Instalado no Palácio Presidencial, João Lourenço, deveria em primeira instância, recuperar todo o dinheiro da mega fraude luso-angolana que foi a falência do Banco Espírito Santo em Portugal e do seu associado em Angola, o BESA (BES Angola). Ao longo de anos, o BES concedeu empréstimos sem garantias a personalidades ligadas ao MPLA, entre os quais o próprio João Lourenço.
Por Orlando Castro
João Lourenço, como escreveu ontem, no jornal português Público, o académico Eugénio Costa Almeida, lançou com todas as parangonas supostamente patrióticas “o repto aos capitais nacionais expatriados retornarem a Angola, numa primeira fase, sem custos ou penalizações, para serem reinvestidos em empresas geradoras de bens, de serviços, indústrias e outras para benefício dos angolanos”.
Em artigo publicado no Folha 8 em 21 de Setembro, Paulo de Morais (Presidente da portuguesa Frente Cívica) disse que “deve ele próprio (João Lourenço) dar o exemplo e devolver os milhões com que então se abotoou. Os angolanos agradecem! De seguida, Angola poderá pagar a Portugal os mais de cinco mil milhões de dólares devidos por força deste despautério. Os portugueses também agradecem!”.
“Só desta forma se poderá tapar o colossal buraco criado nas finanças públicas de Angola e de Portugal, cujos principais responsáveis são Eduardo dos Santos e o seu cúmplice, íntimo amigo de Marcelo, Ricardo Salgado. Cabe a Marcelo Rebelo de Sousa, presente na posse de João Lourenço, desencadear, a nível diplomático, este assunto”, escreveu então Paulo de Morais.
No topo da lista dos beneficiados com a tramóia do BESA esteva Marta dos Santos, irmã do ex-presidente, que usufruiu dum crédito de 800 milhões de dólares, utilizados em projectos imobiliários em Talatona. Sem quaisquer contrapartidas ou garantias! O conjunto de bafejados pelo BESA com muitos milhões é extenso, com destaque para membros da cúpula do MPLA, para além de João Lourenço, Roberto Almeida, França Ndalu, passando por muitos outros.
Muitas aquisições de angolanos em Portugal terão mesmo sido efectuadas com o capital do BES. A herdade que os filhos de Dos Santos adquiriram perto de Lisboa resultava aparentemente duma entrada de dinheiro angolano. Mas os milhões gastos pertenciam afinal aos depositantes do BES em Portugal.
Em 2013, e face ao escândalo que esta situação provocou em Lisboa e Luanda, o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responsável maior de toda esta burla, deslocou-se ao Palácio Presidencial angolano, onde Eduardo dos Santos lhe terá prometido uma garantia soberana do Estado de cerca de cinco mil milhões de dólares. Este montante destinar-se-ia a pagar, com dinheiro do povo angolano, todo este regabofe de créditos sem garantias para os protegidos do regime; seria ainda uma forma de branquear todas estas irregularidades. Este encontro motivou primeiras páginas de jornal, do “Expresso” de Lisboa ao subserviente “Jornal de Angola”, em Luanda.
João Lourenço tem-se dedicado a lançar para a ribalta mediática uma série de “sound bites”, de ideias, de decisões que ficam no ouvido mas que ninguém cuida de saber se podem ser exequíveis ou se ele tem autoridade moral e ética para as colocar como sendo uma espécie de obra-prima do mestre. Bem vistas até serão mais as primas do mestre de obras.
Veja-se que os vocábulos “exoneração”, “mudança” e “divisas”, apesar de vulgarizados há cerca de dois meses, lideram a lista de preferências dos internautas angolanos para a escolha da Palavra do Ano 2017. O rótulo, a embalagem, o acessório continuam a ser – sobretudo para os opinantes públicos – mais importantes do que o conteúdo, do que o essencial.
Do ponto de vista ético, alguém conhece a declaração de rendimentos de João Lourenço, bem como do seu património, incluindo rendimentos brutos, descrição dos elementos do seu activo patrimonial, existentes no país ou no estrangeiro, designadamente do património imobiliário, de quotas, acções ou outras partes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, carteiras de títulos, contas bancárias a prazo, aplicações financeiras equivalentes?
Do ponto de vista ético, alguém conhece a descrição do seu passivo, designadamente em relação ao Estado, a instituições de crédito e a quaisquer empresas, públicas ou privadas, no país ou no estrangeiro?
Do ponto de vista ético, alguém conhece a declaração de cargos sociais que exerce ou tenha exercido no país ou no estrangeiro, em empresas, fundações ou associações de direito público?
Isto é o essencial. O acessório é tudo o resto.
Gay Talese (esse perigoso inimigo dos regimes totalitários) no livro “The Kingdom and the Power” (“O Reino e o Poder”), publicado em 1971, disse que “o papel da imprensa, numa democracia, é atravessar a fachada dos factos”.
Por outras palavras, ao contrário dos “opinion makers”, e citando Gay Talese, cabe ao jornalista procurar incessantemente a verdade e não se deixar pressionar pelo poder público ou por quem quer que seja. Não interessa se as opiniões são do Secretário-Geral da ONU, da Rainha de Inglaterra, do Presidente da República de Portugal ou do novo “dono” de Angola, de seu nome João Lourenço.
Ou, segundo o jornalista inglês Paul Johnston, o jornalismo sério, objectivo e imparcial sabe “distinguir entre a opinião pública, no seu mais amplo sentido, que cria e molda uma democracia constitucional, e o fenómeno transitório, volátil, da opinião popular”.
Falar hoje disto é desafiar uma regra basilar do regime angolano e que ainda não foi exonerada (até prova em contrário todos somos… culpados), é algo que desagrada aos poderes políticos de Angola. Nós sabemos e é por isso que tentamos “atravessar a fachada dos factos”…
informação com verdade e isenta, somente não vê os factos quem realmente não os quer ver por opção cegamente falando…