Nesta época, especial para os cristãos, os povos africanos deveriam reflectir mais, muito mais no valor das suas crenças religiosas, a maioria ainda subjugadas à visão colonial e paternalista ocidental.
Por William Tonet (*)
Nesse percurso, as nossas crenças antes da colonização, cuja pureza, exclui o diabo, sim, o diabo, por só configurar, nas bíblias orais, o BEM, logo o guardião: Nzambi; Deus; Divino; Todo Poderoso é o único Senhor do céu e da terra. Daí a maior riqueza dos povos africanos, mesmo nas maiores misérias e adversidades continuar a ser a solidariedade e a gratidão.
Em qualquer sanzala ou recanto dos húmus africanos, por mais pobre que seja, um viajante, mesmo chegado de madrugada tem sempre um abraço, um carinho, seguido de um prato quente de xima (pirão, funge “massa de milho”), acompanhado, por vezes, do último peixe ou pedaço de carne.
Esta expressão de solidariedade e gratidão continua a ser grata no interior espiritual africano.
É assim a nossa crença na divindade espiritual suprema, que não admite o demónio, característica, presente na filosofia religiosa ocidental; Diabo, Demónio, onde predomina, regra geral (existem raras excepções), o egoísmo, a materialidade e a desconfiança.
Assim, nesta nova aurora, em que ainda não alcançamos, por complexo de uns líderes, a independência religiosa, é hora de cada político e intelectual africano, se bater em prol da verdadeira espiritualidade, como fazem, os ocidentais, através do Vaticano e a Bíblia; os Evangélicos, através do Novo Testamento; os asiáticos com Buda; os árabes, com o Alcorão e Meca.
E nós? Sim, e nós? Continuamos, impávidos e serenos a navegar, paradoxalmente, como seres inferiores, a reboque das religiões ocidentais, que blindaram a colonização, mesmo sem quórum, em nenhum dos palcos, inclusive, no Vaticano, onde cardeais e bispos pretos, são reduzidos e discriminados.
É pois importante, resgatar a espiritualidade africana, em prol da preservação das nossas riquezas, para emprestar um futuro melhor as gerações vindouras.
Resgatar a identidade religiosa africana, para em 10 anos, com políticas e programas económicos patrióticos e solidários se acabarem com os musseques (bairros de lata, “bidon villes”), por toda a África.
Resgatar a nossa identidade, para instaurarmos uma constituição africana, assente, na alternância e limitação de mandatos presidenciais (dois e um alternativo), colocando a corrupção e o peculato, que subtrai livros e medicamentos das escolas e hospitais como crimes hediondos, contra a humanidade, imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia.
Os agentes são proibidos de retornar a vida pública e condenados, não só à devolução do património, ilicitamente, acumulado, como obrigados, durante a reclusão, a trabalhar, para moralizar a família e a sociedade.
O Estado ficará com a guarda dos filhos menores, dos agentes públicos condenados, garantindo-lhes assistência e educação assente em valores morais e éticos de respeito pelos bens públicos.
Resgatar a nossa identidade religiosa para, em 10 anos, serem implantadas, por toda África, as melhores escolas públicas do mundo, com os países terem obrigação de contratar os mais destacados e reputados professores, dando-lhes dignidade institucional e social.
O professor deve passar a ser o quadro de cada país africano, o melhor remunerado, estando os demais, incluindo o Presidente da República, abaixo dele. Isso porque sem professores não há engenheiros, médicos, advogados, arquitectos, físicos, químicos, carpinteiros, políticos, etc..
Neste quesito, de valorização do professor africano, instalar a proibição de nenhum governante, dirigente ou servidor público, matricular o filho em escola privada ou no exterior, salvo para mestrado e doutoramento.
Resgatar a nossa identidade religiosa para, em 10 anos, África ser transformada, numa grande fábrica do mundo, com capacidade de exportar, já manufacturadas, as principais matérias primas, impondo restrições e penalizações às riquezas brutas.
Resgatar a nossa identidade religiosa, para transformação das organizações regionais, como União Africana, Comissão Africana dos Direitos Humanos e as regionais, em órgãos representativos dos povos e não dos governantes. Geridas por intelectuais independentes e politicamente comprometidos com o continente africano, devendo pugnar, de 2018 à 2028, o lançamento das verdadeiras sementes, para a implantação de um Parlamento Africano, com deputados nominalmente eleitos, nos respectivos países; criação de um Banco Central Africano, capaz de supervisionar a actividade de todos bancos comerciais dos países, com a proibição expressa de não autorização de transferência de capitais ilícitos dos países, por parte de agentes públicos, fruto do peculato e corrupção.
É imperioso a criação de uma banca africana, forte, independente e profissional, capaz de, com uma visão africana, assente nas melhores práticas bancárias, contribuir para o investimento e desenvolvimento económico e social das economias de África.
Resgatar a identidade religiosa, para privilegiar, obrigatoriamente, as trocas comerciais inter-africanas, impulsionando com esta prática empregos de carteira assinada e estabilidade social dos cidadãos.
Só na impossibilidade de falta de produção, capacidade ou má qualidade dos produtos, comprovadamente, se autoriza o recurso ao exterior do continente.
Resgatar a nossa identidade e proibir, em 5 anos a importação de produtos agrícolas de outros continentes, como incentivo a produção interna.
Assim, com o espírito de valorização do que é africano, façamos, em 2018, do nosso orgulho, uma verdadeira ponte de união, sabedoria, paciência, reconciliação e luta em prol dos que não têm voz, iluminando sempre o caminho do horizonte, no concerto das Nações, sem xenofobia ou falsos nacionalismos.
Hoje, mais do que ontem, somos um continente, multirracial com várias etnias e raças.
Nos últimos tempos, por direito e legitimidade, a África acolheu a mais nova etnia: os brancos sul-africanos (protagonizaram práticas hediondas como o Apartheid, mas, também, lideraram o seu fim. É verdade que a luta da maioria negra contribuiu, mas foram os dois: algozes e vítimas, que, no final, sem intervenção externa ocidental, se abraçaram, enterrando os ex).
E para este desiderato, muito contribuíram dois grandes filhos desse país, cada um marcado, pelas discriminações do passado: Nelson Mandela (preto) e Frederick de Klerc (branco).
Por todo histórico de colonização, guerras internas e étnicas é hora dos intelectuais e políticos africanos assumirem um verdadeiro compromisso de sangue, para erradicação da pobreza, miséria e guerras, instaurando-se, em cada país, uma verdadeira democracia de acordo com a visão africana, excluindo-se qualquer ditadura, até mesmo as incubadas.
Por isso é imperioso, no final de 2018, que cada jovem: mulher e homem, intelectual e político comprometido com o orgulho de ser africano e das Pirâmides do Egipto, reflectir o nosso futuro comum. Reflectir a razão de os dirigentes africanos estenderem a mão à caridade internacional, portando astronómicas fortunas e exibindo-se com roupas ocidentais, quando as suas fábricas fachadas, geram desemprego e pobreza.
E com esse olhar crítico, cada um de nós, faça uma peregrinação, não hesitando, entre plantar a raiva, o ódio, remover o passado, que não volta, escolher sempre, mas sempre, a reflexão, a inteligência, o tempo, o amor, a solidariedade, a gratidão e o futuro.
Resgatar a nossa identidade como cidadãos de povos, na órbita de todas as pobrezas, pese as inúmeras riquezas naturais, que desenvolvem outros continentes, lutando para fazer com que a maioria dos governantes africanos se encham de vergonha (quais criminosos de guerra), de não implantarem políticas para impedir a fuga de cérebros e as travessias em botes de cidadãos desesperados, em busca de ares de liberdade, no ocidente, mesmo sabendo que, na maioria das vezes, lhes espera humilhação. Mas entre a incógnita de uma prisão, morte estúpida ou humilhação, optam por esta última.
Em cinco anos com políticas audazes de emprego e valorização da mão-de-obra africana é possível inverter esse quadro, dando-se valor a empresários africanos, bem sucedidos no mundo, como o sudanês Mo Ibrahim, o marroquino Othman Benjelloun, o egípcio Mohamed Mansour, o argelino Issad Rebrad, o sul-africano Christoffel Wiese, o nigeriano Mike Adenuga, o egípcio Nassef Sawiris, os sul-africanos Nicky Oppenheimer e Johann Rupert e o nigeriano Aliko Dangote, cujas fortunas bilionárias, lhes permite, se conclamados (faço-o a partir desta tribuna), por todos, a criar um dos maiores bancos do mundo, sediado em África: BIA (Banco Internacional Africano), com um capital social estimado em 30 mil milhões de dólares.
Seria uma atitude de ampla cidadania desses filhos de África e a melhor forma de as suas milionárias fortunas alimentarem a economia e desenvolvimento do continente que os pariu.
Finalmente é hora, neste final de 2018, Dezembro, com espírito de unidade, resgatarmos energias, para que os jovens intelectuais e as novas lideranças africanas, sem extremismos, falsos nacionalismos, racismo e xenofobia, serem capazes de lutar para o resgate da nossa identidade religiosa (ainda nos ares da colonização, precisamos alcançar a verdadeira independência religiosa), política, moral, ética e económica, para termos uma voz de respeitabilidade, no concerto das Nações livres e comprometidas com o bem comum dos povos.
(*) Jornalista e jurista angolano discriminado