O apoio às camadas mais desfavorecidas do país e o combate à pobreza são as actuais prioridades da Igreja Católica angolana, a par da sua vocação na promoção dos direitos que os membros da sociedade merecem. Das duas uma. Ou o Presidente da Conferência Episcopal de Angola e São-Tomé (CEAST), Dom Filomeno Vieira Dias, tem um arcaico conceito de actualidade ou só agora o MPLA o autorizou a falar de alguns velhos, muito velhos, problemas do país: pobreza e desfavorecidos.
Por Óscar Cabinda
Esta suposta aposta da CEAST foi afirmada em Mbanza Kongo, província do Zaire, quando à margem da palestra sobre o “Contributo das Igrejas na Edificação da Cultura e do ser Humano na Antiga Capital do Reino do Kongo”, Dom Filomeno Vieira Dias reforçou que a CEAST está preocupada com os cidadãos que precisam de mais apoio e presença da igreja.
De mais apoio, ou simplesmente de apoio, é claro que precisam. São 20 milhões de angolanos que têm dificuldade em saber o significado de algo que os altos dignitários da Igreja Católica têm, pelo menos três vezes por dia – refeições. Quanto a precisarem do apoio e da presença da Igreja, disso se calhar não precisam.
“Queremos uma igreja mais próxima dos pobres, daqueles que lutam todos os dias com muitas dificuldades para poderem sobreviver”, frisou o prelado, mais uma vez passando um atestado de matumbez e de menoridade aos angolanos que, como bem sabe Dom Filomeno Vieira Dias, são há décadas gerados com fome, nascem com fome e morre pouco depois com… fome.
Embora de vez em quando surjam revoltas dentro da própria Igreja Católica, certo é que a sua hierarquia em Angola continua a fazer o jogo de quem manda no regime, chame-se José Eduardo dos Santos ou João Lourenço. Quanto ao “rebanho”, que esse sim precisa de ser protegido, que vá continuando a aprender a viver sem comer.
Contrariando os seus mais basilares princípios, a Igreja Católica angolana esteve, está e estará claramente “vendida” ao regime, sendo conivente há quase 43 anos nas acções de dominação, de prepotência, de desrespeito pelos direitos humanos. Aliás, a tese da libertação foi há muito mandada às malvas pela hierarquia católica.
Por muitas que sejam as vezes em que os responsáveis católicos comunguem, o pecado – por exemplo – do acordo celebrado em 2011 entre o MPLA e a Igreja Católica para que esta o apoiasse na campanha eleitoral de 2012 pode ser perdoado mas não pode ser esquecido. Nós não esquecemos.
“Da parte do partido no poder agenciou o acordo Manuel Vicente, na condição de PCA da Sonangol a mando de Eduardo dos Santos, ao passo que da parte da Igreja estiveram alguns bispos do regime, Dom Damião Franklim e a Filomeno Vieira Dias de Cabinda, com orientações do militante cardeal Alexandre do Nascimento”, relatam notícias da época, nunca desmentidas.
Que a hierarquia da Igreja Católica de Angola continua a querer agradar ao (seu) Deus terreno (hoje João Lourenço, ontem José Eduardo dos Santos), aviltando os seus mais sublimes fundamentos de luta pela verdade e do espírito de missão, que deveria ser o de dar voz a quem a não tem, não é novidade.
Ao que parece, a enorme violação dos direitos humanos (20 milhões de pobres num país rico são a inequívoca prova disso), a forma execrável como as autoridades de Angola tratam impolutos cidadãos, pouco interessar à Igreja Católica. Isto porque, de facto, o regime compra a sua cobardia dando-lhe as mordomias que a leva a estar de joelhos perante o MPLA.
Recordamo-nos de, no dia 3 de Maio de 2010, Dom Filomeno Vieira Dias dizer que a liberdade de informar e de ser informado é um direito fundamental que não deve ser subalternizado.
Ouvir o presidente da CEAST falar de liberdade de informar quando, em todo o país, se é detido por ter ideias diferentes, sendo que em muitos casos se é preso só porque as autoridades pensam que alguém tem ideias diferentes, é algo macabro.
Dom Filomeno Vieira Dias disse então que a informação joga um papel fundamental na vida da sociedade, por isso os comunicadores devem fazê-lo com responsabilidade.
Será a responsabilidade a que alude Dom Filomeno Vieira Dias, dizer apenas a verdade oficial do regime? Será ser-se livre para ter apenas a liberdade de concordar com as arbitrariedades deste regime neocolonial?
“A liberdade de imprensa é um direito ligado às liberdades fundamentais do homem”, sublinhou na altura o prelado, falando a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, proclamado pela UNESCO em 1993.
É um direito mas, note-se, apenas nos Estados de Direito, coisa que Angola não é de facto, embora de jure o queira parecer. Aliás, nenhum Estado de Direito viola os direitos humanos de forma tão soez e execrável como faz o regime angolano.
“Quando celebramos esse dia, devemos olhar para o seguinte: que é uma grande responsabilidade informar e informar sempre com verdade,” destacou Dom Filomeno Vieira Dias, certamente pedindo de imediato perdão a Deus por ele próprio não contar a verdade toda.
Dom Filomeno Vieira Dias deverá também pedir perdão por se pôr de joelhos perante os donos do poder em Angola, contrariando os ensinamentos, como há uns anos recordou em Bruxelas o Padre Jorge Casimiro Congo, de que perante os homens deve estar sempre de pé, e de joelhos apenas perante Deus. Não o “Deus” que o MPLA determina.
E se uma das principais tarefas dos Jornalistas é dar voz a quem a não tem, também a Igreja Católica tem a mesma missão devendo, aliás, ser ela a dar o exemplo. O que não acontece.
Frei João Domingos, por exemplo, afirmou numa homilia em Setembro de 2009, em Angola, que Jesus viveu ao lado do seu povo, encarnando todo o seu sofrimento e dor. E acrescentou que os nossos políticos e governantes só estão preocupados com os seus interesses, das suas famílias e dos seus mais próximos.
“Não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”, disse Frei João Domingos, acrescentando “que muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.
Como os angolanos gostariam que tivesse sido Dom Filomeno Vieira Dias (ainda está a tempo) a dizer estas verdades, ou, pelo menos, que as fosse lembrando de quando em vez. Por tudo isso, João Domingos chamou a atenção dos angolanos para não se calarem, para “que continuem a falar e a denunciar as injustiças, para que este país seja diferente”.