As condecorações de Estado são, em muitos países, por vezes, actos de soberania republicana, noutros, apenas de soberana vaidade umbilical. Os momentos graduam e enquadram as outorgas. Acompanhei, inversamente, emocionado as últimas condecorações; Novembro 2019 – Palácio da Cidade Alta – Luanda.
Por William Tonet
Os 70 condecorados, foram merecedores do galardão. Assim, ditou a soberania do outorgante, que reúne todos os poderes do Estado. Colheu apoios e críticas…
Mas, reconheçamos, não pode, o homem, em dois anos, condecorar todo mundo e ao mesmo tempo, até porque, desde 1964, dN (era, depois de Neto) o pensamento ideológico do MPLA, passou a ser ditado, pela autocracia do “condecorador”, apenas vergado ao clã familiar ou ideológico.
Esperava mais? Sim!
Augurei ver emergir a magistratura de líder, de estadista, com a condecoração, a título póstumo, num gesto de conciliação, rumo a uma verdadeira reconciliação, Álvaro Holden Roberto, líder da guerrilha mais paradigmática (FNLA) contra as tropas coloniais e pai da data da independência nacional.
Em 1974, durante as negociações dos Acordos do Alvor, em Portugal, entre o MFA (Movimento das Forças Armadas), a FNLA; o MPLA e a UNITA, foi dele a proposta, consagrada, da independência ser proclamada no dia 11 de Novembro de 1975.
Jonas Savimbi fundador da UNITA, único movimento de libertação, que durante o período colonial, tinha toda direcção, no interior de Angola.
Assim estariam, condecorados, pela primeira vez, os três pais guerrilheiros, da luta pela independência de Angola, já que Agostinho Neto/MPLA, tem sido oficialmente apontado como o único.
Mereceria ainda igual distinção o quarto Movimento de Libertação; o MFA (Movimento das Forças Armadas) de Portugal, por terem sido eles, militares da Revolução dos Cravos, que no dia 25 de Abril de 1974, pôs fim ao fascismo que escravizava os povos de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, ex-colónias portuguesas.
“Non habentem, animus abandonandi, non est iustitia” (Não havendo intenção de abandonar, haverá justiça).
Essa é a esperança que um país deposita, quando tem um líder de Estado, imparcial, reconciliador, justo e convictamente democrático.
Reconhecer os momentos e actores na história de um povo e país é a mais sublime magistratura intelectual, daí que não seria displicente, nova introspecção no mosaico libertário e condecorar, um homem inocente, barbaramente assassinado, ao ser queimado vivo, numa fogueira, na Frente Leste, em 1968, a mando de Agostinho Neto, que o acusava de feitiçaria e tentativa de golpe a direcção do movimento, em Brazzaville, o célebre comandante Paganini, herói da guerrilha do MPLA.
Dinho Chingunji, da UNITA, assassinado a mando de Savimbi, tão referenciado na contra propaganda do MPLA, quando em causa pretende descredibilizar o adversário. Infelizmente, quanto aos excessos dos três, na guerrilha, todos têm rabos-de-palha.
Esperei, também, a sensibilidade retroactiva do Presidente para condecorar o pai (Adelino António dos Santos), daquela menina destroçada, Ulika dos Santos, que o abordou em Lisboa, no 24.11.18 e, apenas, quis ler ao “comandante” Lourenço, um poema do progenitor.
E ao passar os 50 nomes tentei um “reset” no “disco duro mental” do Presidente da República, para se colocar nas vestes de chefe de Estado, e nessa condição estender o tapete vermelho, a título póstumo, a Alves Bernardo Nito Alves, José Van Dúnem, em representação de todos quantos pereceram e sofrem pelas acções canibalescas e arbitrariedades da polícia política de Neto, no 27 de Maio de 1977.
E, na esquina dos 65, egoisticamente, pensei com os meus botões, o Presidente vai condecorar, nem que seja um jovem que esteve no hastear da bandeira da República Popular e Angola, na madrugada de 11 de Novembro e logo me vieram à mente os nomes dos meus briosos soldados: Mário Rosa, Mariano de Almeida, Toninho Van Dúnem, dentre outros, que engalanaram aquele momento solene e que seria acalentador, nos 44 anos da data, esse reconhecimento. Infelizmente, ainda não foi desta.
Tempus Habemus
Angola precisava de um 15 de Março para limpar toda a podridão emplantada a muito. Para limpar todos os que enrriqueceram roubando o povo Angolano, isto também podia acontecer em 15 de Março de 2020. Oito da manhã, 15 de março de 1961. “Mata, mata. UPA, UPA.” Há precisamente 55 anos, a União das Populações de Angola (UPA) desencadeava os primeiros ataques às fazendas e vilas coloniais no norte de Angola.
Neste massacre foram mortos e mutilados centenas de colonos brancos e também negros, nas fazendas do café, zonas dos Dembos, Negage, Úcua e Nambuangongo. Muitos foram mortos à catanada.
Ninguém escapou ao massacre. Homens, mulheres e crianças, negros e brancos. A fúria da UPA (posteriormente chamada FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola) não poupou ninguém.
Os relatos sobre esse dia são muitos. “Em menos de 48 horas, pelos distritos do Zaire e do Uíge é a devastação maldita. Plantações e casas solitárias são saqueadas e incendiadas; aldeias são arrasadas; é posto cerco a vilas e pequenas povoações, cortando-se-lhes os abastecimentos; vias e meios de comunicação social ficam destruídos”, pode ler-se num excerto de Franco Nogueira no livro “Salazar Volume V – A Resistência”. Franco Nogueira faz “uma boa síntese” dos acontecimentos, segundo afirmaram recentemente os historiadores Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, autores de “Angola 61: Guerra Colonial, Causas e Consequências, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março” (Texto Editora).