A Procuradoria-Geral da República (PGR) do MPLA – não de Angola – considera, cumprindo obviamente “ordens superiores”, a nomeação (pelo seu pai) de Isabel dos Santos para presidente da petrolífera estatal Sonangol uma competência legal do Presidente da República, ao abrigo da Lei de Bases do Sector Empresarial Público.
Por Orlando Castro
A posição surge no despacho de resposta da PGR a uma queixa, formalizada a 16 de Junho por Rafael Marques, invocando a inconstitucionalidade dos decretos presidenciais de reajustamento da organização do sector petrolífero e com alterações aos estatutos da concessionária pública Sonangol «sem prévia autorização da Assembleia Nacional».
Com essa queixa, Rafael Marques pedia ainda a intervenção do Ministério Público para que solicitasse a «imediata» declaração da suspensão da eficácia da nomeação de Isabel dos Santos para presidente do conselho de administração da Sonangol, feita pelo chefe de Estado e pai da empresária, José Eduardo dos Santos, também em Junho, por ser um acto deles [decretos presidenciais] derivado».
Contudo, a PGR refere, citando o artigo número 120, que nos termos da Constituição, «o Presidente da República é o titular do poder executivo e nessa qualidade deve dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender a administração indirecta e exercer a tutela sobre a administração autónoma».
A nomeação de Isabel dos Santos foi ainda alvo de uma providência cautelar interposta em Junho por um grupo de 12 advogados angolanos, invocando a violação da lei da Probidade Pública, por ter sido feita pelo próprio pai.
Desde Junho que essa acção aguarda decisão no Tribunal Supremo, porém, José Eduardo dos Santos e a filha já terão apresentado a respectiva contestação (leia-se ordem superior), nos termos da lei.
«Nos próximos dias vamos ter uma decisão. Já não é segredo que as pessoas visadas já apresentaram a sua questão, não sabemos em que termos. O que sabemos é que esta questão está em pauta e acredito que ainda antes das férias judiciais teremos uma decisão», disse David Mendes, porta-voz deste grupo de advogados.
Probidade apenas e só para os escravos
A Lei da Probidade Pública constituiria, segundo seu articulado e os devaneios propagandísticos do regime, mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção, compadrio e clientelismo. Recorde-se que a Assembleia Nacional aprovou no dia 5 de Março de 2010, com o devido e apologético destaque propagandístico da imprensa do regime e não só, por unanimidade, a Lei da Probidade Administrativa, que visa (de acordo com a versão oficial) moralizar a actuação dos agentes públicos angolanos.
Esclareça-se desde já que, embora não esteja na letra da lei mas está obrigatoriamente no espírito, o Presidente da República, o Presidente do MPLA e o Titular do Poder Executivo (bem como todo o seu séquito de bajuladores) estão acima dessa moralização por que são eles próprios o paradigma da moralização.
Disseram na altura os acólitos itinerantes do regime, e continuam a dizer agora, que o objectivo da lei era conferir à gestão pública aquilo que é normal em algo que Angola não é – um Estado de Direito Democrático: transparência, respeito pelos valores da democracia, da moralidade e dos valores éticos, universalmente aceites.
E que melhor exemplo de elevada moralidade, e ainda mais elevo valor ético, poderemos querer do que o que nos é dado quando o pai nomeia a filha para mandar na maior empresa pública do país?
O presidente da República no poder desde 1979 (sem ter sido nominalmente eleito), do MPLA (partido no poder desde 1975) e chefe do Executivo angolano (para além de outros cargos), José Eduardo dos Santos, quando deu posse ao então novo Governo, entretanto várias vezes remodelado, reafirmou a sua aposta na “tolerância zero” aos actos ilícitos na administração pública.
Sendo que, diga-se em abono da verdade, quem define e ilicitude dos actos na administração pública, e na privada também, é José Eduardo dos Santos.
Apesar da unanimidade do Parlamento, e passado todo este tempo, o melhor é fazer, continuar a fazer, o que é aconselhável e prudente quando chegam notícias sobre a honorabilidade do regime, esperar sentado (nem que seja numa lata de “Nido”) para ver se nos próximos dez ou 20 anos (o optimismos faz parte do nosso ADN) a “tolerância zero” sai do papel em relação aos donos dos aviários (clã Dos Santos) e não, como é habitual, no caso dos pilha-galinhas (20 milhões de angolanos pobres).
Essa lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”. É bonito. Digam lá que não parece – em teoria – um Estado de Direito?
E a eficiência desta lei, como das restantes, é mensurável no facto de Angola continuar a ser um dos países, ou reinos, mais corruptos do mundo.
No entanto, o que importa é que José Eduardo dos Santos acredita que a corrupção em Angola é um problema menor. E isso basta.
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos aqueles que sabem, até mesmo os que dentro do MPLA batem palmas à ordem do chefe, que em Angola a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos? Acreditarão os que sabem que 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; que mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% da população?
Acreditarão na Lei da Probidade Administrativa todos os que sabem que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Também não interessa se acreditam ou não. O importante é que o MPLA recebe os encómios dos países acocorados perante o petróleo angolano, que preferem negociar com um regime corrupto do que, eventualmente, com um que tenha uma base democrática.
Se calhar, pensam baixinho os angolanos que usam a cabeça e não a barriga para analisar o seu país, para haver probidade seria preciso que o poder judicial fosse independente e que o Presidente da República não fosse – como acontece à luz da Constituição – o “cabeça de lista” (ou seja o deputado colocado no primeiro lugar da lista), eleito pelo do circulo nacional nas eleições para a Assembleia Nacional.
Se calhar para haver probidade seria preciso que não fosse o Presidente a escolher e nomear o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos destas.
Se calhar para haver probidade seria preciso que Angola fosse um Estado de Direito, coisa que manifestamente (ainda) não é.