Cerca de 25% dos mais de 2.000 “Flechas” angolanos, que lutaram ao lado de Portugal, foram “chacinados” pelo MPLA nos primeiros sete meses após o fim da guerra colonial portuguesa em Angola, indicou hoje um historiador norte-americano.
John P. Cann, entrevistado pela agência Lusa a propósito do seu mais recente livro “Os Flechas – Os Caçadores Guerreiros do Leste de Angola – 1965/74”, publicado pela editora Tribuna da História, indicou que só numa operação, realizada em Mavinga, na província de Cuando-Cubango (sudeste), as forças do MPLA abateram 130 bosquímanos.
Os “Flechas”, inicialmente conhecidos por “Corpo Auxiliar”, foram uma força especial indígena criada em 1966 em resposta a uma necessidade da Polícia Internacional de Defesa do Estado -Direcção Geral de Segurança (PIDE/DGS) para a recolha de informações de interesse político-militar português no Leste de Angola.
No início, a força criada pelo antigo inspector da polícia política portuguesa António Fragoso Allas, com os “tentáculos” das acções desestabilizadoras portuguesas a estenderem-se também ao Congo, Namíbia, Zaire (actual RDCongo) e Zâmbia, contava com apenas oito homens, mas, até 1974, ultrapassaram os 2.000.
Os bosquímanos, recrutados entre a milenar população de caçadores colectores que residem nas planícies e savanas do leste de Angola, Namíbia e deserto do Karoo (região semidesértica na Africa do Sul), têm uma pequena estatura e rosto de aparência asiática, sendo especialistas em operações de reconhecimento.
Segundo John Cann, que se reformou dos “Marines” em 1992, tendo, então, feito um doutoramento em Estudos de Guerra no Kings College, na Universidade de Londres, os Flechas revelaram “grande competência” em operações conjuntas com forças terrestres regulares, respondendo à PIDE/DGS, que os integrou como organização paramilitar, e também ao comandante local do Exército português.
“Quando a guerra acabou, ficou rapidamente claro que os Flechas eram um grupo em perigo. Famílias atrás de famílias foram assassinadas numa série de massacres. Num só caso, cerca de 130 bosquímanos foram mortos a tiro num genocídio sangrento nos arredores de Mavinga”, referiu o antigo “Marine” norte-americano.
“Mais tarde, foi estimado que cerca de 25% dos bosquímanos angolanos foram mortos nos primeiros sete meses de poder do MPLA. Como consequência, muitos fugiram para a África do Sul, onde se juntaram às Forças Armadas Sul-Africanas para formar o Grupo de Combate Alfa, que se tornaria, depois, o Batalhão 31”, acrescentou.
Questionado sobre se há dados relativamente às baixas entre os “Flechas” durante o período do conflito em Angola (1961/74), John Cann disse não ter encontrado, ao longo das investigações feitas, quaisquer estatísticas.
“Devem existir em algum lugar. Mas, inicialmente, os Flechas eram utilizados em missões de espionagem, de recolha de informações, uma vez que eram claramente uma força passiva. No entanto, após alguns encontros desafortunados com forças inimigas, ficou claro que o arco e flecha não conseguiriam bater o armamento moderno”, afirmou.
John Cann lembrou que as coisas mudaram a partir do momento em que uma pequena patrulha de bosquímanos foi capturada e torturada.
“A partir daí, os Flechas foram armados com uma espingarda automática ligeira. A sua filosofia de combate passava por evitar o confronto directo, o que permitiu manter reduzidas as baixas. Se tivesse de fazer uma estimativa, diria que o número de baixas em combate estará no intervalo entre 1% e 2%, ou seja, entre 20 a 40 mortes”, disse.
Hoje em dia, realçou o capitão de mar-e-guerra aposentado da Marinha dos Estados Unidos, os bosquímanos residem maioritariamente na África do Sul, onde grande parte de se integrou nas forças de segurança locais.
Questionado sobre como surgiu o interesse sobre a guerra que Portugal manteve durante 13 anos em Angola, Guiné e Moçambique, John Cann explicou que o primeiro contacto teve-o no Outono de 1967, quando o seu esquadrão utilizava a base das Lajes (Açores) e o aeroporto do Sal, em Cabo Verde
“Era claro que Portugal estava a combater uma contra-subversão em África, mas tinha muito pouco tempo para a seguir com interesse. No final da década de 1980, tive a oportunidade de coordenar exercícios militar na sede da NATO em Oeiras. Aqui conheci veteranos das guerras em África e fiquei fascinado com as suas histórias e as campanhas para manter os territórios portugueses em África”, prosseguiu.
A tese de doutoramento versou o conflito português e, mais tarde, foi publicada no livro “Counterinsurgency in Africa: The Portugueses Way of War — 1961/1974”, que teve duas edições em Portugal, estando o autor a revê-lo para uma terceira.
A convite das autoridades militares portuguesas, publicou “A Marinha em África: Angola, Guiné e Moçambique – Campanhas Fluviais 1961/74” (2009) e “Plano de Voo África: O Poder Aéreo Português na Contra-subversão – 1961/74” (2017).
Para a série Africa@War, já publicou, em Inglês, o livro “The Flechas, The Commandos, The Paras and The Fuzileiros” – “Os Paras” saiu em Portugal em 2017 e “Os Flechas” agora, estando previsto para breve os restantes dois.
Actualmente, John Cann está a escrever um livro similar sobre a utilização da Cavalaria nas guerras em Angola e Moçambique.
“Dado que, virtualmente, toda a luta foi feita por tropas especializadas, escrevi sobre isto em quatro livros separados. Estou interessado nas Guerras Africanas como um estudo abrangente desde as forças políticas que levaram Portugal a ‘ir sozinho’ para África, enquanto outras potências coloniais saíam, até, em particular, às campanhas em Angola, Moçambique e Guiné a nível táctico em cada frente de combate”, concluiu.
Lusa