O Presidente da República de Angola (João Lourenço), estribado no parecer favorável do Titular de Poder Executivo (João Lourenço) e corroborado pelo Presidente do MPLA (João Lourenço) alegou incumprimento do Fundo Soberano de Angola, liderado até Janeiro por José Filomeno dos Santos, para retirar a concessão atribuída pelo chefe de Estado anterior, José Eduardo dos Santos, para a gestão de seis fazendas públicas. Enquanto vice-presidente do MPLA e ministro, João Lourenço não viu nenhum incumprimento.
A informação consta de um decreto assinado Presidente, João Lourenço, de 1 de Outubro, que resgata “a favor do Estado” (no caso e desde 1975 é sinónimo de MPLA), e para posterior privatização em concurso público internacional, aquelas fazendas.
A decisão visa a administração de José Filomeno dos Santos, que liderava o FSDEA quando, em 2016, o pai e então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, atribuiu ao fundo a gestão daqueles empreendimentos agro-industriais.
José Filomeno dos Santos encontra-se em prisão preventiva no âmbito da investigação da Justiça angolana à sua gestão, precisamente, no FSDEA, constituído em 2012 com cerca de 5.000 milhões de dólares de recursos do Estado.
O decreto presidencial deste mês recorda um outro documento, assinado por José Eduardo dos Santos, de Maio de 2016, que então aprovou, por decreto, a concessão de projectos de desenvolvimento agrícolas, agro-pecuários e agro-industriais de fazendas do Estado de larga dimensão a sociedades comerciais e que autorizou o FSDEA “a deter a totalidade do capital das sociedades concessionárias”.
Contudo, lê-se, não foram “observados os princípios e as normas” estabelecidas no decreto de 2016, “como as cláusulas, as obrigações e requisitos cumulativos previstos nos contratos para a sua entrada em vigor, nomeadamente da detenção do capital social”, de forma directa ou indirecta pelo FSDEA, ou ainda “o registo de todo o património em nome do Estado”.
Estas seis fazendas faziam parte da carteira de investimentos gerida — em representação do fundo soberano – pela empresa Quantum Global, fundada e liderada pelo suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, que tal como José Filomeno dos Santos está em prisão preventiva, em Luanda, desde 24 de Setembro último, no âmbito do mesmo processo.
Em causa estão algumas das maiores fazendas do país, construídas com investimento público. São resgatadas a favor do Estado as fazendas do Longa (província do Cuando Cubango), cuja gestão estava entregue à sociedade Cakanduiwa, a de Camaiangala (Moxico), à Kadianga, a do Cuimba (Zaire), à Cakanyama, a do Manquete (Cunene), à Makunde, a de Camacupa (Bié), à Agri-Gakanguka, e a de Sanza Pombo (Uíge), também à Cakanyama. Totalizam cerca de 70.000 hectares e concentram a produção em grãos, oleaginosas e arroz.
Estas fazendas, estabelece o documento assinado pelo Presidente, passam a estar sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura e Florestas e do Ministério das Finanças, “que devem preparar as condições técnicas para a sua privatização às entidades dotadas de capacidade técnica e financeira, mediante concurso público internacional”, face à “necessidade de se dinamizar e operacionalizar” a produção.
No decreto em que José Eduardo dos Santos autorizou em 2016 a entrega da gestão das fazendas ao FSDEA, liderado à data pelo filho, estava prevista uma concessão inicial por 60 anos, renovável por períodos de 30 anos.
Também estava previsto que o Fundo Soberano assumisse a totalidade do capital social das empresas que receberam aquela gestão, mas que pertenciam à Quantum Global.
Ao contrário de JLo o Folha 8 foi à luta
Vejamos, a título de exemplo, um dos muitos artigos que o Folha 8 publicou sobre o assunto. Este é de 19 de Setembro de 2017 e tinha o título: “Viva o clã Dos Santos. Ámen”:
«O Fundo Soberano de Angola (FSDEA), dirigido por José Filomeno do Santos, filho de sua majestade emérita (José Eduardo dos Santos) alcançou, em 2016, um resultado líquido de 44 milhões de dólares (36,8 milhões de euros) e uma redução de despesas operacionais de 40% comparativamente a 2015.
E m comunicado de imprensa, o FSDEA refere que foi realizada, pelo quarto ano consecutivo, uma auditoria pelas empresas Deloitte e Touche, que realça o alcance de lucros, pela primeira vez, em menos de quatro anos do início das operações, em Outubro de 2012.
A nota sublinha que os rendimentos resultam de uma “política de investimento prudente e do retorno positivo dos investimentos no ramo da agricultura e das infra-estruturas”.
Em 2016, os activos totais do FSDEA passaram de 4,75 mil milhões de dólares (3,9 mil milhões de euros), em 2015, para 4,99 mil milhões de dólares (4,1 mil milhões de euros), em 2016, tendo 58% da carteira total sido dedicada a activos na África subsariana, 10% na América do Norte, 12% na Europa e 20% no resto do mundo.
Os investimentos líquidos espelham ainda um resultado de 22 milhões de dólares (18,4 milhões de euros), enquanto os investimentos líquidos de rendimento fixo estão avaliados em 1,1 mil milhões de dólares (920,6 milhões de euros), representando 22% da carteira total.
Relativamente aos investimentos líquidos de rendimento variável estão avaliados 695 milhões de dólares, uma representatividade de 14% da carteira total, e os investimentos de “private equity” (participações privadas) aumentam, desde 2015, 0,26 mil milhões de dólares.
De acordo com o comunicado, os principais ganhos dos sete fundos de investimentos dedicados a ‘private equity’ registam-se no Fundo para Agricultura (0,11 mil milhões de dólares) e no Fundo para Infra-estrutura (0,18 mil milhões de dólares), que contrapõem a depreciação de capital de 30 milhões de dólares registadas nos cinco fundos restantes.
Dos 2,7 mil milhões de dólares dedicados a investimentos de ‘private equity’, 433 milhões de dólares estão investidos em Angola e na região da África subsariana, estando as despesas internas de operação 40% mais baixas que as de 2015.
O FSDEA informa ainda que em 2016, não foi realizada nenhuma dotação adicional de capital pelo executivo angolano.
No que diz respeito aos resultados alcançados, o presidente do Conselho de Administração do FSDEA, José Filomeno dos Santos, citado no comunicado, destaca o facto de aquele principal fundo do país ter alcançado a rentabilidade financeira em menos de três anos de actividade, “apesar do contexto difícil de investimento que se regista internacionalmente desde 2013”.
Para José Filomeno dos Santos, “os ganhos de capital dos activos do FSDEA confirmam um progresso inquestionável na implementação da política de investimento traçada pelo executivo angolano”.
“Orgulhamo-nos pela valorização registada nos investimentos de ‘private equity’ nos ramos da infra-estrutura e da agricultura, onde predominam activos importantes para a República de Angola, como o primeiro porto de águas profundas de Cabinda e as fazendas agro-pecuárias de larga escala”, disse o responsável, acrescentando que, em 2016, estes activos contribuíram bastante para os resultados líquidos do FSDEA.
O comunicado refere que, em 2015, o FSDEA foi autorizado pelo Ministério das Finanças de Angola a implementar um processo gradual de adopção das Normas Internacionais e Relato Financeiro (IFRS), um processo concluído em 2016.
“O Fundo Soberano de Angola é a primeira instituição angolana a demonstrar o elevado nível de exigência, divulgação e transparência imposto pelas Normas Internacionais de Relato Financeiro”, realça a nota.
No âmbito da acção social, o FSDEA dedica até 7,5% do seu capital para programas nessa área, “que têm produzido ganhos socioeconómicos para diversas comunidades e regiões de Angola”, através apoios à organizações não-governamentais que operam nos ramos da formação profissional, auto-sustento, acesso à água e serviços de saúde, que beneficiam populações de zonas remotas e periurbanas de Angola.
“Durante os próximos anos, alcançaremos uma valorização crescente dos fundos de ‘private equity’ nos ramos da infra-estrutura e da agricultura e prevemos que os restantes cinco fundos alcançarão o equilíbrio financeiro”, disse José Filomeno dos Santos.
“Em geral, o Fundo Soberano de Angola apresenta hoje resultados satisfatórios, face ao contexto macroeconómico nacional difícil, marcado pela desvalorização da moeda e a volatilidade do preço internacional do petróleo bruto”, salientou o responsável, observando que o fundo “já se encontra bem posicionado para continuar a crescer”.
“Panamá Papers”… Luanda
O escândalo que ficou conhecido como “Panamá Papers”, pois teve como peça-chave a empresa panamiana, Mossack Fonseca, teve a sua investigação conduzida ao longo de um ano pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (International Consortium of Investigative Journalists, ICIJ), pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” e por mais de uma centena de outros órgãos de comunicação social.
Dentre os nomes de altos dignitários aparece somente um político dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Alguém adivinha quem é? Se o leitor pensou em José Maria Botelho de Vasconcelos, ministro do Petróleo de Angola, acertou. E ele não foi apenas meramente citado na investigação. O “rei do petróleo angolano” é destacado como um dos principais agentes no esquema de corrupção pelo cargo e por uma vasta rede de influência no mundo petrolífero.
O facto é importante porque legitima o que vários jornalistas e activistas de Angola dizem há anos: o governo de José Eduardo dos Santos é altamente corrupto e utiliza a cadeia do petróleo para drenar recursos em benefício próprio. A investigação como a do “Panamá Papers”, revelou ao mundo o que verdadeiramente ocorre em Angola, corrobora maciçamente com o que os angolanos e observadores estrangeiros têm afirmado ao longo dos anos: o petróleo do país deixou de financiar a guerra civil para enriquecer uma nova elite corrupta.
E não é somente o “braço direito” do presidente Eduardo dos Santos que parece estar envolvido nas revelações do “Panamá Papers”, pois o Fundo Soberano de Angola (FSDEA) também está ligado a essa teia de corrupção global. O FDSEA, que tem as suas receitas provenientes da Sonangol (aí está novamente a indústria petrolífera e Isabel, a irmã de José Filomeno do Santos), já era alvo de inúmeras suspeitas de lavagem de dinheiro, nepotismo e irregularidades financeiras.
Nas investigações divulgadas há um claro indício de lavagem de dinheiro, onde milhões e milhões de dólares foram investidos no Banco Kwanza sem praticamente nenhum sistema de transparência ou auditoria, e essas quantias foram repassadas a destinatários até então desconhecidos.
Até quando esta situação vai permanecer? É uma pergunta de extrema importância que os cidadãos angolanos devem ter em mente, pois as bombas atómicas vão continuar a cair até que algo seja feito. O fortalecimento das instituições públicas e dos preceitos da democracia é um passo importante. Já que a elite política e económica de Angola não se preocupa com o povo, parece que vamos ter um longo caminho até que a situação acabe.»
Se Sua Excelência o Presidente da República quiser, o Folha 8 poderá remeter-lhe o que escreveu sobre este e outros temas que, hoje, merecem a sua concordância mas sobre os quais esteve em silêncio quando éramos (com a sua conivência) atirados às feras.
Folha 8 com Lusa
Muito bem. Profético.