Um morto e mais de 100 detidos em manifestação nas Lundas é o balanço provisório do Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe, que convocou uma manifestação para hoje em defesa da autonomia da região diamantífera.
Segundo a organização, as detenções começaram antes do protesto, durante a madrugada, nas residências dos responsáveis do Movimento, mais concretamente na localidade do Cuango, na Lunda-Sul, até chegarem aos locais indicados para o início da manifestação, enquanto os manifestantes se concentravam.
“No Cuango e em Capenda-Camulemba [Lunda Sul], muitos foram apanhados dentro das suas próprias casas. Em Cafunfu [Lunda Norte], na sua maioria, foram detidos na manifestação por volta das 8h00”, explica à DW África o líder da organização, José Mateus Zecamutchima (foto), referindo ainda “8 pessoas feridas, entre as quais duas em estado grave, por terem sido atingidas com balas de fogo”.
Segundo o presidente do Movimento, as forças de segurança abriram fogo contra cerca de 4 mil manifestantes em Cafunfo. Os oito feridos terão sido levados para a única esquadra policial da localidade, alegadamente sem receber assistência médica. Um dos feridos graves, Estêvão Aroma, de 25 anos, baleado na cabeça, terá perdido a vida na mesma esquadra, segundo Zecamutchima.
Um outro detido, André Zende, viu a sua casa totalmente destruída pela Polícia de Intervenção Rápida (PIR) após ser detido na sua residência. “Outro cidadão que está num estado lastimável é Cândido Mwanhende”, diz o presidente do Movimento, que acusa a polícia de torturar o manifestante.
Durante o dia continuou a “caça ao homem” contra todos aqueles que se identificam com o Movimento do Protectorado, numa operação coordenada entre a Polícia Nacional da Ordem Pública, a Polícia de Intervenção Rápida e as Forças Armadas. Há relatos de raptos desencadeados por homens trajados à civil que se supõe pertencerem aos Serviços de Inteligência do Estado (SIE).
“A situação permanece tensa em quase toda a extensão da província da Lunda-Sul e nalgumas localidades da Lunda-Norte, porque há neste momento perseguições porta-a-porta, e as pessoas estão abandonar as suas casas com medo de serem detidas e levadas para locais incertos”, diz Zecamutchima.
O presidente do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe afirma ainda que a repressão contra o protesto do “povo Lunda” é um sinal de que o Governo do Presidente João Lourenço não está preparado para governar, apesar dos seus discursos sobre dialogar e saber ouvir as críticas: “O MPLA tem uma estrutura hipócrita e hoje só tivemos mais uma vez prova que Lourenço é uma das caras da mesma moeda”.
“Escrevemos à Presidência da República, ao ministro do Interior e aos governos locais com 45 dias de antecedência, mas como o MPLA é um partido comunista e contrário às leis e à Constituição que ele próprio aprovou, mais uma vez estamos a ser reprimidos e humilhados, por tentarmos usar um direito Constitucional e defendermos a nossa própria terra e o direito de autodeterminação”, acusa o presidente do Movimento do Protectorado.
A organização reivindica há vários anos a autonomia da região, que compreende as províncias de Kuando Kubango, Moxico, Lundas-Norte e Sul, alegando “que a região rica em diamante e madeira não faz parte de Angola”, baseando-se num tratado assinado em 1887 entre as autoridades coloniais portuguesas e reinado de Mwatiãnvua [o imperador da região na época], sendo que as Lundas foram anexadas oficialmente ao território angolano a partir de 1920.
Crianças, mulheres e idosos não foram poupados na “acção musculada” das forças de segurança, diz o Movimento do Protectorado.
Nas várias cadeias onde se encontram espalhados os manifestantes detidos, muitos estão a ser submetidos a tortura, segundo fonte ouvida pela DW África sob condição de anonimato junto da polícia em Saurimo, sede da província da Lunda-Sul.
“É arrepiante como nós, enquanto órgão vocacionado para protecção da segurança dos cidadãos, estamos a agir como se fôssemos terroristas ou uma organização criminosa”, diz um agente da PIR que pede para não ser identificado. “É mesmo muito doloroso ver como as pessoas estão a ser batidas, mesmo a sangrar, e os nossos chefes [comandantes] têm o prazer de ver e incentivar tudo isso. Vou abandonar a corporação por essas práticas”, diz o agente.
Entretanto, José Mateus Zecamutchima diz que vai colocar o assunto junto de instâncias internacionais devido às violações graves dos direitos humanos desencadeados pelo Estado angolano, que é membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
“Sempre apelámos ao diálogo. A nossa luta foi sempre pacífica. Mas o Governo sempre usou sempre a força da arma e outros meios violentos contra o ‘povo da Lunda’. Depois disso, não nos resta outra saída senão apresentar uma denúncia junto das Nações Unidas e da União Europeia, assim como junto na Organização da União Africana”, garante.
Folha 8 com DW África