O massacre do cemitério de Santa Cruz, em Timor-Leste, aconteceu a 12 de Novembro de 1991. O território estava ocupado pela Indonésia. Portugal metera, como noutros sítios, o rabinho entre as pernas.
Por Orlando Castro
A diferença de Cabinda em relação a Timor-Leste, segundo Jorge Congo, “é o petróleo”. Isto é: Timor tem petróleo que serve, entre outras coisas, para melhorar as condições de vida dos timorenses. Cabinda tem petróleo que serve para enriquecer a elite de Angola. Há, reconheçamos, uma substancial diferença.
Em Cabinda “não há guerra, há actos de banditismo, que, lamentavelmente, são incitados por algumas individualidades, muito em particular pessoas ligadas à Igreja Católica daquela província”, afirmou em tempos o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas.
Segundo o general Agostinho Nelumba Sanjar, “muitos desses bandidos estão albergados em campos de refugiados na República Democrática do Congo e entram em Angola para fazer actos de banditismo”.
As autoridades de Kinshasa, cujo país tem uma fronteira com Angola de 2.511 quilómetros, afirmam que “não apoiam movimentos que queiram desestabilizar qualquer país vizinho, muito menos Angola com quem têm muito boas relações”.
No entanto, mesmo no seio das Forças Armadas Angolanas, dizia-se “que as afirmações do general “Sanjar” visam directamente a RD Congo que, nessa altura, eram o único factor impeditivo da neutralização das actividades militares da FLEC”.
De acordo com a FLEC, “Luanda procurava desviar as atenções para a RD Congo, tentando fazer crer que os mais de dois mil soldados da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda não existem”. Além disso, ” é uma forma de fazer com que não se fale dos 1 200 mercenários (israelitas, americanos, brasileiros, portugueses e sul-africanos) que protegem o campo petrolífero de Malongo”.
As acusações à Igreja Católica de Cabinda reflectiam, reflectem, o facto de alguns prelados assumirem abertamente a defesa dos cabindas, indo alguns ao ponto de advogarem a própria independência do território.
Questionado sobre se esperava que o problema de Cabinda seja resolvido de uma forma idêntica à de Timor-Leste, o padre Jorge Congo sublinhava que “a política é algo de muito incerto, e ao contrário de muitos que defendem a autonomia, eu espero pela independência”.
Jorge Congo apontava duas razões, “a primeira é porque temos todo o direito de pedir a independência porque a história está do nosso lado. Em segundo, porque o MPLA faz de Cabinda aquilo que quer pelo que é chegada a altura de o problema deixar de ser uma questão do partido no Poder para passar a ser uma questão de Estado”.
A diferença de Cabinda em relação a Timor-Leste, esclarecia Jorge Congo, “é o petróleo”. Isto é: “Ambos temos petróleo, mas o nosso já foi distribuído pelos grandes”.
Quanto à pouca expressão que a questão de Cabinda tem na Comunicação Social, o padre Jorge Congo assegurava “que isso é habitual na maioria dos que estão ao lado da razão da força e não da força da razão”.
Do ponto de vista do maior partido da Oposição angolana (UNITA), “é lamentável a ausência de estratégias claras para pôr cobro ao conflito prevalecente em Cabinda, que continua a produzir as mais flagrantes violações dos direitos humanos”.
A posição da UNITA estava, aliás, condicionada pela ligação que este partido sempre manteve com a FLEC.
Nzita Tiago, então líder de uma das facções que luta de armas na mão pela independência de Cabinda, revelou que logo após a morte de Jonas Savimbi, a FLEC recebeu de Isaías Samakuva, seu sucessor eleito, garantias da continuação do apoio que a UNITA sempre prestou aos independentistas de Cabinda.
A revelação levou o Governo angolano a considerar que, por ser uma parte da questão, a UNITA não poderá ser chamada a colaborar na resolução do conflito.
Tratados consagram separação
Os cabindas reivindicam, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência. Em termos históricos, Cabinda estava e está sob a “protecção colonial”, à luz do Tratado de Simulambuco, e o Direito Público Internacional reconhece-lhe o direito à independência.
Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes e só por economia de meios, em 1956, Portugal optou pela junção administrativa dos dois territórios.
A procura da independência começou, em 1956, com a formação do Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) e em 1963, dois anos depois do início da guerra em Angola, são criados o CAUNC – Comité de Acção da União Nacional dos Cabindas e o ALLIAMA – Aliança Maiombe.
Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi “adquirida” por Portugal no fim do Século IXX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.
No que a Cabinda respeita, Portugal não se lembra dos compromissos que assinou ontem e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há mais de 100 anos. E, tanto quanto me parece, mesmo os assinados ontem já estarão amanhã fora de validade.
Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.
Quando o ex-presidente da República de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, dizia que Angola vai de Cabinda ao Cunene estava, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente, como acontece – por exemplo – coma China em relação ao Tibete, com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de escolher o seu futuro.
Kosovo, Saara Ocidental
Terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo? E com o Saara Ocidental?
Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir. E se para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão… que outro remédio têm os cabindas?
Cabinda é um território ocupado por Angola e nem o potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, disse que “é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo”.
O ministro português apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais é “a situação de facto”, uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, “é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista”.
Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.
Como segunda razão, Luís Amado referiu que “o problema é político e não jurídico”, afirmando que “o direito não pode por si só resolver uma questão com a densidade histórica e política desta”. Amado sublinhou, no entanto, que “não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme complexidade”, pelo que “o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas”.
Ora aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.
“O reforço da responsabilidade da União Europeia”, foi a terceira razão apontada pelo chefe da diplomacia portuguesa. Amado considerou que a situação nos Balcãs “é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado”, referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o Montenegro e a Sérvia “acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia de toda a região”.
No caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem se estamos enganados – Portugal desempenha um papel importante.
O então ministro português frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete.
Como última razão, indicou a “mudança de contexto geopolítico que entretanto se verificou” com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de independência das regiões georgianas separatistas da Abkházia e da Ossétia do Sul que Moscovo reconheceu entretanto.
Isto quer dizer que, segundo Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita ao sabor do acaso, dos interesses unilaterais.