A província angolana do Moxico precisa de pelo menos mais 190 médicos, estima fonte oficial, acrescentando que muitas das 143 unidades sanitárias públicas têm “apenas um funcionário”, cujas férias deixam a população “sem assistência médica e medicamentosa”. Tudo normal, portanto. Mas porque será que os angolanos não aprendem a viver sem comer e a morrer sem ficar doentes?
A situação da Saúde na província do Moxico foi relatada pelo director em exercício do gabinete provincial da Saúde, Luís Domingos Mufenge.
“Temos grandes dificuldades no capítulo dos recursos humanos. Existem unidades sanitárias com apenas um funcionário e quando este está de férias, as mesmas tendem a fechar durante muitos dias, deixando a população sem os serviços”, disse.
Segundo Luís Mufenge, esta realidade verifica-se sobretudo nos municípios de Luchazes, Alto Zambeze, Luacano e até mesmo no do Moxico.
O responsável adiantou que as autoridades de saúde no Moxico controlam 143 unidades sanitárias, 1.877 funcionários do sector, 74 médicos, 60% deles expatriados. Segundo a mesma fonte, a província precisa de 190 médicos, pois tem apenas 30% do pessoal necessário.
Numa altura em que o Ministério da Saúde promove um concurso de ingresso de novos quadros para o sector, entre médicos, enfermeiros e demais funcionários, o director da Saúde no Moxico referiu que os números previstos para a província são “ínfimos” e que não será possível reduzir o índice de dificuldade reinante.
Em relação às infra-estruturas, o responsável adiantou que a “carência de técnicos especializados para manusear equipamentos instalados há quatro anos em várias unidades hospitalares da província levou à deterioração das máquinas, situação que é já do conhecimento do Ministério da Saúde”.
Questionado sobre a distribuição e controlo de medicamentos na província, o director da Saúde explicou que o Moxico tem vários níveis de recepção de medicamentos, cuja distribuição é feita através das unidades sanitárias.
“Temos ainda parceiros locais e, dentro da política de descentralização, também as unidades sanitárias nos municípios são orçamentadas”, disse.
Luís Mufenge admitiu, porém, que têm existido, por vezes, ruptura nos “stocks” devido sobretudo ao atraso na cabimentação ou as ordens de saque aos fornecedores.
E por falar no Alto Zambeze
No passado dia 4 de Abril, o suposto Dia da Paz e da Reconciliação, o bispo do Moxico alertou para as condições de vida naquela província, nomeadamente no Alto Zambeze, um dos municípios mais isolados de Angola, maior do que a Holanda ou a Suíça, mas que não tem um só quilómetro de estrada asfaltada.
O argentino Tirso Blanco lidera aquela diocese católica no leste de Angola há dez anos, mas ali já tinha estado, na mesma função, em pleno período da guerra civil, entre 1986 e 1991. Recorrendo às redes sociais, o bispo católico, criticou a rede viária até ao Alto Zambeze, que no período colonial (há mais de 43 anos, portanto) foi um dos maiores produtores de arroz em Angola, ilustrando com fotos da única picada, totalmente esburacada e coberta de lama, que liga ao centro daquele município.
Nestas condições, a viagem facilmente se transforma num “martírio” de dois dias.
“Há 16 anos (4 de Abril de 2002) que Angola recebeu a paz desde o Moxico (fim da guerra civil). Esta é a única via possível para chegar a Cazombo (comuna capital do Alto Zambeze), que não tem aeroporto nem comboio”, apontou.
No extremo leste de Angola, o Alto Zambeze tem 48.000 quilómetros quadrados e apenas 20.000 habitantes, ocupando uma área, por exemplo, semelhante à da Dinamarca. Sem estradas, a alternativa, segundo o bispo Tirso Blanco, passa por recorrer a serviços básicos do outro lado da fronteira, na República Democrática do Congo e na Zâmbia.
O isolamento do município é agravado no período das chuvas (Agosto a Maio), com intensa precipitação, que habitualmente deixa várias comunidades isoladas durante vários dias.
“Em todo esse território não se encontra onde comprar uma arca, uma geleira, o único hospital não tem mais que a boa vontade dos médicos. Raio X? Reagentes? Controlar a glicémica? Só na Zâmbia, depois de uma penosa viagem”, criticou o bispo, que regularmente usa as redes sociais para alertar para a situação de isolamento da província do Moxico.
Recordando que foi no Moxico que acabou a guerra civil angolana, em 2002, com a morte em combate de Jonas Savimbi (UNITA) e a assinatura dos acordos de paz no Luena, capital da província, Tirso Blanco diz que é tempo de as várias promessas dos últimos anos serem cumpridas.
Isto porque, aponta, a construção da estrada entre o Luena e o Cazombo, de mais de 400 quilómetros, nunca saiu do papel, apesar de agora voltar a ser colocada em cima da mesa pelas autoridades locais.
“No ano de 2009 ‘ameaçaram’ asfaltar a estrada, mas sem dar explicação a ninguém, os trabalhadores foram-se embora e até hoje não voltaram. No ano de 2013 outra empresa começou e fez uma grande movimentação de equipamentos e pessoal técnico, os trabalhadores foram-se embora e até hoje não voltaram. Agora novamente escutamos o suave barulho das promessas”, criticou.
“Será desta vez? Até quando este território, que ocupa uma superfície duas vezes maior que Kuanza-Norte merecerá ter um pouco de asfalto, pois até agora, nem sequer um quilómetro tem”, referiu Tirso Blanco.
A difícil situação da rede viária do Moxico foi admitida também em Fevereiro passado, pelo vice-governador da província, já que apenas 5% são estradas asfaltadas.
“Neste momento, infelizmente, em termos de estradas, primárias e terciárias na província não têm o melhor cenário. Mas nós acreditamos que com os esforços que estão sendo feitos nós vamos poder reverter esta situação”, admitiu o vice-governador do Moxico, Carlos Alberto Masseca.
Recorde-se, por exemplo, que em Janeiro de 2017, quase 1.200 famílias ficaram desalojadas na província do Moxico, sobretudo na vila de Cazombo, município do Alto Zambeze, tendo as enxurradas provocado o desabamento de quase 400 casas de construção artesanal em vários bairros.
Estas famílias – 1.195 – passaram a viver ao relento, em função da falta de meios da protecção civil em quantidade suficiente para prestar apoio.
A protecção civil angolana recebeu menos um milhão de euros em 2017, um corte de 5% face ao Orçamento Geral do Estado (OGE) anterior.
De acordo com o OGE para 2017, os Serviços de Protecção Civil deveriam receber 3.092 milhões de kwanzas (17,5 milhões de euros), equivalente a 0,04% da total da despesa do Estado.
O que dizia o Governo em 2014
“O município do Alto-Zambeze, com sede na Vila de Cazombo (519 quilómetros a Leste da cidade do Luena, capital da província do Moxico), está em franco desenvolvimento social e económico, depois das mágoas do conflito armado.
Hoje, quem vai ao Cazombo depara-se com uma outra realidade. Encontra construções em quase todas as sedes comunais. A estrada que liga as sedes municipais do Luau e Alto-Zambeze está a ser reabilitada e asfaltada, nos seus 260 quilómetros de percurso, o que irá proporcionar maior fluidez na circulação de pessoas e mercadorias.
Outra estrada também em reabilitação e ampliação é a que vai à comuna de Lumbala – Kaquengue, para depois ligar com o Chavuma (na vizinha República da Zâmbia), troço com mais de 160 quilómetros.
A imponente ponte de betão armado construída de raiz sobre o rio Zambeze (a maior na região Leste do país), com 160 metros de comprimento e duas faixas de rodagem, inaugurada este ano, facilita a ligação entre as duas margens.
Estas duas estradas estão a receber obras de restauro e asfaltagem, no âmbito da ligação rodoviária que se pretende entre os países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
O sector da educação também está a conhecer melhorias significativas, no que toca à construção de novas escolas, para conferir melhores condições de aprendizagem e de trabalho aos alunos e professores.
Segundo o administrador adjunto do Alto-Zambeze, José Braz Cassessa, a circunscrição irá ganhar 114 novas salas de aulas no início de 2015, fruto de várias infra-estruturas escolares em construção em quase todas as seis sedes comunais e em Cazombo.
No próximo ano lectivo será aberto, na sede municipal (Cazombo), o II ciclo do ensino secundário, cuja escola está na fase conclusiva, para que os jovens terminem o ensino médio sem necessidades de deixarem as suas famílias.
No total, o município terá 217 salas de aulas, que vão proporcionar melhores condições de aprendizagem e absorver mais alunos no sistema de ensino, de acordo com o director municipal da Educação, Fernando Mununga, que acredita que há uma grande evolução no sector que dirige.
A circunscrição dispõe, actualmente, de uma rede de 26 escolas de construção definitiva para um universo de 27 mil e 744 alunos matriculados no presente ano lectivo.
Para a expansão da rede escolar são necessárias mais 96 novas salas de aulas e mais de 200 professores para se juntarem aos 309 existentes.
Outro sector imprescindível é o da saúde, onde o município conta com um hospital municipal, que presta à população serviços de medicina geral, pediatria, cirurgia, hemoterapia, análises clínicas, radiografia (Raio X) e ecografia, o que permite aos pacientes tratarem-se localmente, deixando de percorrer distâncias longas (à Zâmbia por exemplo) a procura dos serviços hospitalares.
Existem, no município, quatro médicos (de nacionalidades coreana e cubana), coadjuvados por 62 enfermeiros, distribuídos em 15 unidades sanitárias, entre centros médicos, postos de saúde, maternidade e um hospital municipal, que prestam serviços de assistência sanitária às populações.
O programa de municipalização de saúde está a aproximar os serviços de saúde às populações e a proporcionar o abastecimento oportuno de medicamentos e construção de residências para os enfermeiros.
Para a extensão dos serviços de saúde a todo o território deste município são necessários outros 120 técnicos, segundo disse o director municipal da Saúde, Jacinto Caumba Sandeze.
A malária, doenças respiratórias agudas e parasitárias intestinais são as patologias mais frequentes no município.
A agricultura, como factor decisivo para a base alimentar das populações, também está a conhecer um desenvolvimento rápido e considerável.
Por exemplo, anos atrás, a população, que adquiria o bombo e o milho (principais produtos de consumo da população local) nas vizinhas Repúblicas Democrática do Congo e da Zâmbia, deixaram de o fazer agora, porque a produção local satisfaz as necessidades alimentares.
Quanto ao programa habitacional de iniciava Presidencial, 100 fogos estão em construção, assim como 50 casas evolutivas, respectivamente, para acomodar quadros administrativos lá colocados e pessoas vulneráveis.
Em termos de telecomunicações, em Cazombo estão instaladas as redes de telefonia móvel das principais operadoras nacionais, faltando apenas lojas de apoio aos clientes.
Também estão instaladas antenas repetidoras da Rádio Nacional de Angola (RNA) e da Televisão Pública de Angola (TPA).
Falar do Alto-Zambeze é igualmente falar dos Luvales ou Lwenas, um povo com uma cultura rica em rituais, espelhada no Festival Tradicional realizado anualmente na segunda quinzena do mês de Julho, reunindo pessoas até de países vizinhos, como a Zâmbia e a RDC, onde também existem falantes do Luvale.
Tudo isto são benefícios da paz definitiva que o país vive, há 12 anos, que tem como arquitecto o Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Com uma extensão territorial de 48.154 quilómetros quadrados e uma população estimada em 125 mil e 550 habitantes, na sua maioria camponesa, o município do Alto-Zambeze partilha fronteiras com as Repúblicas da Zâmbia e do Congo Democrático.
Administrativamente está subdividido em seis comunas, nomeadamente, Cavungo, Lumbala-Kaquengue, Calunda, Caianda, Macondo e Lóvua.”
Folha 8 com Lusa