No seu livro “Os transparentes”, Ondjaki aborda as peculiaridades dos habitantes de Luanda, apenas de Luanda, demonstrando o comportamento dos endinheirados, governantes e seus súbditos, ao mesmo tempo dos pobres, desenrascados e transparentes.
Por Sedrick de Carvalho
Na Luanda de hoje é comum ouvirmos os miseráveis dizer: “quem me dera ser ministro ou um chefe da polícia, só o meu carrão!”. Este discurso reflecte uma personagem trazida por Ondjaki no livro citado – JoãoDevagar. Este é um indivíduo que só pensa conseguir dinheiro de alguma forma, daí que abre cinema em terraço do prédio onde habita, depois “evolui” e “importa” duas belas mulheres loiras da Europa do Leste para sessões pornográficas ao vivo.
Aqui façamos um enquadramento: a importação de mulheres de vários pontos do mundo pelo senhor Bento Kangamba, genro-sobrinho de José Eduardo dos Santos, os dois do MPLA, tráfico amplamente divulgado na imprensa brasileira e portuguesa, com investigações a acontecerem nesses países.
Mas Kangamba é endinheirado e JoãoDevagar não, notou o leitor atento. É que, pelo rumo da estória contada por Ondjaki, JoãoDevagar estava a caminho de ser o Kangamba da obra. Quem sabe foi a inspiração!
Depois fica muito evidente o intercâmbio entre as classes – pobres e endinheirados. Essa mistura não acontece numa relação que diríamos salutar, com os possuidores de dinheiro a ajudarem os que precisam e estes últimos a contribuírem com o seu trabalho e ideias para desenvolver o país. O intercâmbio, no livro, e não foge muito da realidade, se dá no domínio da subserviência e mendicidade.
Há o ministro que vai ao bairro dos pobres só para fazer sexo com a moça do matako maior; é o assessor do ministro que apenas precisa de uma jovem pobre para comprar gelo para refrescar o seu whisky e champanhe; e ainda o polícia (também pobre mas investido de autoridade) que se aproveita da aflição do pai do detido para lhe trazer almoço todos os dias.
Vejamos: lemos, ouvimos e até vimos recentemente um “ministro” a interagir com a pobre – Miguel Catraio e Neth, Jussila e outras. Isso é comum no seio dos “ministros”, e Adriano Mixinge também traz esse intercâmbio em seu livro “O ocaso dos pirilampos”, mas aqui é mesmo o “Presidente da República” que interage. A relação assessor do ministro e polícia-autoridade/pobre é bastante sabida que nem convém citar exemplos.
Entretanto, é importante frisar que neste país magnífico e miserável chamado Angola a maioria dos transparentes sonha em chegar exactamente onde está o Bento Kangamba, o ministro, o assessor e o polícia/autoridade. E não quer lá chegar para fazer melhor (ser Kangamba é sonho mesmo?). Quer ali estar para fazer igual ou pior: impunidade, promiscuidade, acumulação de dinheiro da roubalheira, etc. Ricardo Soares de Oliveira, no livro “Angola – Magnífica e Miserável”, fala um pouco sobre essa ambição dos angolanos em ser o que são os verdadeiros criminosos, pois é assim incentivado pelo regime de bandidos.