Se João Lourenço exonerar
os mentirosos, a verdade histórica será restaurada

Em 1991 houve o primeiro acordo de Paz em Angola, entre a UNITA e o MPLA/Governo, no Alto Kauango. Principais protagonistas? Higino Carneiro, Ben Ben e William Tonet. Fez-se História que, desde essa altura, o regime de José Eduardo dos Santos tentou apagar. Não conseguiu. Talvez agora, com um novo Presidente ao fim de 38 anos, a História de Angola deixe de ser a história fabricada por uma parte do MPLA.

Foi um acordo importante e natural, entre angolanos. William Tonet estava a cobrir a guerra dos 57 dias de cerco ao Luena, por parte das tropas da UNITA. Para ele não fazia sentido aquele conflito, na medida em que os políticos já se encontravam a negociar em Portugal, visando um acordo. O prosseguimento da guerra poderia inviabilizar qualquer entendimento seguramente caso as tropas continuassem a procurar vantagens posicionais no teatro das operações e inocentes continuariam a morrer inutilmente.

Foi mesmo por acaso o “encontro rádio” com o general Mackenzie?

Foi por acaso. William Tonet estava preparado para enviar um trabalho para Washington, quando, de repente, teve lugar uma interferência. A voz do outro lado desafiou-o a não reportar só o lado governamental, pois a realidade era outra. O jornalista respondeu que não podia reportar o outro lado ao mesmo tempo, pois estava com as tropas governamentais. Por isso, solicitou então a permissão para ir para o lado onde estava a UNITA. A resposta não foi imediata porque requeria autorização superior. Voltou mais tarde dando o conta do acordo. William Tonet colocou a questão ao general Higino Carneiro, que considerava ser um amigo, e ele anuiu, mas só depois de muitas hesitações, por desconfiar que se podia tratar duma eventual armadilha, pois se acontecesse ao então correspondente da Voz da América (VOA), o governo poderia ser responsabilizado. Mas, depois de alguma insistência do jornalista lá se realizou o combinado ao telefone e Tonet atravessou a linha de fogo, ao encontro do comando geral das FALA/UNITA.

William Tonet foi acompanhado pelas jornalistas Luísa Ribeiro da Lusa e Rosa Inguane de Moçambique que, não tendo participado da iniciativa, apenas testemunharam. Do outro lado Tonet encontrou outro amigo, o general Ben Ben. “Perguntei-lhe se não seria possível um cessar-fogo, já que estávamos a negociar em Portugal. Ele mostrou-se sensível à minha iniciativa e prometeu contactar Savimbi, que na altura estava no exterior de Angola”, recorda o jornalista.

Na madrugada do dia seguinte o próprio Savimbi liga a William Tonet para saber da minha ideia. Mostrou-se muito desconfiado e quase não acreditava na iniciativa, mas deu a sua primeira anuência e Tonet regressa ao lado das FAPLA para negociar com o general Higino e Sanjar, tendo igualmente de fazer o mesmo com o Presidente José Eduardo dos Santos

A ideia de William Tonet não foi uma intromissão, mas uma oportunidade para se calarem as armas. Tinha um argumento de peso para convencer os contendores e transmitir-lhes confiança. Não os trairia, pois era amigo dos generais dos dois ladod: Ben Ben e Mackenzie da UNITA e Higino Carneiro e Sanjar do MPLA/Governo. “Após quatro dias a ir e vir de um lado para o outro e de negociar com as respectivas lideranças conseguimos chegar a um acordo que satisfez as duas partes, E conseguimos parar com a guerra fratricida”, diz Tonet.

Os acordos de Bicesse tiveram lugar a 31 de Maio de 1991, menos que 15 dias depois das tréguas de Alto Kauango. Que benefícios vieram dessas tréguas?

“Os angolanos conheceram muitos benefícios, basta ver como tão rapidamente foi possível assinar em Bicesse, depois de os primeiros acordos de paz terem sido mediados por um angolano. Apesar de considerarem ter sido o de Bicesse, a história reza e continuará a rezar que nunca antes de Kauango os militares da UNITA e do MPLA se haviam sentado a uma mesa para assinar um acordo. Alto Kauango foi a mãe de Bicesse, que o complexo de nacionalismo pretende apagar da história”, afirma William Tonet.

Sendo assim, por que razão ninguém fala dessa basilar e incontornável trégua?

“Quando se diz que ninguém fala, referem-se ao Governo, mas isso está no quadro da lógica da discriminação, tudo porque continuo com ideias próprias, sou um homem de esquerda, autóctone e com cultura do Sul. Logo a política luso-tropicalista surge a querer apagar acontecimentos históricos que não lhe digam respeito. Se fosse um estrangeiro ou um bajulador invertebrado este acontecimento nunca seria esquecido. Mas fico contente por termos emprestado a nossa modesta contribuição sem pretensões a honrarias. A minha maior medalha foi ter evitado a morte de muitos inocentes com aquele acto, que não considero meu, mas sim, nosso. Muitas pessoas conseguiram viver e outras sobreviver às balas e aos canhões. Isso é bom. Por outro lado o acordo está aí com 19 pontos para a posteridade, pois foi a partir do Alto Kauango que se estabeleceram os telefones vermelhos, as patrulhas mistas, reuniões conjuntas e outras questões militares sensíveis”, explica William Tonet.

Foto: William Tonet entre Ben Ben e Higino Carneiro

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