A petrolífera angolana Sonangol anunciou hoje um acordo amigável com a norte-americana Cobalt, à qual pagará 423 milhões de euros pelos direitos em dois blocos petrolíferos, terminando a disputa judicial que as duas empresas mantinham.
Em comunicado, a petrolífera estatal angolana, liderada desde Novembro por Carlos Saturnino, anuncia que as administrações das duas petrolíferas assinaram um acordo para “resolução de todas as disputas entre as duas companhias”, que permitirá igualmente a transferência para a Sonangol do interesse participativo da Cobalt nos blocos 21/09 e 20/09, ao largo de Angola, pelo valor de 500 milhões de dólares (423 milhões de euros).
Esta resolução, sobre um processo relativo a alegados incumprimentos contratuais da petrolífera estatal angolana, está ainda sujeita à aprovação pelo Tribunal de Falências dos Estados Unidos da América, explica a Sonangol, na mesma informação.
Em causa está um diferendo que se arrastava desde a administração de Isabel dos Santos na Sonangol, prevendo este acordo que a petrolífera angolana pague, até ao dia 23 de Fevereiro de 2018, um valor não reembolsável de 150 milhões de dólares (127 milhões de euros).
O último pagamento, no montante de 350 milhões de dólares (296 milhões de euros), deverá ser efectuado até ao dia 1 de Julho de 2018, explica ainda a Sonangol.
No início deste mês a Cobalt admitia um desfecho amigável da disputa que mantém com a Sonangol, relativa a negócios de 1.350 milhões de euros, mas garantia manter todos os processos judiciais.
A Cobalt referia, numa informação oficial sobre os resultados da petrolífera, que “continua a procurar um diálogo construtivo com Angola, para tentar resolver essas disputas de forma amigável”.
“No entanto, até que este assunto seja resolvido de forma satisfatória, a Cobalt manterá vigorosamente essas reivindicações em arbitragem e recorrerá a todos os meios disponíveis”, refere a petrolífera.
De acordo com uma informação da Cobalt, de Novembro, mês em que o Presidente João Lourenço exonerou Isabel dos Santos da presidência da Sonangol, nomeando para o mesmo cargo Carlos Saturnino, em causa estavam dois processos que correm em tribunais arbitrais, já constituídos e em fase de agendamento de sessões, sobre alegados incumprimentos contratuais da petrolífera estatal angolana.
Em Agosto (ainda sob gestão de Isabel dos Santos), a Sonangol confirmou estar a ser alvo de dois processos judiciais movidos pela norte-americana Cobalt, sobre alegados incumprimentos contratuais, afirmando que ia contestar em tribunal os pedidos daquela petrolífera.
De acordo com a Sonangol, a concessionária do regime angolano recebeu, a 8 de Maio, informação dando conta que a Cobalt International Energy “apresentou duas notificações formais de litígio”.
“A Sonangol irá contestar ambos os pedidos apresentados pela Cobalt, sendo que, no entendimento do Conselho de Administração da Sonangol não existe qualquer incumprimento de sua parte no Contrato de Compra e Venda de Acções (CCVA)”, referia uma informação da petrolífera.
Acrescentava que, para o Conselho de Administração da Sonangol, “a não concretização do CCVA não impõe qualquer obrigação de prorrogar os prazos de pesquisa estabelecidos nos contratos dos blocos de referência”.
A Cobalt tem 40% de participação no consórcio que explora os blocos 20 e 21 ao largo de Angola.
A Cobalt anunciou no dia 3 de Abril que recorreu ao tribunal arbitral contra a Sonangol, acusando a empresa do regime angolano de ter adiado decisões e assim ter prejudicado os resultados financeiros e impossibilitado a venda dos activos no país.
“Podemos ficar impossibilitados de consumar a venda dos nossos activos angolanos em termos favoráveis, ou de todo”, lê-se no relatório de apresentação de resultados do ano passado, que foram negativamente afectados pelo registo de mais de 1,6 mil milhões de dólares de imparidades que têm de legalmente ser registadas enquanto o negócio não for concluído.
A Cobalt, uma das maiores petrolíferas norte-americanas, está a explorar dois blocos em Angola, mas há anos que tenta vender a sua participação, mas para isso necessita que a Sonangol prolongue as licenças de exploração, algo que a companhia petrolífera angolana não fez, impossibilitando, na prática, a saída da Cobalt da exploração petrolífera em Angola.
“Antes de começar o procedimento de arbitragem, uma das partes tem de dar à outra um Aviso de Litígio descrevendo a natureza da disputa e a solução pretendida”, lê-se no documento, que explica que devido “aos atrasos da Sonangol e ao falhanço na atribuição das extensões”, a 8 de Março a Cobalt accionou o primeiro passo para resolver o assunto num tribunal arbitral, dando esse Aviso.
“Se a Sonangol não resolver este assunto atempadamente e a nosso contento, vamos avançar com a arbitragem e nessa altura vamos procurar todos os ressarcimentos disponíveis na lei ou em activos”, lê-se no documento, que dá conta também de que, como os activos angolanos são indirectamente detidos por uma subsidiária alemã, a Cobalt diz-se “com direito a certas protecções” que resultam do acordo de investimento entre Angola e a Alemanha, assinado em 2003.
A unidade de análise da revista “The Economist” disse que a abertura de uma investigação à Sonangol aumenta a percepção de que Angola é um dos países mais corruptos do mundo. “Percepção” será sinónimo de “certeza” ou é uma, mais uma, forma de branquear a realidade?
“As acções da SEC [regulador norte-americano dos mercados financeiros] e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América criaram uma publicidade negativa significativa para Angola, e aumentaram a percepção de que o país é um dos mais corruptos no mundo”, escrevem os peritos da unidade de análise económica da revista “The Economist”.
Lembrando que Angola está em 164º lugar num ranking’ de 176 países analisados sobre a corrupção, feito pela Transparência Internacional, os analistas dizem que “a potencial abertura de uma nova investigação envolvendo a Sonangol vai fazer pouco para ajudar a empresa a melhorar a sua imagem global”.
A SEC, equivalente à portuguesa Comissão do Mercado e Valores Mobiliários (CMVM), está a investigar o pagamento de um “bónus de assinatura” pelo contrato de exploração do Bloco 20, em Dezembro de 2011. A entrega de um “bónus de assinatura” é uma prática comum na indústria petrolífera, representa um pagamento ao Governo do país onde as empresas vão explorar os recursos naturais e é frequentemente criticado pelas organizações internacionais por nem sempre o destinatário das verbas ser identificado de forma transparente.
O contrato, segundo disse a Cobalt à Bloomberg, obrigava as duas petrolíferas a fazerem contribuições sociais para a Sonangol, incluindo para o centro de pesquisa, que, segundo a Organização Não-Governamental Global Witness, recebeu 350 milhões de dólares em 2014.
Em comunicado, esta ONG afirma “não ter conseguido confirmar que o centro realmente existe”. Um porta-voz da BP comentou à Bloomberg que a Sonangol informou a petrolífera de que o centro de tecnologia estava ainda em “fase de planeamento”. O Bloco 20 é detido em 40% pela Cobalt e a Sonangol e a BP detêm, cada uma, 30%, de acordo com o site da BP.
No passado dia 17 de Março, o Folha 8 escreveu, sob o título “Cadê os milhões de dólares?”: O regulador norte-americano dos mercados financeiros (SEC) está a investigar o pagamento de 350 milhões de dólares pelas petrolíferas BP e Cobalt à Sonangol para a construção de um centro de pesquisa que, cinco anos depois, está ainda em planeamento.
Folha 8 com Lusa