Embora tenha sido, como ele próprio disse, “mandatado pelo Presidente José Eduardo dos Santos” para organizar as vindas a Angola, para despacho, dos governantes portugueses, Santos Silva falhou. Talvez seja a altura de lançar Azeredo Lopes, ministro da Defesa de Portugal, e também velho e querido amigo do regime. Foi, aliás, na sua qualidade de observador um dos mais efusivos defensores da lisura das eleições de 2012.
Por Norberto Hossi
Recordamo-nos, por exemplo, de que na sua qualidade de presidente da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social (entre 2006 e 2011) de Portugal, Azeredo Lopes foi um dos oradores internacionais do seminário sobre comunicação e cidadania, que decorreu no Centro de Formação de Jornalistas (Cefojor), em Angola.
“Insere-se no quadro de relações de cooperação técnica que tem a ver com a criação de mecanismos de regulação. Angola tem uma nova Constituição e está gradualmente a dotar-se de mecanismos mais modernos de regulação e justifica-se até pela proximidade dos nossos textos jurídicos”, afirmou à Lusa o então presidente da ERC.
Azeredo Lopes explicou que “a comunicação social evoluiu muito [em Angola], o que exige mecanismos técnicos mais específicos”.
Essa coisa que em Portugal se chama ERC (que é uma entidade que ajuda – e foi esse o ensinamento que trouxe a Angola – a fingir que os escravos são livres) resolveu em tempos enviar um questionário para as principais empresas de media para saber quem eram os proprietários dos órgãos de informação.
Para a ERC é, ou era, importante saber quem são os donos dos jornalistas. Achamos bem. Impossível será, com certeza, saber quem são os donos dos donos dos jornalistas, embora seja aí que reside o cerne da questão. Mas como em Portugal e em Angola o que conta é o supérfluo e não o essencial, lá vamos continuar na velha estratégia de todos a monte e fé em “Deus”. “Deus” que, no nosso caso, é o mesmo há 38 anos…
Em caso de falta de resposta, a ERC pode, ou podia, aplicar uma contra-ordenação, já que a actualização desta informação é obrigatória por lei. Então se é obrigatória… há necessidade de fazer um inquérito?
Pois. Já sabemos. É obrigatório por lei mas, como em muitas outras coisas, a lei só vale para os pilha-galinha e não para os que roubam os próprios aviários.
É, ou era, a primeira vez que a ERC ia exercer esta competência, no momento em que os socialistas insistentemente perguntavam quem são os proprietários do semanário Sol. Proprietários do ponto de vista legal já que, na verdade, os donos poderão ser outros.
Supostamente os grupos de comunicação social teriam de prestar informações sobre a estrutura accionista e os meios que detêm. Como se isso fosse, de facto, resolver alguma coisa.
Segundo um comunicado da ERC de 22 de Fevereiro de 2010, a informação destinava-se a “completar e a actualizar a base de dados de registos” da entidade reguladora. É à ERC que compete fazer o registo dos órgãos de informação quando estes são criados e, nesse processo, é pedida a identificação dos órgãos sociais e a relação nominativa dos accionistas com indicação do número de acções que possuem.
À luz dos estatutos da ERC, é permitido realizar auditorias e exames nos órgãos de informação e aplicar uma contra-ordenação em caso de recusa de informação. O que até então não aconteceu, como reconheceu Estrela Serrano, membro do Conselho Regulador da ERC.
Certamente que nenhuma empresa se recusou a dizer quem eram os donos. Desde logo porque não são obrigadas a dizer o que realmente importaria, ou seja, quem são os donos dos donos. Ao prestarem a informação vão sossegar as almas famintas dos que apenas querem mostrar serviço, não mostrando coisa alguma.
Tal como recentemente em Angola, o essencial da questão estava no facto de em Portugal o Estatuto do Jornalista, aprovado exclusivamente pelo Partido Socialista, representar a página mais negra na história do Jornalismo do pós-25 de Abril de 1974. Um Estatuto que não criou condições para uma efectiva autonomia editorial e independência dos Jornalistas, antes as agravou, assassinando a posição destes profissionais face ao poder das empresas.
O essencial da questão estava no facto de em Portugal a concentração da propriedade dos meios de informação estar na origem de um clube restrito de grupos económicos que controla todas as grandes publicações, as televisões e as principais rádios e que não representa apenas o domínio da capacidade de recolher, tratar e difundir informação e um enorme poder de intervenção no espaço público.
O essencial da questão está no facto de em Portugal tal concentração representar o controlo do mercado do trabalho dos jornalistas e outros trabalhadores, estabelecendo e impondo as regras sobre quem entra, quem permanece e quem sai das empresas, que é como quem diz da profissão.
Mas, é claro, a ERC e organismos similares existem para transformar o essencial em supérfluo e o supérfluo no essencial. Este é, de facto, o grande ensinamento que Azeredo Lopes nos veio cá dar, embora tenha sido uma forma de vir ensinar o padre nosso ao vigário.