Sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, ordena aos escravos – tal como tem feito ao longo dos 37 anos que leva de poder – para que tenham fé num “futuro melhor”, apesar das dificuldades económicas e financeiras que o país. De barriga vazia, como sempre, os escravos baixam a cabeça em sinal de respeito ao monarca.
Por Orlando Castro
José Eduardo dos Santos, para além de rei é igualmente Titular do Poder Executivo, entende – até agora com razão – que os seus súbditos para além de cidadãos de segunda são também matumbos. Acredita, aliás, que o culto canino com que os seus bobos da corte o veneram é extensivo a todos os escravos.
“Falamos durante muito tempo na diversificação da economia, mas fizemos pouco, mesmo assim mais vale começar tarde do que nunca começar”, disse José Eduardo dos Santos em – note-se – 18 de Dezembro de…. 2015. Ontem como hoje, só faltou a sua majestade o rei recordar que não tem responsabilidades no assunto, pese o facto de estar no poder desde 1979 e o seu partido há 40.
Segundo sua majestade o rei, o povo angolano já venceu desafios mais complicados e difíceis do que os actuais, “porque agiu sempre com confiança em si mesmo e com determinação. Assim devemos continuar”.
É verdade. Assim devemos continuar. Como? Mantendo – como nos últimos 40 anos – um reino esclavagista em que a esmagadora maioria dos escravos trabalha para o seu dono, ou seja, para os altos dignitários do regime, encabeçados pelo “querido líder”, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
Voltemos ao discurso de Dezembro de… 2015. “O país está a viver um momento difícil, em virtude da diminuição das receitas provocadas pela baixa do preço do petróleo no mercado internacional, mas temos que ajustar os nossos programas e planos para enfrentar com sucesso o próximo ano”, referiu o “escolhido de Deus”, inspirado pela certeza – pensa ele – de que os escravos com barriga vazia nunca se revoltarão.
Sua majestade o rei, como se nada tivesse a ver com o descalabro do país (37 anos de poder é pouco, convenhamos), exigiu maior celeridade de intervenção nos sectores da agricultura, pescas, turismo, indústria da madeira, alimentar, ligeira e mineira, para aumentar as exportações e reduzir as importações com o aumento da produção local e do comércio. Estávamos em Dezembro de… 2015.
É caso para perguntar: Estes sectores já existiam ou foram apenas descobertos agora? Pois é. Sempre existiram. Até 2002 a culpa foi de Jonas Savimbi porque estava vivo e a lutar. Depois a culpa passou a ser de… Jonas Savimbi porque morreu e deixou de lutar.
Para que todo o processo decorra “sem perturbações”, na visão divina do mais alto representante de Deus na Terra, reiterou a necessidade “indispensável” de melhorar a gestão das finanças públicas e melhorar e reforçar também a segurança e a ordem interna.
“É preciso manter o país em paz e com estabilidade, consolidar a democracia e as instituições do Estado e garantir a liberdade de criação e expressão, para que a construção do bem-estar social seja obra de todos”, frisou sua majestade o rei, percebendo-se que todos os seus luvualus se curvavam em veneração.
Embora seja antiga a veia anedótica de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos, só nos últimos anos (nem Luvialu de Carcalho, João Pinto e similares lhe chagam aos calcanhares) ela se revelou em toda a sua pujança.
Repita-se a afirmação para ver o alcance mundial da piada: “É preciso manter o país em paz e com estabilidade, consolidar a democracia e as instituições do Estado e garantir a liberdade de criação e expressão, para que a construção do bem-estar social seja obra de todos”.
Mantendo o registo anedótico, sua majestade o rei virou-se para a juventude, considerando-a importante, defendendo que os jovens sejam dotados de capacidades que lhes permitam alargar os seus horizontes e prepará-los para enfrentar a realidade da vida e que possam contribuir para a harmonia e coesão social.
Não se referia, obviamente a todos os jovens. Apenas aos do regime, aos do MPLA. Os outros, os que teimam em pensar fora da verdade oficial, estão condenados à nascença. Levam porrada, são supostamente julgados e condenados e podem entrar na cadeia alimentar dos jacarés.
“É necessário continuar a cultivar no espírito das novas gerações a ideia de que um cidadão, que é naturalmente portador de direitos e deveres constitucionalmente consagrados, deve valer por aquilo que ele é e não apenas por aquilo que do ponto de vista material possui ou ostenta”, referiu.
Não custa a acreditar que, no contexto actual dos jovens activistas presos, ao dizer tudo isto que contraria o seu ADN, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos tenha tido um orgasmo antropofágico. É um direito que, como qualquer ditador, está ao seu alcance.
Mais uma vez, sua majestade o rei José Eduardo dos Santos quer dar-nos lições sobre aquilo que simplesmente desconhece, não quer conhecer e manda matar quem conhecer: ética, democracia, verdade, moral e liberdade.