O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INADEC) angolano admitiu hoje que continua “preocupante” a situação do aumento de preços, que se verifica no país desde a aplicação do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), no princípio do mês. Como o Governo garante que isso não é possível, não será oportuno o Presidente da República exonerar o Titular do Poder Executivo?
De acordo com o chefe de departamento de apoio ao consumidor e de resolução de litígios, Wuassamba Neto, de 1 a 25 deste mês, o instituto recebeu 1.155 denúncias de actos especulativos, e realizaram 537 visitas de constatação, tendo sido registadas 196 infracções.
Wuassamba Neto avançou que foram elaboradas 201 notificações e emitiu 49 mandatos de multas, tendo realizado 281 aconselhamentos em todo o país sobre o IVA.
O IVA entrou em vigor em Angola no passado dia 1 de Outubro e neste primeiro mês de implementação são várias as reclamações e preocupação manifestadas pelos cidadãos, em relação ao aumento de preços, incluindo os produtos da cesta básica, isentos do imposto.
O responsável frisou que nas suas acções de inspecção, quando verificada alguma violação, os prevaricadores são susceptíveis à aplicação de multas.
Segundo Wuassamba Neto, todos os preços vigiados, como é o caso da cesta básica, para a sua alteração carecem de autorização da Autoridade de Concorrência e Preços do Ministério das Finanças.
“As reclamações que vão surgindo ao nível da comunicação social e de outros órgãos e dos trabalhos que vamos fazendo conseguimos sentir da parte dos consumidores um certo clamor, em função da alteração dos preços, mas as infracções não vão acabar hoje, vão continuar todos os dias, porque os comerciantes em si visam primeiro a obtenção de lucros”, reconheceu.
O chefe de departamento de apoio ao consumidor e de resolução de litígios do INADEC salientou que “a situação está preocupante”, mas aquele órgão de defesa dos consumidores angolanos “continua a trabalhar”.
Apesar da existência de agentes económicos infractores, o INADEC constatou nas suas acções de inspecção que “há muitos comerciantes que têm cumprido os pressupostos legais para alteração de preços”.
Angola passou assim, desde 1 de Outubro, a figurar da lista de países da região da SADC que cobram o Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) que substituiu o Imposto de Consumo. O IVA, que incide sobre bens e serviços produzidos internamente ou importados, terá taxa única de 14%.
Recorde-se que o ex-ministro das Finanças, Archer Mangueira, reiterou no dia 15 de Julho, em Luanda, que a implementação do IVA não iria influenciar o aumento de preços. Pois!
“Não estamos a dizer que o IVA não vai aumentar alguns preços”, afirmou, por sua vez, um administrador da AGT – Administração Geral Tributária. Pois.
Archer Mangueira respondia a uma das principais preocupações levantadas por deputados na sessão plenária da Assembleia Nacional que nesse dia aprovou, na generalidade, a Proposta de Lei que alterou o Código do IVA.
A proposta legislativa foi aprovada com 116 votos a favor, dos donos do reino (o MPLA) e dos seus sipaios da CASA-CE, 37 contra, da espécie de oposição formada pela UNITA, para além de dez abstenções dos que querem ser sipaios, PRS, FNLA e deputados independentes da CASA-CE.
Com relação ao receio de que a implementação do IVA fosse influenciar um aumento de preços, Archer Mangueira afastou essa possibilidade.
“O IVA não vai resultar num aumento generalizado de preço, o IVA vem substituir um imposto de consumo, este sim é um imposto sobre imposto. Com o imposto de consumo tributamos na tributação, tributamos na comercialização, é o chamado imposto em cascata, que vai ser eliminado com o de taxa única. O imposto de consumo vai de 5% a 30%, quando o IVA é uma taxa única de 14%”, explicou.
Todos perceberam dada a reconhecida eloquência e sagacidade de Archer Mangueia, da qual já temos – isto é como quem diz! – saudades. Então a frase “… tributamos na tributação, tributamos ma comercialização” foi digna de registo.
O governante realçou também, que do conjunto de 190 países do mundo, 160 tem IVA e na África Austral Angola era o único país sem este imposto.
“A vizinha República Democrática do Congo, que tem uma economia informal muito superior à nossa, tem o IVA numa taxa de 16%, portanto, são dados que não devem ser ignorados quando fazemos afirmações em relação a algum receio para implementação do IVA em Angola”, frisou.
“O que acontece em todos os países que implementam o IVA, Angola não é excepção, é que os ajustes à legislação do IVA são frequentes, nós aproveitamos introduzir mais alterações, além da data da sua implementação”, acrescentou, salientando que pode vir ser necessário outros ajustes mesmo depois de implementado.
Relativamente à reclamação sobre o peso fiscal, o ministro disse que na economia angolana a receita fiscal representa apenas 6% do Produto Interno Bruto (PIB), quando a média africana é 15%.
“Alguns de vocês têm conhecimento dos números das economias dos outros países africanos, estamos muito abaixo da média africana, para não referir alguns países que têm um PIB muito menor que o nosso e que têm um da receita fiscal muito maior que a nossa”, salientou.
É claro que Archer Mangueira, e com ele o próprio Titular do Poder Executivo (João Lourenço), está a mentir. Vejamos o que diz a consultora Economist Intelligence Unit (EIU) que reconhecidamente não formou os seus analistas na escola do MPLA. A EIU considera que a introdução do IVA em Angola vai aumentar os preços finais no consumidor e que isso constitui “um grande desafio” para empresas e Governo.
“O IVA será um grande desafio quer para as empresas, quer para o Governo em termos de papelada e de processos”, escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista britânica ‘The Economist’.
Num comentário sobre o novo imposto, enviado aos seus clientes, a EIU lembrava que este imposto junta-se ao Imposto Especial de Consumo (IEC), aumentando em 2% a 16% os preços de produtos como o tabaco, álcool e jóias, e escreveu que “a introdução do IVA e do IEC vai levar a um aumento dos preços”.
No comentário à introdução do IVA, a EIU escreveu que “aumentar as receitas vai ajudar Angola a reduzir a escassez de receitas petrolíferas e reduzir o custo de servir a dívida”, mas, alertaram os economistas, “subir os custos para as pessoas e para as empresas numa altura de baixo crescimento económico não será popular nem para a elite governante nem para a população”.
Por sua vez, o administrador da AGT, José Leiria, referiu que as inquietações da sociedade em torno da implementação do IVA, “são legítimas por ser um imposto novo”, mas, observou, o mesmo “não vai aumentar a generalidade dos preços no mercado”. Generalidade é sinónimo de totalidade?
Para o responsável, a preocupação segundo a qual o IVA vai aumentar a generalidade dos preços “não deve ser vista como de todo certa, o que não estamos a dizer que o IVA não vai aumentar alguns preços”.
“O que estamos a dizer, é que, como o IVA vai substituir um imposto que tinha as suas especificações, obviamente, que esse imposto, que é o IVA, o mais justo que o imposto de consumo, trará novas especificações”, explicou.
Falando aos jornalistas à margem de uma palestra sobre os Direitos e Obrigações do IVA aos grandes contribuintes, que decorreu em Luanda, referiu, no entanto, que existem sectores que vão fazer com que os contribuintes tenham menor carga fiscal”.
“Por exemplo, na aquisição de viaturas para uso pessoal em que a taxa de imposto de consumo é superior a 14%, entretanto, poderão existir também sectores que tinham um imposto de consumo relativamente menor que os 14% que vão ser agora implementados em sede do IVA”, realçou.
E isso, adiantou, “poderá trazer ligeiros aumentos, mas esses aumentos a princípio não devem ser na proporção de 14% porque sendo sujeitos passivos do IVA deixam de pagar o imposto de consumo sobre os recebimentos que é 1% e o imposto de consumo, mas o facto é que o IVA não vai inflacionar o mercado”, garantiu.
“Angola deve abraçar, porque o imposto vem permitir que as empresas recuperem nas suas vendas todo aquele IVA que suportaram nas suas aquisições, o que no fim da cadeia leva com que só o consumidor final seja o contribuinte, ou seja, só o consumidor final suporte o imposto”, sublinhou José Leiria.
“E pensamos que é um desafio que devemos abraçar com maior seriedade”, assinalou.
Folha 8 com Lusa