O processo em papel, presume-se que devidamente embalado e autografado, da Operação Fizz, envolvendo o então Presidente da Sonangol e depois ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, já chegou a Luanda, condição necessária para decidir o itinerário a seguir até ao arquivo morto do MPLA, onde se juntará a outros, possivelmente tendo a seu lado o do 27 de Maio de 1977.
Por Orlando Castro
A informação foi avançada à Lusa por fonte oficial da PGR do MPLA, confirmando a recepção, esta semana, em Luanda, de todo o processo físico, proveniente da congénere portuguesa, após a decisão de transferência “tomada” em Maio pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
“O processo está a ser analisado para se ver o estado em que se encontra e, posteriormente, decidir-se que passos deverão ser dados. O processo é complexo, volumoso, levará algum tempo”, descreveu a mesma fonte.
Na quarta-feira, questionado pela agência Lusa, o vice-procurador-geral da República de Angola, Mota Liz, garantiu que “obviamente” o processo, em Luanda, “vai seguir a sua tramitação normal”.
Em comunicado divulgado o mês passado, a PGR do MPLA tinha confirmado ter recebida a certidão digital do processo a 19 de Junho, na qualidade de “autoridade central para efeitos de cooperação judiciária internacional em matéria penal”, do processo que corria no tribunal de Lisboa, “na sequência da sua transferência para continuação do procedimento criminal em Angola”.
No entanto, a PGR alertava também que, nos termos do artigo 4.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-membros da CPLP, o pedido de auxílio é cumprido “em conformidade com o direito do Estado requerido”.
“Não existindo no ordenamento jurídico angolano regras processuais que admitam processos em formato digital, a PGR de Angola aguarda que lhe seja remetida pela sua congénere o processo em formato de papel, para ulteriores trâmites”, lê-se ainda.
De facto, como em muitas outras matérias e em muitas instituições, a PGR ainda funciona tecnologicamente na era colonial que antecedeu a era neocolonial do MPLA. Falta contudo saber se no ordenamento jurídico angolano não consta que os processos tenham de ser escrito em papel mas à… mão! Aguardam-se os próximos capítulos.
Ou seja, sem o processo em papel, as autoridades angolanas não podiam fazer diligências, nomeadamente avaliar a possibilidade de Manuel Vicente, actualmente deputado, poder ser (supostamente) julgado em Angola, dada a imunidade que possui. Essa avaliação era impossível de fazer se, de acordo com a PGR, o processo fosse analisado em suporte digital. É que estas modernices das novas tecnologias não se enquadram no ADN do MPLA que ainda vegeta na idade da pedra.
O envio do processo de Manuel Vicente para as autoridades judiciárias angolanas resultou de uma decisão, em sede de recurso, do Tribunal da Relação de Lisboa e por imposição não assumida do poder político português que, dessa forma, se subjugou ao MPLA e transferiu o “irritante” do seu ordenamento jurídico para o seu ordenamento anedotizado.
A Operação Fizz julga um caso que envolve Manuel Vicente, mas cujo caso foi separado do processo principal para ser doado às autoridades do MPLA, as únicas que o país conhece desde que em 1975 as autoridades portugueses decidiram doar-lhe Angola.
O julgamento da Operação Fizz teve início em 22 de Janeiro e assenta na acusação de que o ex-procurador Orlando Figueira recebeu 760 mil euros para arquivar processos de Manuel Vicente no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), um deles, o caso da empresa Portmill, relacionado com a aquisição em 2008 de um imóvel de luxo (singela cubata, na terminologia do MPLA) situado no Estoril.
Este processo, durante os últimos meses, condicionou as relações entre o MPLA e Portugal, com o Governo angolano a pedir, ao abrigo do acordo de cooperação judiciária da CPLP, a sua transferência para os tribunais de Luanda onde a separação de poderes é tão verdadeira quanto a existência (que o MPLA diz ser verdadeira) de jacarés vegetarianos ou mesmo devotados ao veganismo.
Menos dados a essas modernices alimentares, os impolutos dirigentes do MPLA optam por ementas que, apesar de igualmente singelas, incluem trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, com cinco vinhos diferentes, entre os quais um Château-Grillet 2005.
Acresce que, pelo contrário, os escravos do MPLA (a maioria do povo angolano) são mais dados à opção vegetariana, seja pela via da mandioca ou do farelo. A alternativa que o regime lhes dá é fuba podre, peixe podre, panos ruins, 50 angolares e porrada se refilarem. E assim sendo…
Só depois de concretizada a transferência do processo (em papel, recorde-se) é que foi fechada a visita oficial a Luanda do primeiro-ministro português, António Costa, agendada para 17 e 18 de Setembro.