Muitos cidadãos da oposição têm vindo a queixar-se de que “seus nomes estão a ser colocados em listas longe da sua residência, enquanto as individualidades ligadas ao partido no poder passam a ter o local de votação mesmo à porta da casa”. Ademais, fala-se também da eliminação dos eleitores da base de dados, entre outras reclamações. A dispersão dos eleitores e eliminação de muitos dos mesmos da base de dados são problemas muito sérios, e desde sempre foi a estratégia do regime nestas últimas três eleições.
Por José Marcos Mavungo (*)
Mas o problema de fundo em tudo isto, a grande questão que preocupa o angolano é muito mais do que colocar os eleitores em zonas muito afastadas das suas residências e deturpar a base de dados: é o problema das eleições livres e justas. Como organizar eleições livres e justas enquanto houver ditadura, ausência de transparência e da cultura da lei?
Certo, as eleições em Angola têm sido livres, na medida em que nenhum cidadão tem sido propriamente forçado pela força das baionetas a ir às urnas, as pessoas vão de livre e espontânea vontade.
Porém, é hoje óbvio que, como foi o caso das duas últimas eleições, seria absurdo e irresponsável negá-lo, os detentores do poder são os senhores absolutos, que controlam a administração e todo o dinheiro do país, manipulam a lei e os meios de comunicação social e erguem muros para conter as iniciativas cívicas dos cidadãos para a mudança do atual quadro. O filme das duas últimas eleições se repete.
Facto evidente, na atitude do Ministério de Administração do Território (MAT) que tem feito ouvidos de mercador, ao não responder aos ofícios e cartas que lhe são endereçadas em conjunto para corrigir o processo. Ademais, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) tem dada respostas evasivas e comprometedoras no tocante às reclamações da oposição e dos cidadãos, ao rejeitar as dúvidas destes sobre a problemática dos locais de voto e assacar a responsabilidade dos cidadãos na desorganização do atual processo eleitoral, em especial na identificação das Assembleias de voto.
Pela falta de seriedade e de rigor por parte do regime, temos hoje a manipulação da lei e dos meios de comunicação social e o desrespeito pelos princípios de convivência democrática. Em declarações à Voz da América, o porta-voz da UNITA, Alcides Sakala dirá que o processo “está eivado de má fé e de falta de transparência”
A Omunga já denunciou a intolerância política, tendo sublinhado a atitude de guerra em tempo de paz. Por sua vez, Human Rights Watch (WRW) deu também o seu alerta: considera “como deveras preocupante a maneira como está a ser vedada à oposição angolana aos meios de comunicação pública do país”. Por exemplo, refere a representante desta organização, Zenaida Machado, que, no dia da abertura da campanha eleitoral, verificou-se de que “ mais de 60% do tempo foi dado ao candidato do partido no poder e ao partido no poder”. E, em Cabinda, as ações da oposição, em particular do cabeça da lista da UNITA, Pe Raúl Tati, nunca mereceram qualquer tratamento nos meios de comunicação pública locais, nem tão pouco nacionais.
Como dizia o Dr. Filomeno Vieira Lopes, a propósito das atitudes dos homens do regime: “Nunca estão de boa fé no prosseguimento de seus malignos intentos. (…) E disto, para a fraude eleitoral é um mero passo de avestruz”.
A acutilância, uma necessidade para mudar Angola
Tornou-se sintomático. Por pouco que são anunciadas, as eleições em Angola criam sempre uma crispação insofismável no seio dos atores sociais com repercussões negativas para a causa de mudança que todos os angolanos defendem. A febre eleitoralista apanha a todos, sem evasão possível, a tal ponto que mesmo elites importantes parecem transformar as eleições em meras caricaturas e, se a moda pega, até se farão substituir por filhos no poder, como nos tempos em que a monarquia era universal.
Sabemos que o partido no poder anda muito preocupado com o passivo desastroso destes últimos 42 anos, que o persegue, como a sombra segue o seu dono, e vem empreendendo esforços para ridicularizar e diabolizar a oposição, em particular a UNITA.
Isto até poderiam parecer pormenores de pouca importância, mas infelizmente, são sinais de que o regime «en place» despreza as mais elementares regras de convivência democrática, perdeu o sentido de Estado de Direito democrático, apostando apenas em recorrer a todos os meios possíveis para se manter no poder, ainda que não sejam conformes à lei em vigor e aos valores universais.
A julgar pelo que se sabe das recomendações da oposição e das instituições nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos (por exemplo, a AJPD, Omunga, a HRW e a União Europeia), encontros entre José Eduardo dos Santos (JES) e entidades de renome nacional e internacional, o Presidente da República (PR) faz ouvidos de mercador. A alta febre eleitoralista leva-lhe sempre a cegueira, a ponto de não se preocupar pela paz e desenvolvimento de Angola, estes valores sendo sinónimos de justiça.
Se a moda pega, não podemos nos espantar que, nesta e nas próximas eleições, o Presidente JES venha a manter a sua família política no poder como assessores ou para o substituir na gestão do país, já que tornou-se fenómeno moda em África. JES não se sentirá à vontade em Angola com a oposição no poder, tendo em conta o passivo negativo da sua governação nestes últimos 42 anos, que lhe atormenta as noites, como foi o caso de Faraó e a sua casa, na sequência das “grandes pragas com que Deus lhe puniu, por causa de Sara, mulher de Abraão” (Gn12, 17).
Está-se em face do eterno debate das ditaduras eleitas em Angola, na qual o regime, aproveitando-se da vulnerabilidade dos cidadãos e da oposição, finge organizar eleições livres e justas, com a participação das populações e elites nacionais, e brincando de engrandecê-los, para depois mostrar-lhes a face de Leviatã (“monstro marinho” citado na bíblia em jó 3.8 e jó 40.25), esse monstro terrível a ponto de “ninguém poder desafiá-lo e ficar ileso” (Thomas Hobbes).
A atuação da oposição perante o atual processo eleitoral viciado deixa muito a desejar, permitindo que o extremismo despótico do regime, a pretexto de estarmos num Estado que deteria consigo todo o poder da sociedade, tivesse a facilidade de avançar com um processo sem mecanismos independentes de gestão eleitoral, marcado com graves irregularidades e atropelos, no qual os resultados das eleições são “cozinhados num laboratório”(Luaty Beirão).
A descoberta destas debilidades, em especial da fraude eleitoral nas últimas eleições encheu a opinião pública nacional e internacional, a princípio, de assombro e até de pessimismo sobre o valor de eleições na atual Angola.
Mas, hoje, a oposição aposta no desejo de fazer a mesma experiência de 2012: seduzida com a multidão de palavras dos homens do regime, com as lisonjas dos seus lábios, ficou persuadida; e ela segue-os logo, sem oposição de princípio, como o militar que avança seguramente em terreno desconhecido, onde o inimigo armou todo o tipo de ciladas, e não sabe que ele está marchando ali contra a sua vida. Um claro sinal da fraqueza da oposição com consequências imprevisíveis.
E a fatura parece que vai ser paga cara, se continuarmos a assobiar para lado, pensando apenas de que o “partido do meu voto vai vencer as eleições”. Eleições dignas e transparentes sem fraude estão longe de ser realidade, o que constitui um peso de fundo no valor dos seus resultados. E isto, sobretudo pelo facto de que muitas pessoas poderão não votar não só pelas dificuldades de acesso aos locais afastados das suas residências, mas também pelas graves irregularidades e atropelos que fazem com que as atuais eleições não sejam “nem democráticas, nem transparentes, nem justas”.
O momento que se vive atualmente em Angola é um momento muito particular, um desafio para as forças da mudança; pois que, diante das exigências de mudança através de eleições livres e justas, a perversão despótica se levanta para fazer face aos homens de boa vontade, acabando assim por manter o estado atual das coisas completamente apodrecido.
O evangelho ensina-nos a enfrentar as situações da vida com fé e determinação, mesmo as mais difíceis e dramáticas. Urge pois acutilância na resolução da problemática da falta de condições para eleições democráticas, livres e justas em Angola.
O sucesso da acutilância na luta pela mudança depende da atuação diária e constante para que as normas com resquícios ditatoriais, bem como as práticas advindas daquele regime, não sejam mais aplicadas no país. Além disso, as elites devem: fazer escolhas acertadas, investir no homem, arrancar a população da inércia e organizar estruturas de luta dotadas de métodos coerentes de resistência pacífica.
Finalmente, a acutilância reclama por espírito de coerência, de sacrifício e fé, de alternância e renovação que deve começar por aqueles que desejam a mudança no poder político.
(*) Activista dos Direitos Humanos
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