SADC e os direitos humanos

A Human Rights Watch (HRW), organização não-governamental norte-americana, pediu hoje à Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) que tome medidas específicas para “melhorar o respeito” pelos direitos humanos entre os seus 15 Estados-membros.

“Arepressão política e o desrespeito pelos direitos básicos caracterizaram, no último ano, vários países da SADC. Os governos da SADC devem cumprir as suas obrigações relativamente aos direitos humanos e à melhoria da qualidade de vida das populações mais vulneráveis”, afirmou, em comunicado, Dewa Mavhinga, investigador para a África da HRW.

Os chefes de Estado dos 15 membros reúnem-se hoje e na quarta-feira em Mbabane (Suazilândia) para a 36ª cimeira da SADC, onde a paz a segurança e a promoção dos direitos humanos foram identificadas como as principais preocupações na região.

Violação dos direitos humanos? Angola, com certeza

“Para alcançar o tema da Cimeira da SADC de ‘enriquecer as nações’, os países-membros da SADC devem focar-se seriamente no respeito dos direitos humanos, na defesa do Estado de direito e na redução da corrupção”, disse Dewa Mavhinga, destacando as situações em Angola, República Democrática do Congo (RDCongo), Moçambique, Suazilândia, África do Sul e Zimbabué, que “devem ser alvo de atenção especial”.

“A transparência e a justiça vão ajudar a impulsionar o desenvolvimento económico regional que pode genuinamente melhorar as vidas das pessoas”, acrescentou.

De acordo com a HRW, em Angola, o governo do Presidente José Eduardo dos Santos “tem vindo a restringir amplamente os direitos à liberdade de expressão e associação”, com as forças de segurança a utilizaram força excessiva, detenções arbitrárias e intimidação para impedir a realização pacífica de protestos contra o governo, greves e outro tipo de concentrações.

A ONG refere alguns os casos. Em Abril, disparos policiais feriram pelo menos três pessoas durante uma manifestação pacífica de estudantes contra o aumento das propinas escolares em Caluquembe, na província de Huíla.

A 6 de Agosto, soldados dispararam balas reais durante uma manifestação pacífica em Luanda, matando um adolescente, sublinhou a HRW, referindo também alguns relatos de utilização de força excessiva no despejo de pessoas para projectos de desenvolvimento e agricultura.

Moçambique também não escapa

Em Moçambique, “o conflito político e militar entre o governo (Frelimo) e o partido da oposição Renamo, tem resultado num aumento dos abusos dos direitos humanos”, indicou a HRW.

Desde Outubro de 2015, dezenas de milhares de pessoas fugiram para o Malaui devido aos abusos dos militares, incluindo execuções sumárias, violência sexual e maus-tratos a pessoas sob detenção policial, referiu.

Na província da Zambézia, homens armados associados à Renamo atacaram hospitais e clínicas para roubar medicamentos e material, ameaçando o acesso aos cuidados de saúde de dezenas de milhares de pessoas em áreas remotas.

O governo moçambicano ainda não publicou as conclusões de uma investigação sobre uma vala com cadáveres, encontrada em Maio, que continha, pelo menos, 15 corpos, disse a ONG.

No Zimbabué, o governo do Presidente Robert Mugabe “ignorou as disposições em matéria de direitos na nova constituição do país, não adoptando leis para a entrada em vigor da nova Constituição” e a necessidade de alinhar o quadro legal do país com as obrigações assumidas em relação às convenções de direitos humanos regionais e internacionais, referiu o comunicado.

“A polícia zimbabueana utiliza leis desactualizadas e abusivas para violar direitos básicos, tais como a liberdade de expressão e de reunião, bem como para intimidar activistas, defensores dos direitos humanos e membros da comunidade LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais], disse Dewa Mavhinga.

Para a HRW “não se registam progressos em termos da justiça para as violações dos direitos humanos”. A ONG destacou o caso de Itai Dzamara, um activista pró-democracia e defensor dos direitos humanos, que foi levado à força a 9 de Março de 2015 e continua desaparecido.

Itai Dzamara, líder do movimento “Occupy Africa Unity Square”, um pequeno grupo de protesto inspirado nas revoltas da chamada “Primavera Árabe”, pediu a demissão de Robert Mugabe e a reforma do sistema eleitoral.

Joseph Kabila sempre presente

Na RDCongo, o governo reprimiu brutalmente aqueles que protestaram contra ou se opuseram às tentativas de prolongamento do mandato do Presidente Joseph Kabila além do limite constitucional de dois mandatos, que termina a 19 de Dezembro, de acordo com a HRW.

Desde Janeiro de 2015, as forças de segurança governamentais detiveram arbitrariamente muitos líderes da oposição e activistas, dispararam contra manifestantes pacíficos, proibiram manifestações da oposição, fecharam órgãos de comunicação social, acusaram jovens activistas pró-democracia pacíficos do planeamento de actos terroristas e impediram a livre circulação dos líderes da oposição no país, disse.

“O governo deve libertar, urgentemente, todos os presos políticos, permitir que os defensores dos direitos humanos congoleses e internacionais continuem o seu trabalho crucial, permitir que os activistas e apoiantes da oposição se manifestem pacificamente e expressem as suas opiniões políticas e responsabilizar os autores da repressão”, sublinhou.

A organização de defesa dos direitos humanos alertou para a situação da segurança no Congo Oriental, onde dezenas de grupos armados continuam activos, e pediu ao governo que melhore a protecção dos civis na área, identifique e responsabilize os agressores.

Suazilândia e companhia

Na Suazilândia, que irá presidir à SADC nos próximos 12 meses, o estado dos direitos humanos tem vindo a degradar-se significativamente, referiu.

O governo impôs restrições ao activismo político e aos sindicatos, em violação o direito internacional, incluindo potenciais proibições ao abrigo da Lei para a Supressão do Terrorismo. Vários activistas e sindicalistas foram detidos arbitrariamente e sujeitos a julgamentos injustos, indicou a ONG.

Sobre a África do Sul, o investigador da Human Rights Watch afirmou que a confiança da população na capacidade do governo para resolver violações dos direitos humanos, a corrupção e o respeito pelo Estado de direito tem vindo a diminuir.

“O governo tem feito muito pouco para resolver as preocupações sobre o tratamento dos migrantes, refugiados e requerentes de asilo ou mesmo as causas que estão na origem da violência xenófoba, tal como não tem garantido o acesso de cerca de meio milhão de crianças com deficiências ao ensino básico”, disse.

Grupos de defesa dos direitos humanos manifestaram preocupação por o governo não desenvolver uma estratégia global para combater a elevada taxa de violência contra as mulheres e os baixos valores de denúncia das violações, acrescentou.

A HRW destacou o casamento infantil “como uma das principais preocupações em diversos países da África Austral”.

Metade das raparigas do Malaui e um terço das raparigas do Zimbabué casam antes de completarem 18 anos. As raparigas que casam novas frequentemente interrompem os seus estudos, enfrentam graves problemas de saúde devido a gravidezes múltiplas e precoces e sofrem grande violência sexual e doméstica, advertiu a ONG.

Os países-membros da SADC devem alinhar as suas legislações com a Lei Modelo para a Erradicação do Casamento Infantil do Fórum Parlamentar da SADC, adoptada em Junho, que estabelece uma idade mínima para o casamento de 18 anos, pediu.

Os Estados-membros da SADC são África do Sul, Angola, Botsuana, RDCongo, Lesoto, Madagáscar, Malaui, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia, Zimbabué e Seychelles.

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