A administração da petrolífera angolana Sonangol informou hoje ter um acordo para o pagamento de 300 milhões de dólares em dívida à norte-americana Chevron, da operação do bloco 0, no ‘offshore’ de Cabinda e no qual a empresa gerida por Isabel dos Santos tem uma quota de 40%.
AChevron fez saber, sem rodeios, que poderia accionar a cláusula do acordo caso a Sonangol (em caso de incumprimento nos pagamentos por mais de 21 dias, o associado faltoso passa a incorrer na perda dos seus direitos de participação) não se comprometa no prazo de uma semana acerca de como e quando liquidará a sua dívida. Esta tomada de posição significa que a Chevron poderia vender a quota de petróleo pertencente à Sonangol, ao invés de a entregar.
A informação do acordo de pagamento consta de um comunicado da empresa estatal que assim responde ao ultimato da petrolífera norte-americana.
A empresa, liderada desde Junho por Isabel dos Santos, garante no comunicado que “já se encontra em fase de análise e processamento” do valor de cerca de 300 milhões de dólares referente a esses pagamentos.
“Adicionalmente, e conforme previsto na relação contratual entre associadas, existe um acordo para o pagamento dos “Cash Calls” (pedidos de fundos para custear a operação) em dívida, estando já em processo de liquidação cerca de 200 milhões de dólares, com um plano de pagamento do remanescente”, esclarece a Sonangol.
A petrolífera estatal reconhece, contudo, que “a situação difícil da indústria petrolífera”, devido à queda do preço do petróleo, “implica tempos mais longos de análise e validação de despesas e facturas relativas a custos e investimentos” e que no âmbito do “cumprimento contratual normal” existem acertos de contas “regulares” entre associadas (petrolíferas), uma “prática frequente entre as parceiras e a Sonangol”.
“Esta situação perfeitamente normal na indústria petrolífera angolana, não é única nem isolada, tendo-se registado já no passado e merecido tratamento semelhante. Face ao clima aberto de diálogo, nunca esteve em causa a perda das receitas líquidas da produção petrolífera”, lê-se no comunicado.
O bloco 0, operado pela Chevron (quota de 39,2% do grupo empreiteiro), está divido em duas áreas e segundo o mais recente relatório do Ministério das Finanças sobre as receitas com a exportação de petróleo, rendeu em Agosto a exportação de 3.783.840 milhões de barris (bloco 0A) e de 2.666.648 milhões de barris (bloco 0B), a um preço médio por barril, respectivamente, de 45 e 44 dólares.
No total, as duas áreas renderam aos cofres do Estado angolano 14,5 mil milhões de kwanzas em impostos, não tendo a Sonangol, segundo o mesmo documento, recebido qualquer verba dessa exploração.
Chevron muda de opinião
Como refere Rafael Marques de Morais num artigo publicado no Maka Angola e reproduzido no Folha 8 no passado dia 11, “ironicamente, o director da Chevron, John Baltz, foi das primeiras vozes internacionais a conferir legitimidade e credibilidade ao nepotismo do presidente José Eduardo dos Santos quando este nomeou a sua filha para PCA da Sonangol.
“O governo decidiu. É clara a direcção que eles [governo] querem seguir. Sou sempre optimista. Certamente apoio a direcção que a Sonangol está a seguir”, afirmou John Baltz à Reuters após a nomeação de Isabel dos Santos. Agora, Baltz é o primeiro gestor internacional a ameaçar a gestão da filha do presidente”, referiu Rafael Marques.
De facto, a Chevron sempre foi o coração do petróleo em Angola, e a sua posição actual revela o descrédito em que caiu a Sonangol. Até 2012, o Bloco 0 produziu mais de quatro biliões de barris de petróleo. No ano passado, registou uma produção média diária de 85 mil barris, conforme dados encontrados no portal da Chevron.
Por sua vez, Jacques Azibert, director-geral em Angola da multinacional francesa Total, que também fez parte do coro internacional de legitimação de Isabel do Santos, está neste momento a “roer as unhas”. A Sonangol deve mais de US $80 milhões à Total, pela sua participação no Bloco 17 (Girassol), actualmente o mais produtivo de Angola.
Numa avaliação dos 100 dias de gestão de Isabel dos Santos, muitas vozes se multiplicaram a destacar quão positiva tem sido na melhoria da petrolífera do regime.
“Levantaram-se algumas vozes, mas acredito que depois dos primeiros resultados apresentados pela sua administração – não por ela em particular, mas pela administração como um todo – acredito que a opinião é diferente, porque nota-se que existe um conhecimento muito grande do que se está a fazer”, afirmou à Lusa a principal boca de aluguer de José Eduardo dos Santos, o embaixador-itinerante Luvualu de Carvalho.
No entanto, a realidade é diferente. “A Sonangol tem neste momento um administrador financeiro, o indiano Sarju Raikundala, que nunca foi director financeiro (as funções que desempenhou foram de auditoria, e como gestor a sua experiência resume-se à direcção de um centro de tratamentos holísticos baseados no despertar espiritual…) e que não sabe nada sobre a indústria petrolífera. A filha do presidente tem concentrado a sua acção na microgestão enquanto anda às apalpadelas no que diz respeito à macrogestão da empresa”, retrata Rafael Mqrques.
Por sua vez, prossegue Rafael Marques, “vários fornecedores nacionais reclamam que, desde a tomada de posse de Isabel dos Santos, estão sem receber pagamentos. Enquanto esta alega atrasos devido ao processo de reestruturação, alguns parceiros nacionais sublinham que a Sonangol está a reter centenas de milhões de kwanzas em pagamentos nas suas contas, causando escassez de moeda nacional no mercado”.
Actualmente, a Sonangol apenas está a honrar os seus compromissos com o Grupo DT, da multinacional Trafigura, que tem como sócios angolanos o triunvirato presidencial Manuel Vicente e os generais Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, o testa-de-ferro do presidente. O Grupo DT recebe mensalmente US $100 milhões pela venda de combustíveis à Sonangol. Portanto, só funciona em circuito fechado, para alimentar a família presidencial e o seu círculo de amigos negociantes.
“O presidente José Eduardo dos Santos, com a sua teimosia em entregar num momento crítico a Sonangol, a jóia da soberania nacional, à sua inexperiente filha, tem estado a acelerar o colapso da empresa. Tudo pela família, nada pelo país, parece ser o seu único plano de saída da crise em que o país se encontra mergulhado”, conclui Rafael Marques de Morais.
Folha 8 com Lusa