Angola nega violência contra congoleses

O Governo angolano insistiu hoje que “são completamente falsas” as afirmações sobre “massacres, sevícias e violações” praticadas por autoridades ou populares a migrantes ilegais, afirmando que qualquer situação “menos correcta” que tenha ocorrido “não foi orientação das autoridades”.

Esta posição oficial foi tomada pelo ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República de Angola, Pedro Sebastião, refutando quaisquer actos de violações dos direitos humanos de migrantes ilegais no âmbito da “Operação Transparência”, número que, disse, atingiu já os 380.000 expulsos.

Segundo o governante, que falava em conferência de imprensa no Posto de Fronteira do Chissanda, município do Chitato, província angolana da Lunda Norte, a “Operação Transparência”, que teve início a 25 de Setembro, registou já o “repatriamento voluntário de mais de 380.000 cidadãos estrangeiros”.

Pedro Sebastião referiu também que a operação, que decorre nas províncias da Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Bié, Malanje, Cuando-Cubango e Uíge, visa “somente repor a legalidade no que respeita a comercialização de diamantes e normalizar a circulação de pessoas e bens”.

“São nessas províncias onde se fazem sentir a emigração ilegal e a pilhagem dos nossos recursos naturais sem quaisquer contrapartidas para o erário público”, disse.

Falando na conferência de imprensa, que decorreu na zona fronteiriça com a República Democrática do Congo (RD Congo), de onde chegam relatos de supostas “agressões e maus-tratos” de congoleses oriundos de Angola, Pedro Sebastião assegurou que tais informações “são tendenciosas”.

Para o ministro de Estado da Casa Militar do Presidente angolano, a operação “não tem por base qualquer motivação ou sentimento xenófobo contra cidadãos de países vizinhos ou de qualquer país vizinho”.

“A Constituição atribui ao Estado angolano como uma das suas tarefas fundamentais a promoção e protecção do ambiente e dos recursos naturais, determinando as condições para a sua concessão, pesquisa e exploração nos termos da lei”, referiu.

Por isso, salientou, “deve ser entendida como sendo legítima” a “Operação Transparência”, cujo objectivo primordial é “criar as condições para o controlo efectivo de uma das riquezas do subsolo” angolano.

“Não foram praticados quaisquer actos de violência por parte das autoridades militares ou policiais susceptíveis de serem classificados como violação dos direitos humanos contra cidadãos da RD Congo”, insistiu.

O governante angolano argumentou também que os cidadãos da RD Congo têm vindo a abandonar o território angolano “face às medidas tomadas”, que levaram ao encerramento de “mais de 231 casas de compra e venda de diamantes e de 90 cooperativas” e apreensão de “mais de 17.000 quilates de diamantes”.

“Assim põe-se termo ao tráfico e à exploração ilegal de diamantes. É lógico que, tendo deixado de existir as condições que mantinham os emigrantes no nosso território, os mesmos tenham optado por regressar ao país de origem” realçou.

Questionado pela agência Lusa se em momento algum no quadro da operação se registaram incidentes entre efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA), da Polícia Nacional e cidadãos congoleses, o ministro disse que “não há registos dessas ocorrências”.

“É natural que, eventualmente, numa operação desta envergadura que um policial, que um militar, possa ter uma atitude menos correcta, é absolutamente normal, mas que não é do nosso conhecimento, pois não é orientação específica das autoridades do nosso país”, explicou.

Em relação às imagens difundidas pelas redes sociais e em alguns órgãos de comunicação de “violência sobre supostos cidadãos congoleses”, assegurou que as mesmas “são descontextualizadas” e “não correspondem à realidade dos factos relacionados com a operação”.

“Não houve cidadãos estrangeiros ou nacionais molestados, nem existiu qualquer apreensão de haveres pessoais”, garantiu o também coordenador da operação.

Na ocasião, o ministro assegurou ainda o propósito do Governo angolano em “manter relações de amizade e de boa vizinhança com a RD Congo”, para que se “contribua para a sua paz, estabilidade e segurança internas”.

O outro lado da história

Recorde-se que migrantes congoleses e fontes oficiais disseram que dezenas de pessoas foram assassinadas este mês em Angola, num acto de repressão contra a extracção artesanal de diamantes, uma acusação que as forças de segurança negaram veementemente.

Angola, o quinto maior produtor de diamantes do mundo, lançou uma operação nas últimas semanas para afastar dezenas de milhares de pessoas envolvidas na extracção de pedras preciosas no Noroeste do país com o objectivo de atrair mais investimento privado.

Muitos são oriundos da vizinha RD Congo e centenas de milhares convergiram na fronteira da região de Kasai, disseram os guardas de fronteira à Reuters.

Em entrevista à Reuters, mais de 20 migrantes congoleses que atravessaram a fronteira entre 4 e 12 de Outubro descreveram a violência, a pilhagem e o deslocamento forçado por parte das forças de segurança angolanas, mas também da tribo local Tshokwe.

Os actos violentos mais graves, disseram, ocorreram na cidade de Lucapa, localizada 100 quilómetros a sul da fronteira com a RD Congo e que fica no centro da província Lunda Norte, rica em diamantes.

As forças de segurança angolanas invadiram a cidade, de acordo com 15 testemunhas, e mataram dezenas de pessoas, queimaram casas, pilharam bens e forçaram as pessoas a abandonar a cidade. As testemunhas acrescentaram que algumas das pessoas estavam a residir legalmente em Angola.

“Houve muita violência em Lucapa. Os militares disparavam contra nós enquanto os Tshowke matavam pessoas com machetes. Em conjunto, mataram mais de uma dezena de pessoas”, disse Victor Tshambapoko, 28 anos, que trabalhava como escavador de diamantes na região.

O Comissário da Polícia, António Bernardo, porta-voz da operação, negou que tenha havido abuso de direitos por parte das forças de segurança e disse que a única fatalidade de que tinha conhecimento era de um acidente de viação.

“Não temos registo de casas queimadas, e muito menos de represálias e/ou ataques contra alguém”, disse à Reuters.

“Angola e o seu governo apelam ao senso comum da comunidade internacional para que perceba que não existe xenofobia subjacente, mas apenas a normalização legítima da vida socioeconómica do país e da segurança nacional”, afirmou

Amadhou Kabakese Taty, director da província de Kasai para a Agência da Fronteira Congolesa (DGM), disse à Reuters que acreditava que existiram “graves violações dos direitos humanos” durante a operação angolana.

“Estou preocupado com esta situação”, disse. “Os congoleses foram expulsos em condições degradantes. Foram violentados, agredidos e assassinados pela polícia militar angolana, especialmente em Lucapa.”

Uma reforma na indústria dos diamantes faz parte dos planos do Governo de João Lourenço, e a “Operação Transparência” na Lunda Norte tem como objectivo reduzir o tráfico de diamantes e angariar lucros para os cofres do Estado.

Vários imigrantes congoleses disseram que as autoridades angolanas lhes deram até 15 de Outubro para abandonar o país. Representantes dos guardas de fronteira disseram que a operação angolana começou a 1 de Outubro.

Fontes das forças de segurança na RD Congo e em Angola já disseram estar preocupadas com o escalar da tensão na região antes das eleições congolesas em Dezembro.

Um repórter da Reuters viu em Kamako, uma cidade fronteiriça congolesa, milhares de pessoas a deslocarem-se a pé ou em camiões na estrada de terra vermelha que vai em direcção a Tshikapa, a capital da província de Kasai a 50 quilómetros para norte.

Homens e mulheres exaustos descansavam à beira da estrada, lavavam-se no rio ou colhiam mangas de árvores gigantes para se poderem alimentar durante uma viagem que dura até uma semana. Muitos carregavam objectos domésticos, incluindo cadeiras de plástico, colchões, animais e até fornos. Alguns disseram ter também diamantes em sua posse.

Folha 8 com Lusa

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