Funcionários públicos em Luanda consideraram irrisório o aumento de 10% do salário mínimo nacional, anunciado para este mês, porque não vai fazer “diferença alguma” para as suas despesas, lamentando a “situação de sobrevivência” em que se encontram.
O salário mínimo angolano por grupos de actividade vai aumentar 10%, em média, o equivalente a 2.000 kwanzas (10 euros) mensais, passando a cifrar-se entre 16.500 e 24.754 kwanzas (88 a 148 euros), muito abaixo da inflação só de 2016.
Em declarações à agência Lusa, Nelinha Rodrigues, funcionária do Estado no sector da limpeza, disse estar alheia ao aumento do seu salário, já que não vai proporcionar mudanças significativas na sua renda mensal.
“Vai ser uma bênção para quem ganha bem, mas para mim que ganho mal, tenho um salário de miséria, estará tudo na mesma. Hoje aquilo que ganho serve apenas para sobreviver, comprando apenas comida para as crianças não passarem a fome”, disse.
Também a operadora de telecomunicações Ruth Salvador da Costa manifestou indiferença face ao aumento salarial no funcionalismo público angolano.
Para a funcionária do Estado, de 31 anos, 10% do aumento no seu salário “não fará grande diferença”. Tendo em conta o baixo salário que aufere, considera que o aumento não vai fazer “grande diferença” tão pouco “vai alterar em nada” o valor que recebe mensalmente.
“Com aquilo que hoje ganho, anteriormente eu conseguia suprir todas as minhas necessidades, mas agora o rigor é maior, porque o nosso salário perdeu valor e apenas compramos o necessário e o indispensável para casa”, referiu.
“Sou trabalhadora, estou a terminar os meus estudos, tenho uma filha de sete anos, faço outros gastos para casa e o que ganho actualmente não dá para cobrir todas as necessidades que tenho, mas ainda assim vou gerindo da melhor forma possível, porque nesta fase nem poupança consigo fazer”, acrescentou Ruth Salvador da Costa.
De acordo com o decreto presidencial 91/17, de 7 de Junho, o salário mínimo nacional referente aos sectores do comércio e da indústria extractiva aumenta para 24.754,95 kwanzas mensais, face aos anteriores 22.504,50 kwanzas (121 euros), fixados há precisamente três anos.
Contudo, devido à crise financeira, económica e cambial que o país atravessa, só entre Janeiro e Dezembro de 2016 a inflação oficial em Angola foi superior a 40%.
O professor João Afonso diz ter um salário mensal de 68.000 kwanzas (364 euros) e lamenta o aumento salarial de “apenas 10%”.
“Naquilo que ganho, pelo menos, não vai mudar nada e não é assim que se valoriza o trabalhador, aumentando depois de tantos anos dois ou três mil kwanzas no seu salário. É triste”, lamentou.
A preocupação para com o salário que aufere é maior porque, segundo o professor, além de ser “irrisório” quando chega, “muitas vezes em atraso, serve apenas para pagar dívidas”.
“Estamos permanentemente a endividar-nos e, quando recebemos o vencimento, é apenas para pagar as dívidas. Dizem agora que teremos um aumento de 10% e ainda pensam que este aumento vai resolver os nossos problemas quando todos dos dias os preços dos bens aumentam no mercado”, atirou.
Sim, não, talvez… quem sabe!
Recorde-se que, em Abril, o Governo aprovou, em reunião do Conselho de Ministros, um aumento “gradual” dos salários na Função Pública, com base na “diferenciação positiva”, favorável – disse – para quem recebe menos.
No comunicado final dessa reunião do Governo não foram adiantadas as percentagens de aumento ou intervalos salariais para a sua aplicação, mas calcula-se que deverão ser, no limite, até 15%, para os salários mais baixos, por se tratar da inflação prevista pelo executivo para este ano.
O Governo disse igualmente que a aprovação então decidida resultava do “quadro da política do Executivo de incremento gradual do salário da Função Pública com base na diferenciação positiva, concedendo maiores incrementos às categorias mais baixas, complementada com o aumento da oferta de bens”.
Nesse Conselho de Ministros foram aprovados “um conjunto de decretos presidenciais que reajustam o salário da função pública”, bem como o salário mínimo nacional garantido único, salário mínimo por grandes agrupamentos económicos e as pensões da protecção social obrigatória, “com vista a melhorar o nível de rendimento dos servidores públicos e dos trabalhadores em geral e aumentar o poder de compra dos cidadãos”.
Sobre esta questão, a CASA-CE tem defendido que o Governo e o partido que o suporta, o MPLA, “nunca estiveram interessados em definir políticas claras de geração de emprego, nem conferir aos angolanos a dignidade que merecem”.
“O menosprezo que o regime dedica aos trabalhadores angolanos é manifestamente claro, na atribuição do salário mínimo injusto e irrealista, o que conduz ao aprofundamento das desigualdades sociais, entre a maioria dos angolanos pobres e dos poucos ricos, invariavelmente, ligados ao partido da situação”, acusou a CASA-CE.
A convocatória desta discussão sobre o salário mínimo em Angola aconteceu numa altura em que o Governo angolano analisa o ajustamento dos salários, a aplicar no segundo trimestre deste ano. Um acordo que, conforme expectativa manifestada anteriormente pela União dos Trabalhadores Angolanos – Confederação Sindical (UNTA-CS), poderá ser alcançado este mês, em reunião do Conselho Nacional de Concertação Social.
Segundo o secretário-geral da maior organização sindical angolana (União dos Trabalhadores Angolanos – Confederação Sindical), Manuel Viage, esse ajustamento deveria corresponder a uma percentagem pelo menos igual à inflação do país em 2017, na previsão do Governo à volta de 15,8%.
A Função Pública angolana empregava em 2016 um total de 360.380 trabalhadores, uma quebra superior a 3% face ao ano anterior.
Os números foram transmitidos a 11 de Janeiro de 2017 pelo ministro da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, António Pitra Neto, durante a apresentação do Estudo Sobre População e Administração Pública e do resumo dos dados estatísticos da função pública referente a 2016.
De acordo com o governante, em 2015 Angola contava com 372.873 funcionários e agentes públicos, número que se reduziu em 12.493 no espaço de um ano, mas sem avançar mais pormenores.
A crise financeira e económica levou o Governo a aprovar várias medidas de austeridade, bem como um programa de recadastramento dos funcionários públicos, para eliminar os chamados “trabalhadores fantasma”, sobretudo e quase exclusivamente não afectos ao MPLA.
Dos trabalhadores da Função Pública, quase 49% são funcionários do Ministério da Educação, nomeadamente professores, enquanto a Saúde representa 14%.
O Estado prevê gastar 1,613 biliões de kwanzas (9,2 mil milhões de euros) com salários e contribuições sociais dos trabalhadores da Função Pública em 2017, massa salarial que o Orçamento Geral do Estado (OGE) proíbe que seja ultrapassada.
De acordo com a lei do Orçamento, no exercício económico de 2017 “não são permitidas novas admissões que se consubstanciam num aumento da massa salarial da função pública”.
Nesta medida, refere o documento, inclui-se “a celebração de contratos de trabalho por tempo determinado, podendo apenas ocorrer em casos devidamente justificados e aprovados pelo Presidente da República”, sob proposta do Ministério das Finanças e por solicitação dos titulares dos sectores interessados.
Contudo, a lei do OGE para 2017 refere que “são permitidas admissões de novos funcionários para a administração pública” para “o preenchimento de vagas” decorrentes de situações de reforma, de abandono, de demissão, de transferência ou de morte.
Em todo o ano de 2017 o Estado angolano prevê gastar 1,513 biliões de kwanzas (8,6 mil milhões de euros) em vencimentos da Função Pública e 100 mil milhões de kwanzas (571 milhões de euros) nas respectivas contribuições sociais, um aumento de 3,2% na massa salarial face à revisão do OGE de 2016.
O Governo define ainda que os processos de promoção dos funcionários públicos só poderão acontecer “após a conclusão do processo de recadastramento da função pública” e “mediante programações plurianuais de três a cinco anos”.
Folha 8 com Lusa
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