Três, dois, um… Laúca

O Presidente angolano deverá inaugurar amanhã, sexta-feira, a barragem de Laúca, na província de Malanje, considerada a maior obra pública de Angola e a última grande empreitada de José Eduardo dos Santos enquanto chefe de Estado, cargo que ocupa há 38 anos.

Fonte do Ministério da Energia e Águas confirmou a inauguração (inicialmente prevista para 21 de Julho) do Aproveitamento Hidroelétrico de Laúca, no rio Kwanza, que desde o mês de Julho produz, em fase de testes, 334 MegaWatts (MW) de electricidade, com a primeira de seis turbinas.

Trata-se de uma obra a cargo da construtora brasileira Obebrecht, que ainda subcontratou várias empresas de origem portuguesa, casos da Somague Angola, Teixeira Duarte, Epos, Tecnasol e Ibergru, com mais de 250 trabalhadores.

Localizada entre as províncias do Cuanza Norte e Malanje, aquela barragem foi encomendada pelo Estado angolano por 4,3 mil milhões de dólares (3,6 mil milhões de euros), envolvendo financiamento da linha de crédito do Brasil, movimentando cerca de 9.000 trabalhadores.

A barragem será a última grande obra pública inaugurada por José Eduardo dos Santos, no poder em Angola desde 1979, e que não se recandidata ao cargo nas eleições gerais de 23 de Agosto, mas que se manterá à frente do MPLA partido no poder desde 1975.

Desde 11 de Março – na altura também na presença do chefe de Estado -, que o enchimento em Laúca condicionou a operação nas restantes barragens já instaladas no rio Kwanza, devido ao reduzido caudal, limitando o fornecimento de electricidade da rede pública a Luanda, por norma, a poucas horas por dia.

Em quatro meses está previsto que a barragem de Laúca atinja a quota 830, equivalente a uma albufeira com um volume de água de mais de 2.500 milhões de metros cúbicos, sendo por isso a maior em Angola.

O enchimento da barragem de Laúca só terminará em 2018, com a elevação até à quota 850, completando o reservatório na sua totalidade e permitindo a entrada em funcionamento das seis turbinas que estão instaladas e uma produção de cerca de 2.070 MW de electricidade, mais do dobro da capacidade das duas barragens – Cambambe (960 MW) e Capanda (520 MW) – já em funcionamento no rio Kwanza.

Só em betão, esta obra envolve o equivalente à edificação de 40 estádios de futebol, 2.800 casas ou 465 edifícios de oito pisos, explicou anteriormente fonte da Odebrecht.

A implementação dos seis geradores que vão produzir electricidade implicou a construção de outros tantos túneis numa extensão total de 12 quilómetros, além de um desvio do rio Kwanza.

Esta construção envolverá 30.000 toneladas de aço nas montagens electromecânicas, o equivalente à construção de cinco torres Eiffel, além de 22.000 toneladas de cimento por mês.

Muita água por baixo das pontes

Em Abril de 2015, o Governo do MPLA (não poderia ser outro porque desde a independência só ele domina o executivo) chamou uma empresa privada para estudar a potencialidade e viabilidade de novos projectos de produção hidroeléctrica no país.

Segundo o despacho presidencial de 8 de Abril desse ano, o Ministério da Energia e Águas foi autorizado a celebrar um Memorando de Entendimento com a empresa Organizações Mário Freitas & Filhos, para a realização em conjunto de estudos preliminares de viabilidade para projectos de infra-estruturas eléctricas nos domínios de Produção, Transporte e Distribuição.

“Tendo em conta a existência em Angola de um potencial hidroeléctrico elevado e a possibilidade de serem consideradas ampliações na capacidade de geração de energia hidroeléctrica”, lê-se no documento.

Além disso, o Governo reconheceu neste projecto, sem valor de investimento indicativo, a “necessidade de reabilitar e expandir as redes de distribuição de electricidade das sedes municipais e implementar os projectos de electrificação rural”.

Angola, referiu-se na altura, precisava de mais do que duplicar a capacidade de produção de electricidade instalada no país, para cerca de 5.000 MegaWatts (MW), para responder a um crescimento de 12% ao ano no consumo.

Os números foram, na altura, transmitidos pelo ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, tendo então admitindo que a potência instalada, de 2.162 MW, não era suficiente para responder ao consumo real.

“E estes números não incluem fontes térmicas privadas [geradores] que as pessoas usam para garantir o fornecimento próprio, porque são equipamentos importados e que não estão identificados. Daí que estes 5.000 MW sejam uma estimativa das nossas reais necessidades”, assumiu o ministro.

Na prática, este défice provoca sistemáticos cortes no fornecimento de electricidade à população, face ao aumento do consumo, explicado com o registo de subida das temperaturas no país, além da reduzida taxa de cobertura do território.

O plano de reforço da capacidade instalada em Angola envolveria – dizia o Governo em 2015 – até 2017, a ampliação da barragem de Cambambe, a construção da barragem de Laúca (ambas na província do Cuanza Norte) e da Central do Ciclo Combinado do Soyo (província do Zaire), permitindo atingir a produção considerada necessária para assegurar os consumos de uma população de 24,3 milhões de pessoas.

Cambambe aí está

Abarragem de Cambambe iria produzir em Dezembro de 2015 960 MegaWatts de electricidade, com a conclusão das obras de reforço, empreitada que conclui um projecto iniciado no tempo colonial português. Começou a ser construída em 1958 e foi inaugurada a 6 de Outubro de 1963 pelo então Presidente da República português, Américo Thomaz.

A informação foi prestada no dia 4 de Novembro de 2016 pelo director em exercício daquela barragem, Ernesto Costa, dando conta que o aproveitamento hidroeléctrico já estava a funcionar a “mais de 60% da exploração”, com o aproximar da conclusão das obras de alteamento e reforço da potência, a cargo dos brasileiros da Odebrecht.

“De acordo com o andamento das obras, a previsão é para Dezembro de 2016 conseguirmos atingir os 960MW, que são os 100% programados para o aproveitamento hidroeléctrico”, disse o responsável da barragem, na província do Cuanza Norte.

Construída pela Hidroeléctrica do Zêzere e de investimento totalmente privado, a barragem surgiu face à negociação para a instalação em Angola de uma fábrica de alumínio, com elevadas necessidades de consumo de electricidade.

A instalação acabou por não se concretizar e a construção que já estava em curso parou sem que fosse concluído o projecto inicial, ficando-se a barragem pela quota de 102 metros (acima do nível do mar) e com quatro grupos geradores (dois só foram instalados em 1969) num total de 180 MW, para garantir os consumos de Luanda.

A conclusão da barragem, com o seu alteamento e reforço da potência, chegou a estar prevista para 1975 e depois para 1982, mas a situação política e de conflito armado no país nunca permitiu retomar a empreitada.

A barragem de Cambambe manteve-se inalterada até 2007, quando o Governo decidiu completar o projecto inicial, aumentando a produção dos então 90 MW – capacidade que era mais baixa do que a inicial devido à falta de manutenção – para 960 MW, num investimento de 1,4 mil milhões de dólares em três fases, a cargo da construtora brasileira Odebrecht.

“Foram feitos os estudos e chegou-se à conclusão que o estado da barragem era tão bom que permitia esse alteamento. Estamos a falar de uma barragem com 50 anos e subi-la mais 30 metros”, explicou em 2015 o engenheiro português Luís Pereira, responsável de projecto da Odebrecht.

A primeira fase da obra, que arrancou em 2009 e que nunca impediu a produção de electricidade, implicou a reabilitação dos quatro grupos geradores já então com praticamente meio século de funcionamento, voltando a colocar a potência de produção em 180 MW.

Seguiu-se a empreitada de alteamento, acrescentando 30 metros à altura da barragem, conforme previsto no projecto original português, o que por si só garantiria elevar essa produção para 260 MW.

“Basicamente estamos a cumprir o projecto inicial, porque esta barragem, quando foi projectada, já foi para esta quota [130 metros] e para estes parâmetros”, referiu o responsável da obra.

A terceira fase envolveu a implementação de uma nova central, com quatro geradores e um total de 700 MW.

Dois destes grupos geradores já entraram em funcionamento, operações que têm levado a vários cortes no abastecimento de electricidade a Luanda e outras províncias do norte de Angola.

Com estes trabalhos, a área de albufeira do Kwanza vai passar de 1,5 para cerca de seis quilómetros quadrados, com o lago a terminar a três quilómetros do paramento da barragem, o dobro do actual.

Folha 8 com Lusa

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One Thought to “Três, dois, um… Laúca”

  1. Nelson Amaral

    Não creio muito que a albufeira não esteja ainda cheia, acho que deveria se pensar se o actual ministro deve ou não continuar. Mas outra coisa que eu estou amar é energia que nunca mais foi!

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