José Eduardo dos Santos, reitera João Lourenço.
Como Eduardo dos Santos não era e João Lourenço não é, embora julguem ser, donos da verdade, falemos sempre que necessário desse 27 de Maio de 1977. E todos os dias são bons dias para ter memória.
Os acontecimentos de 27 de Maio de 1977, que provocaram – repita-se – muitos milhares de mortos, foram o resultado de um “contra-golpe” que foi pacientemente planeado, tendo como responsável máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder. Tal como agora acontece com José Eduardo dos Santos que até vislumbra na sua sombra um golpe de Estado.
Nessa altura, Nito Alves, então ministro da Administração Interna sob a presidência de Agostinho Neto, liderou uma manifestação para protestar contra o rumo que o MPLA estava a tomar. Tal como hoje fazem muitos angolanos descontentes com o rumo que o MPLA está a dar ao país.
E isso era inaceitável pelos ortodoxos que, por interesses pessoais, blindavam o presidente. Exactamente o que hoje se passa. Com o fantasma do Congresso, previsto para o final desse ano, urgia calar os nitistas pois, se o não fizessem, poderiam ver os congressistas renderem-se a Nito Alves. Tudo leva a crer que Neto temia mesmo perder o poder e, por isso, engendrou a tramóia.
Perante a blindagem que ainda hoje o regime faz ao que se passou (“excessos”, chama-lhe o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz), situação que impede consulta de documentos e que atemoriza muitos dos intervenientes cujo testemunho é imprescindível para um conhecimento que chegue perto da verdade.
Na versão oficial, através de uma declaração do Bureau Político do MPLA, divulgada a 12 de Julho de 1977, o 27 de Maio foi uma “tentativa de golpe de Estado” por parte de “fraccionistas” do movimento, cujos principais “cérebros” foram Nito Alves e José Van-Dunem, versão que seria alterada mais tarde para “acontecimentos do 27 de Maio”.
Nito Alves e José Van-Dúnem tinham sido formalmente acusados de fraccionismo em Outubro de 1976. Os visados propuseram a criação de uma comissão de inquérito, que foi liderada por José Eduardo dos Santos, para averiguar se havia ou não fraccionismo no seio do partido. As conclusões nunca chegaram a ser divulgadas publicamente mas, segundo alguns sobreviventes, revelariam que não existia fraccionismo no seio do MPLA.
Consta que o próprio José Eduardo dos Santos, tal como o então primeiro-ministro, Lopo do Nascimento, seriam alvos a abater pela cúpula do MPLA. Ao actual Presidente terá valido a intervenção do comissário provincial do Lubango, Belarmino Van-Dúnem.
Os apoiantes de Nito Alves consideravam que o golpe já estava a ser feito por uma ala maoísta do partido, liderada pelo secretário administrativo do movimento, Lúcio Lara, que terá instrumentalizado os principais centros de decisão do partido e os média, em especial o Jornal de Angola, pelo que consideraram que a manifestação convocada por Nito Alves foi “um contra-golpe”.
Em relação aos mortos, os números variam segundo as fontes. Terão sido mais de 15 mil e menos de 100 mil. É claro que, como continua a ser prática, nessa altura os ditos fraccionistas sofreram horrores terríveis, desde prisões arbitrárias, a tortura, condenações sem julgamento ou execuções sumárias.
O apontado líder do alegado golpe de Estado terá sido fuzilado, mas o seu corpo nunca foi encontrado, tal como o dos seus mais directos apoiantes como José Van-Dúnem e Sita Valles, que foi dirigente da UEC, ligada ao Partido Comunista Português, do qual se desvinculou mais tarde, e foi expulsa do MPLA.
Em Abril de 1992, o governo reconheceu que foram “julgados, condenados e executados” os principais “mentores e autores da intentona fraccionista”, que classificou como “uma acção militar de grande envergadura” que tinha por objectivo “a tomada do poder pela força e a destituição do presidente Agostinho Neto”.
Moralmente, pelo menos, o principal responsável foi Agostinho Neto que, assessorado por alguns dos mais radicais membros do MPLA, não se preocupou em apurar a verdade, dispensou os tribunais, admitiu que fizessem justiça por suas próprias mãos.
Relatos dispersos dizem que o Presidente Agostinho Neto foi, antes de tudo, chefe duma facção e não o árbitro, o unificador, estando completamente dominado pela arrogância, inflexibilidade e cegueira.
Certo é, contudo, que Angola perdeu muitos dos seus melhores quadros: combatentes experimentados em mil batalhas, mulheres combativas, jovens militantes, intelectuais e estudantes universitários. Dessa forma o MPLA decapitou os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário e mais fraterno para os angolanos.