António Guterres é o novo secretário-geral da ONU. O engenheiro nasceu em 1949 em Lisboa. Foi líder do Partido Socialista, primeiro-ministro, presidente da Internacional Socialista e, por último, dirigente do ACNUR.
Por João Carlos (*)
António Manuel de Oliveira Guterres, que foi nomeado por unanimidade pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) para Secretário-geral da ONU, tem agora pela frente o grandioso desafio de implementar as reformas propostas no sistema da ONU, conforme os objectivos que defendeu durante a campanha de candidatura ao cargo até então assumido pelo sul-coreano Ban Ki-moon.
Quando andava no Liceu Camões, em Lisboa, o objectivo de António Guterres era ser investigador em Física – a maior paixão intelectual da sua vida. Seguiu essa paixão como professor universitário. Aluno brilhante, em 1965 entra para o curso de Engenharia Electrotécnica no Instituto Superior Técnico, licenciando-se em 1971. Mas, como estudante universitário foi voluntário numa Organização Não Governamental, de que foi presidente, a qual desenvolvia acção social em três bairros de lata, onde eram elevados os níveis de pobreza. Era o tempo do fim da ditadura em Portugal.
O engenheiro lembra-se desse tempo, afirmando que esse trabalho nos bairros de lata de Lisboa lhe criara “um choque”: “Num país em que as liberdades não eram respeitadas e em que uma parte substancial da população vivia em condições terríveis, de discriminação e de pobreza, há aqui um problema moral. E por isso, num dado momento e sobretudo com a vinda da Revolução dos Cravos, fechei os meus papéis de doutoramento, deixei a universidade e envolvi-me completamente na actividade política com a ideia de que não havia solução humanitária para os problemas dos bairros de lata; que a solução era política.”
É assim que acaba por se envolver na vida política, em várias décadas. Disputa e ganha a liderança do Partido Socialista, em 1992. Três anos depois (1995), alcança a sua grande vitória nas eleições legislativas, pondo fim a dez anos de governação do social-democrata, Cavaco Silva. No entanto, em 2001, demite-se após a derrota eleitoral do PS nas eleições autárquicas. Homem de desafios, Guterres foi presidente da Internacional Socialista (1999-2005).
Dez anos depois, deixou a vida política portuguesa e decidiu voltar à actividade humanitária dedicando a sua vida aos mais vulneráveis no mundo. Acabou por ocupar o lugar de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, entre Junho de 2005 e Dezembro de 2015. O seu maior desafio, reconhece, foi candidatar-se para o ACNUR.
Sobre esse cargo Guterres afirma: “Isso foi um enorme privilégio mas criou também uma enorme frustração, porque nós não tínhamos solução humanitária para os problemas das pessoas. A solução dos problemas humanitários não é humanitária, é política. E de alguma forma, ao fim destes dez anos um enorme impulso para poder dedicar o próximo quartel da minha vida àquilo que são as causas profundas do sofrimento humano e sentindo que isso tem a ver com as questões de paz, de segurança, de desenvolvimento e dos direitos humanos.”
Depois de dez anos à frente do ACNUR, Guterres conclui que o lugar mais indicado para prosseguir a sua carreira, com base nas experiências que acumulara ao longo da vida, seria uma candidatura ao posto de secretário-geral das Nações Unidas.
Guterres propõe uma série de reformas do sistema das Nações Unidas. E nessa qualidade, defende vários objectivos, entre os quais a solução dos múltiplos conflitos no mundo e prevenção contra o terrorismo global.
É assim que o secretário-geral descreve o actual estado do sistema das Nações Unidas: “Se é verdade que tudo está interligado, acho também que é óbvio que onde a comunidade internacional mais tem falhado tem a ver com as dificuldades da prevenção e solução dos conflitos e ao mesmo tempo com as dificuldades em proteger a comunidade internacional em relação à nova ameaça do terrorismo global tal como ele hoje se manifesta nas sociedades modernas. Há aqui claramente uma falha e é por isso que eu disse que era indispensável um novo impulso na diplomacia para a paz, impulso esse que tem um papel decisivo na acção. Há aqui uma oportunidade para uma acção intensa do secretário-geral no aproveitamento daquilo que se chama os seus bons ofícios, desde que ele seja obviamente um mediador imparcial, desde que ele seja visto como um catalisador com poder de convocatória, e possa merecer o respeito de todos para ter a capacidade de mobilizar todos em relação, quer à prevenção de conflitos, quer à solução de alguns desses conflitos que se vem arrastando por algumas décadas.”
A escolha de Guterres foi aplaudida por representantes de várias organizações não governamentais nacionais e internacionais. Pedro Neto, director executivo da Amnistia Internacional em Portugal, sublinha que os desafios são inúmeros, entre os quais o drama dos refugiados.
“Em primeiro lugar, é preciso e necessário um novo acordo para os refugiados e para os migrantes. É dramática a situação de 21 milhões de refugiados existem neste momento”, afirma Neto, e conclui: “Este é um dos assuntos prioritários para o próximo secretário-geral das Nações Unidas.” Por outro lado, Pedro Neto defende o combate à criminalidade em larga escala, a nível mundial, utilizando os instrumentos que as Nações Unidas têm para o fazer. Em terceiro lugar, apela a uma maior valorização do papel da sociedade civil em defesa dos Direitos Humanos.
Na análise à DW sobre a missão do novo secretário-geral da ONU, o jornalista Orlando Castro (director adjunto do Folha 8) considera relevante a escolha de um português para o mais alto cargo: “Acho que isso é relevante, porque pode centralizar – quer na língua quer no conceito de lusofonia –, novas atenções”, afirma o jornalista português nascido em Angola.
Castro questiona: “Falta-me é saber o que António Guterres terá que pagar pelos apoios que conseguiu sobretudo, no caso concreto, do regime de José Eduardo dos Santos. E eu não creio que Guterres tenha estado bem nos elogios que fez para conseguir esse apoio de Angola. E creio que não esteve bem porque não tinha necessidade de fazer a apologia de um regime que, como todos nós sabemos, é dos mais corruptos do mundo, um regime que consegue fazer com que Angola seja o país que, a nível mundial, tem maior índice de mortalidade infantil.”
O analista reconhece que África até será o problema menor entre os desafios que António Guterres tem pela frente. Neste contexto, realça os graves problemas que tem para resolver, nomeadamente a situação dos refugiados, a crise na Síria ou o conflito israelo-árabe sempre latente. «São macro-desafios», sublinha Orlando Castro.
(*) DW
Foto: Folha 8