VEJA A OPINIÃO DE WILLIAM TONET. João Lourenço continua a facturar forte na simpatia dos angolanos. Está a mudar, com rapidez embora nem sempre com qualidade, os acólitos de José Eduardo dos Santos pelos seus próprios acólitos, alguns que até há pouco tempo estavam do lado de Eduardo dos Santos. Tudo normal. Como muito bem diz o Povo, as moscas estão a mudar… mas o “ambiente” em que elas vivem ainda é o mesmo.
Alguns perguntam onde estava, por onde andava, João Lourenço nos últimos anos da política governativa do MPLA. Estava e andava pela sua casa de sempre, junto dos seus “familiares” e amigos de sempre: Eduardo dos Santos e o MPLA. Isso significa que, com mais ou menos jindungo, os seus pratos são similares aos cozinhados lá por casa.
Aliás, nas exonerações e nomeações que enchem de uma ponta à outra a ementa de João Lourenço, saem elementos do MPLA e entram elementos do MPLA. Pelos vistos, tal como consta do ADN do partido, o MPLA continua a ser Angola e Angola a ser o MPLA. No resto da sociedade, mesmo na que não pertence a nenhum partido, não existem técnicos, gestores, magistrados etc. etc. capazes de integrar o Governo e dirigir as empresas e organismos do Estado.
Tal como aconteceu durante 42 anos, 38 dos quais sob a liderança de José Eduardo dos Santos, em Angola só existe o MPLA. O resto é paisagem.
Assim, estamos a assistir à recriação do Estado/Partido que, de facto, aparece para substituir o regime/Estado. Diferenças? Nenhumas. Não adianta, para acabar com a pena de morte por fuzilamento, substituir os atiradores. Ela só acaba se deixar de haver condenados à morte.
JLo – Setembro de 2016
No dia 17 de Setembro de 2016, nas vestes de vice-presidente do MPLA, João Lourenço, denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano e fundador do partido, na passagem do 94.º aniversário do seu nascimento.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do primeiro Presidente de angolano.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou.
João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o bureau político do MPLA criticou em Julho, duramente, o lançamento em Portugal de um livro sobre aquele partido e o primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.
Em causa estava e está o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.
Carlos Pacheco disse que a obra resulta de uma década de investigação histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA e da fundação com o seu nome.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, lê-se no comunicado de Julho do bureau político.
Na sua intervenção de então, João Lourenço que falava em representação do chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou João Lourenço.
“Em contrapartida”, disse ainda, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Como em 1977, pensar fora do MPLA é perigoso
Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabia, João Lourenço alinhou na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começavam cada vez mais a pensar com a cabeça e não com a barriga… vazia.
Terá hoje, como Presidente da República, João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”. O que terá a dizer sobre isto João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os «inimigos mais perigosos». Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.
Um dos maiores genocidas
Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.
Esta demonstração de força serviu para demonstrar que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é Presidente João Lourenço?
Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..
Muitos acreditaram, em 1979, com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, tal como agora acreditam em João Lourenço, num eventual reencontro com a verdade e a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.
Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, é capaz de tudo: viola a Constituição, as leis, humilha, desonra e assassina, todos quantos não o bajulam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés.
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira–baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, que é parte da história do partido, o MPLA, do qual é vice-presidente.
Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou, muitos de nós, às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.