É possível vermos nas imagens que ilustram este texto um juiz, sim, o juiz Januário Domingos, o mesmo que me condenou, com mais 16 companheiros, no «Processo 15+Duas». Sorridente, enquanto lhe são exibidos instrumentos de repressão usados contra os reclusos nas cadeias para onde os juízes remetem os condenados, e a sua cifra de condenados nas cadeias é altíssima.
Por Sedrick de Carvalho
Ao longo dos estudos de Direito Penal tem sido bastante discutida sobre quais as finalidades das penas aplicadas em processos penais, sendo que actualmente a doutrina adoptou duas finalidades: as penas devem ser medida de prevenção especial, ou seja, direccionada ao infractor com intuito não apenas de o punir mas também e sobretudo de reabilitar o criminoso; e a outra medida é a de prevenção geral que visa dissuadir acções futuras de potenciais criminosos por meio da intimidação e, ao mesmo tempo, transmitir segurança à comunidade.
E isto faz-se por meio da publicidade dos processos penais, aspecto também discutível pois a publicidade dos processos penais não tem servido para reduzir a criminalidade em vários países, pelo que esta questão apenas é consensual nos casos em que envolvam menores de idade e, neste ponto, está claro que não se deve divulgar os seus processos à luz do princípio do interesse superior da criança e com fundamento no artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, que determina: “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.
Salientamos a finalidade das penas para que reparemos no interesse evidenciado pelo juiz nas imagens quanto aos instrumentos de repressão usados contra os reclusos nas unidades prisionais de Angola. O normal seria um juiz prestar atenção às técnicas usadas para reabilitar as pessoas que para as cadeias envia ao condená-los. Constatar se há prestação de assistência médica, psicológica, o funcionamento do sistema escolar, os cursos técnicos, práticas desportivas, e sistema de compartimentação, em suma, ver se lei 8/08, de 29 de Agosto – Lei Penitenciária – tem sido aplicada e avaliar se tem sido respeitado os Direitos Humanos previstos na Constituição da República de Angola, na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e ainda na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isto deveria fazer um juiz!
O nível de degradação é tanto que assistimos a um juiz a ejacular só por pegar um instrumento usado para torturar reclusos. Talvez até tenha pedido para ver um recluso ser torturado. Talvez! E isto faz-me lembrar um agente da Alemanha Nazi de Hitler. Os militares destacados nos campos de concentração apenas recebiam ordens para torturar os presos e nunca para suspender a tortura. Quando lhe perguntaram em que momento parava, o agente respondeu que só terminava quando ejaculava.
Ou seja, torturar era sexualmente excitante que só acabava quando se sentisse satisfeito também sexualmente.
O referido agente contou ainda, no livro “As origens do totalitarismo”, de Hannah Arendt, que não conseguia comer sempre que se sentava à mesa com a família e, portanto, preferia regressar ao posto de trabalho e lá espancava mais os prisioneiros.
Januário Domingos talvez seja assim. Provavelmente ejacula sempre que recebe a garantia de que um dos seus condenados é eficazmente torturado nas cadeias putrefactas do país, e que, portanto, para tal acção há instrumentos cada vez mais sofisticados às mãos dos agentes prisionais que executam as sentenças por ele ditadas.
Mas, pela forma como sorri ao olhar os instrumentos de tortura e desrespeita todas as leis e princípios básicos de Direito ao longo dos julgamentos que realiza – para além de me julgar, já assisti a outros antes da prisão enquanto jornalista -, talvez não sinta o mínimo de vergonha e senta-se à mesa na maior tranquilidade com a família.
Quem lhe exibe os materiais é o director-geral dos serviços penitenciários, António Joaquim Fortunato. Este é formado também em Direito, e foi professor, tal como o juiz – talvez ambos ainda sejam. Não se sabendo quais dos dois desaprendeu mais sobre Direito, o certo é que complementa-se no exercício de tortura gratuita aos presos. O carcereiro-principal, como nos contaram agentes a si subordinados, elogia publicamente quem mais e melhor fustiga os presos, ainda que sejam os “pele e osso” que estão mais mortos do que vivos.
O primeiro contacto que tive com António Fortunato foi quando eu estava na primeira cela de isolamento, e me encontrou a lavar as tigelas por cima da sanita – não tinha outro lugar. Como uma vasta equipa invadiu o exíguo espaço que superiormente me fora cedido, logo lhe disseque era uma honra recebe-lo ali. Logo começamos a falar sobre questões jurídicas e apresentei-lhe vários argumentos e inclusive citei o actual presidente do Tribunal Constitucional de Angola – os advogados tinham feito esse trabalho – para destacar que a prisão preventiva naquela situação era ilegal. Fortunato, sem argumentos, preferiu repetir por quatro vezes que existiam outras normas que me mantinham ali sem, no entanto, dizer quais eram.
E assim percebemos o quanto o Estado investe na musculatura e não em ciência. Prefere pagar a dois defensores do atraso intelectual e os tem em elevada estima, porque se fosse o contrário já estariam demitidos depois das inúmeras denúncias feitas contra ambos. Mas sabemos que neste aspecto o regime tem sido coerente consigo mesmo: a sua consistência reside no uso da força e não da racionalidade.
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