O ex-director da Unidade Técnica de Investimento Privado (UTIP), Norberto Garcia, denunciou hoje, em tribunal, a venda por 220 a 440 mil euros, do certificado que oficializa a actividade dos investidores estrangeiros em Angola.
A Norberto Garcia, que está a ser julgado em Luanda no caso conhecido por “Burla Tailandesa”, no qual supostamente o Estado angolano seria lesado em 50 mil milhões de dólares (44,3 mil milhões de euros), o tribunal deu hoje, nas alegações finais orais, a última oportunidade para se defender.
Norberto Garcia, antigo secretário para Informação do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, encontra-se em prisão domiciliária desde Setembro de 2018, tendo hoje o Ministério Público e a defesa pedido a sua absolvição para os crimes de que vinha acusado – associação criminosa, tráfico de influência e promoção e auxílio à entrada ilegal.
Segundo o antigo director da UTIP, cargo que exerceu durante dois anos e quatro meses, quando chegou àquela instituição, nomeado pelo então Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, para acabar com os “elevados índices de corrupção, o Certificado de Registo de Investimento Privado (CRIP) era vendido entre os 250 e 500 mil dólares (220 a 440 mil euros).
“Quando eu fui chamado para ir para a UTIP, o Presidente fez-me um pedido especial e disse isso o que eu vou dizer aqui: ‘Eu já não sei em quem confiar. Tenho muito boa informação a teu respeito, embora sempre que eu o chame, não sei porquê, mas nunca me trazem aqui, o seu nome é sempre riscado da lista'”, contou.
Ao pedido do então Presidente, Norberto Garcia, 52 anos, jurista, respondeu que preferia os cargos privados aos cargos da função pública, por estes serem “complicados”.
“Mas ele [José Eduardo dos Santos] insistiu e disse que eu tinha de eliminar uma coisa que estava a acontecer no investimento privado, que havia muita corrupção e que os investidores não vinham para Angola porque lamentavam os índices de corrupção e perguntou-me: ‘és capaz de resolver esse assunto?'”, contou Norberto Garcia.
“Se há coisa que eu detesto na minha vida é uma coisa que se chama corrupção, ‘gasosa’ (suborno) ou ‘micha’ (comissão). Eu não sou mesmo disso e se nesta sala tiver alguém, ainda hoje, que souber e que me diga: Norberto Garcia foi corrompido, por favor, peço que venha dizer, porque eu não tenho nada a ver com esse tipo de coisas, pelo contrário”, reforçou.
Norberto Garcia contou que quando entrou para a UTIP “a maior parte da muita gente que lá funcionava exigia fazer parte das sociedades”.
“Eu quando entrei para o investimento privado, um CRIP custava 250 mil a 500 mil dólares, vendia-se CRIP’s no país”, denunciou, descartando a sua participação em qualquer um dos 65 projectos que aprovou durante a sua vigência, num total de 24,4 mil milhões de dólares (21,6 mil milhões de euros).
Para alterar o quadro que encontrou, o ex-director a UTIP disse que foi buscar a experiência de outros países, nomeadamente a Singapura, pagando bons salários aos funcionários, valorizando o capital humano e fazendo com que o funcionário se sentisse valorizado.
“Nos dois anos e quatro meses que Norberto Garcia ficou à frente da UTIP nunca houve um caso de corrupção”, afirmou, perante o tribunal.
“Sinto-me completamente inocente, sou uma pessoa dedicada à causa do país, não estou chateado com ninguém. Temos que ajudar o país a crescer e errar é humano. Se a minha prisão servir pelo menos para melhorarmos alguma coisa, então vamos melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, disse no final, aludindo ao lema eleitoral do seu partido.
Boas intenções, ingenuidade ou estratégia?
No dia 21 de Dezembro de 2017, o então Secretário para a Informação e Propaganda do Bureau Político do MPLA rejeitou a existência de divisões no partido que “cada vez mais se democratiza”, com o “sentido da crítica e autocrítica”.
Uns de forma mais efusiva, outros baixinho, todos se riram. E não era para menos. Quando todos pensávamos que o MPLA era o paradigma da democracia, eis que a sua estrutura de propaganda nos vem dizer que, afinal, ele “cada vez mais se democratiza”, com o “sentido da crítica e autocrítica”.
“Eu entendo que está a confundir-se algum aspecto que se quer chamar divisionismo com a crítica. Não! Nós entendemos que a crítica deve existir, quem não concorda deve criticar e quando é necessário submeter à consideração de todos a votação é a melhor via, o melhor meio, para desempatar aquilo que efectivamente não está concordante”, disse Norberto Garcia.
Será que esta piada (“a crítica deve existir”, “quem não concorda deve criticar”) se candidatou ao anedotário nacional de 2017 ou, eventualmente, ao de 2018? É que ao de 2019 já não vai a tempo.
O dirigente do MPLA, na altura recentemente eleito para o cargo em substituição de Mário António, falava em conferência de imprensa realizada na sede do partido, no âmbito da sua estratégia de maior comunicação com a sociedade.
A dita maior comunicação com a sociedade, para a qual se esteve nas tintas durante mais de 42 anos, mais não era do que uma forma de responder, taco a taco, à propaganda do Governo do seu então vice-presidente, João Lourenço, que por sinal a faz à revelia do partido e amesquinhando o presidente, José Eduardo dos Santos.
Norberto Garcia sublinhou que o MPLA, liderado por José Eduardo dos Santos, ex-Presidente da República de Angola, “sempre foi um partido uno e indivisível do ponto de vista do formato como apresenta os seus assuntos”.
“No MPLA quando há alguma opinião divergente, as opiniões e as propostas são submetidas a um sistema democrático, que se sujeitam a uma votação e é assim na democracia, o MPLA é um partido que cada vez mais se democratiza e cada vez mais tem o sentido da crítica e autocrítica”, corroborou Norberto Garcia, esquecendo-se que os angolanos podem ser pobres (e temos 20 milhões graças ao MPLA) mas não são matumbos.
Norberto disse que o partido apoia “de modo incondicional” o actual Presidente de Angola, João Lourenço, que na altura era ainda vice-presidente do MPLA, desvalorizando as informações nos últimos tempos de divisões no seio do partido.
Das duas uma. Ou o MPLA de José Eduardo dos Santos é um outro partido, ou sendo o mesmo não pode apoiar “de modo incondicional” o desempenho de João Lourenço, se acaso os seus membros ainda gozarem de todas as faculdades mentais. Serão todos masoquistas? Se calhar é isso. Ou, em alternativa, estão a preparar a cama ao actual presidente… da República.
Norberto Garcia realçou que o apoio ao Presidente da República consta da estratégia do líder do partido, José Eduardo dos Santos, que considera, entre outras questões, “esta matéria importante”. Traduzindo: Eduardo dos Santos deve ter afirmado qualquer coisa do tipo “quanto mais me bates mais eu gosto de ti”. Ou, pelo contrário, será mais algo do género: “vais levar poucas…”?
“E é também importante o combate à corrupção, ao nepotismo, embora em sede desta matéria tenhamos que esclarecer o seguinte: às vezes há alguma discussão mal discutida – passe o pleonasmo – que dá conta de que basta ser parente para ser nepotismo, não é assim, o elemento diferenciador chama-se qualificação”, referiu Norberto Garcia.
Em bom português, que muitas vezes não coincide com o “mplaês”, nepotismo apenas e só significa: “Favoritismo excessivo dado a parentes ou amigos por pessoa bem colocada”. Por outras palavras também se pode dizer que à mulher de César não basta ser séria…
Norberto Garcia argumentou ainda que “a qualificação do indivíduo é o elemento essencial diferenciador para dar nota que se está em presença de uma situação nepótica ou não”. Como a palavra “nepótica” não existe no léxico português, aguardemos pelo primeira edição do dicionário “mplaês”/português que o MPLA prevê lançar em breve.
O então secretário para a Informação e Propaganda do MPLA considerou que os processos de transição “obedecem a uma dinâmica e a um formato e têm a ver muito com aquilo que vão sendo exactamente a acção de todos”. Tradução: para o partido tanto faz o corredor de fundo como o fundo do corredor, tanto faz a estrada da Beira como a beira da estrada.
“Todos nós estamos num processo de mudança e processos de mudança são perfeitamente normais, temos de nos habituar a estes. Nós, MPLA, sabemos que, desse ponto de vista, é uma experiência nova, nós não temos nenhum receio de a fazer, aliás é preciso dar bem nota disso, que o MPLA até agora está a ser um exemplo africano, mundial”, disse Norberto Garcia.
Norberto Garcia tem razão. O MPLA é um exemplo para as mais evoluídas democracias do mundo, começando na Coreia do Norte e terminando na Guiné Equatorial. Daí ser, citemos, “um exemplo africano, mundial”.
Folha 8 com Lusa
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