42 anos depois a culpa ainda é dos portugueses?

Mais de metade dos habitantes de seis localidades do sul de Angola nunca foi a uma consulta, por falta de posto médico, concluiu o Relatório sobre Avaliação Participativa da Pobreza 2017. Mas, noutras frentes, sabe-se por exemplo que em Mbanza Congo há um elevado número de professores com um nível académico muito baixo, da quinta classe.

O levantamento efectuado em zonas rurais das províncias da Huíla e do Namibe, é da autoria da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese do Lubango, província da Huíla, e incide ainda sobre o direito à Educação, ao Registo de Nascimento e acesso à água.

Na província da Huíla o estudo incidiu em localidades dos municípios da Humpata (comuna de Caholo), Lubango (comuna do Hoque), Quipungo (setor do Nkondo da Handa), Caconda (comuna do Waba), Matala (comuna do Micossi) e no Namibe, município da Bibala, comuna do Caitou, totalizando 470 pessoas auscultadas.

De acordo com o relatório, apenas a comuna do Micossi tem dois postos de saúde privados, pelo que as restantes localidades não têm serviços públicos de saúde, sendo que as pessoas percorrem longas distâncias em busca de assistência médica e medicamentosa.

“O facto de não ter postos de saúde público nas aldeias tem como consequência directa que uma percentagem muito alta dos moradores, acima de 50% na maioria das localidades, nunca fez uma consulta”, tratando-se de “um grave problema de saúde pública”, alerta o documento.

Detectou-se em algumas comunidades, lê-se ainda, “elevados índices de gravidez precoce, onde os inquiridos reclamam a necessidade de educação sexual”, situação descrita como “grave”, sobretudo devido ao “elevado risco de morte” a que ficam expostas.

Em relação ao direito à Educação, sem avançar números, o relatório conclui que “muitas crianças” continuam fora do sistema de ensino, sendo que entre as seis analisadas, apenas quatro localidades têm escola do ensino primário e na sua maioria de “construção precária”.

Para dar continuidade aos estudos, refere o documento, as crianças têm de percorrer longas distâncias, mais de 15 quilómetros, e como consequência muitos ficam fora do sistema de ensino. Assim, a taxa de frequência escolar para o ensino primário na área rural é de 56% e no ensino secundário é de 13,5%, adianta o estudo.

A falta de merenda escolar e de material didáctico são outros constrangimentos registados pelo estudo nas referidas localidades.

No domínio do acesso à água, o Relatório sobre Avaliação Participativa da Pobreza 2017 sublinha que as comunidades não têm água potável canalizada e a maioria consegue água não tratada nos rios, lagoas e cacimbas.

“Isto tem como consequência a persistência das doenças diarreicas e febre tifóide”, aponta o relatório, adiantando também que “a maioria dos participantes na avaliação nunca ouviu falar do programa “Água para todos”, do Governo angolano.

No que diz respeito ao direito à identidade – registo de nascimento – o estudo assinala que a maioria dos habitantes das comunidades avaliadas possui registo de nascimento, mas em algumas delas como no Micossi e Waba a “situação é ainda preocupante”.

Porque, observa, “mais de 60% da população não tem registo de nascimento ou bilhete de identidade”, o que se deve ao facto de os locais de registo estarem “distantes das comunas e não recebem habitualmente a assistência das brigadas móveis”.

Extensão da campanha de registo civil, maior investimento na área da saúde nas zonas rurais para construção de postos médicos nas comunidades, realização de campanhas de educação sexual e planeamento familiar são algumas das recomendações da Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica na Huíla.

Por outro lado, a capital da província angolana do Zaire, Mbanza Congo, apresenta um elevado número de professores com um nível académico muito baixo, da quinta classe, concluiu o Relatório de Monitoria Social 2017.

O relatório, elaborado pelo Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA), incide a sua abordagem nos municípios de Mbanza Congo, província do Zaire, Negage, província do Uíge, Cubal e Balombo, província de Benguela, e Cela e Cassongue, província do Cuanza Sul.

A monitorização da administração e finanças, educação, saúde, cultura, desportos e lazer e ainda de obras inscritas nos Programas de Investimentos Públicos (PIP) e o Programa Municipal Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza (PMIDRCP) foram as áreas de estudo do relatório anual do CICA.

De acordo com o estudo, a alocação de verbas para educação nos seis municípios alvo da pesquisa “varia entre 63% e até 1%, como Mbanza Congo, Negage e Balombo”, dados considerados preocupantes tendo em conta que “põem em risco o acesso à educação das crianças” destas localidades.

No município do Cassongue, aponta o relatório, 47% das escolas são provisórias, funcionando apenas uma escola para 1.412 alunos matriculados. Este dado, explica a pesquisa, “dá uma ideia das condições em que estudam muitas das crianças nos municípios, lotadas e com escassas condições”.

O município do Mbanza Congo, refere o documento, “poderia ter oportunidade de recrutar pessoal mais qualificado, por apresentar o maior número de professores com nível académico mais baixo, fixado em 23 profissionais”.

A pesquisa recomenda por isso ao governo provincial do Zaire para que proceda à “actualização permanente dos conhecimentos dos professores com baixo nível académico”.

No capítulo da saúde, o Relatório de Monitoria Social 2017 aponta que nos seis municípios alvo da pesquisa regista-se inexistência de uma planificação com base na densidade populacional.

“Porque o Cubal, que é o município com mais habitantes dos aqui analisados, tem o rácio mais alto com apenas 22 unidades sanitárias em comparação com as 44 da Cela, que tem menos habitantes”, explica o relatório.

Quanto à componente de monitorização de obras, entre as 45 analisadas apenas 16 foram concluídas e 29 ficaram paralisadas por falta de verbas. Destas, apenas 15 possuíam placas descritivas.

A pesquisa aponta ainda a escassez de infra-estruturas para lazer e desporto nos referidos municípios angolanos, devido ao baixo nível de investimento das administrações municipais, recomendando “alocação de verbas destinadas à construção/reabilitação de infra-estruturas”.

Folha 8 com Lusa

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